Alfabeto II [Edição 49]

Muito bem, hoje a Tia Odete aqui resolveu pegar vocês antes que comecem a fazer desordem. Vamos aprender mais sobre as letrinhas de nosso alfabetinho, que começamos a estudar na última aulinha. Eu sei que hoje em dia a moderna pedagogia diz que uma criança não deve aprender nada disso antes dos 8 anos, mas eu sou meio jurássica mesmo e acho que, se há interesse e capacidade, deve-se ensinar mesmo.

Nós tínhamos parado em que letra mesmo? Ah, na “E”, obrigado, Valzinha… Não, não queremos saber o que foi que o síndico do bloco “E” onde você mora, costuma fazer com a maquiagem da esposa quando ela sai para trabalhar nem nos importa o que ela faz com o almoxarife da sua empresa quando o marido sai para o trabalho.

Enfim, esqueçam isso, crianças, e vamos saber da letra “F”. Os fenícios tinham um som meio entre “B” e “V”, e o representavam com uma letra chamada waw. Os gregos, não tendo tal som, colocaram no lugar da letra uma outra, chamada digamma, que era como um “F” maiúsculo, só que com os traços horizontais apontando para a esquerda. Ela acabou virando esses tracinhos para a direita, mas o som que ela representava ficou meio indeciso por um tempo.

O alfabeto grego usava a letra chamada “FI” para um som parecido mas não igual ao do nosso “F”.

Como resultado, os romanos escreviam “F” para o som que ainda hoje temos e usavam “PH” para representar o som grego. Não se esqueçam que o Latim tinha numerosas palavras derivadas do Grego.

Em Português e Espanhol o som original grego nem chegou a ser usado; mas, por força do hábito, ou mesmo por não se pensar muito no assunto, as palavras que tinham “PH” vindas do Latim foram mantidas com ele. Por isso, nosso som “F” foi por séculos representado tanto pela letra “F” como pelo dígrafo “PH”.

Depois dela vem o “G”, uma das poucas letras da qual se sabe exatamente o inventor. E a data da invenção.

Ahá, acharam interessante, é? Foi assim, ó: antes de essa letra passar ao alfabeto latino, passou pelo etrusco. Estes não tinham o som fechado do “G”, o “guê” de gato, gagá, gama. Mas os romanos sim, e por um bom tempo usaram a letra “C” tanto para o som “K” de couro como para o som “G” de gosto.

Imaginem a confusão. E aí entra um sujeito chamado Spurius Carvilius Ruga, liberto (servo tornado livre) de um cidadão de sobrenome Ruga, cujo sobrenome ele adotou.

Talvez motivado pela dificuldade de se pronunciar direito o sobrenome do patrão, ele teve a idéia genial de colocar um tracinho horizontal na perninha do “C” e lhe atribuir o som de “guê”. Isso foi em 239 antes de Cristo. Sucesso absoluto. Bem poucos podem se atribuir a criação de uma letra!

E nosso amigo Spurius mais tarde abriu uma escola. Vejam, só, tão inteligente e foi fazer uma besteira dessas.

Agora vem o “H”. Os fenícios tinham essa letra, que chamavam het, e era pronunciada como um “J” espanhol suave. Os gregos a tomaram e deixaram de pronunciar o som aspirado, transformando-a num “E”.

Aí se estabeleceu mais uma confusão, pois os etruscos tinham esse som aspirado e usaram a letra que nem os fenícios. Aí a letra passou para os latinos, que não tinham o que fazer com ela, já que não usavam tal som. Eles começaram a espalhar essa letra sem muito critério, com o que ela acabou sendo muda em grande número de palavras.

Já o “I” não apresenta história tão atrapalhada. Não mudou muito nos começos, e representava uma mão ou braço entre os fenícios.

E o “I” minúsculo, sabiam que no começo ele não tinha pinguinho em cima? Este lhe foi acrescentado a partir do século XI, para evitar confusão entre dois “I” manuscritos juntos e o “U” manuscrito.

Também o “I” maiúsculo ganhou um tracinho horizontal acima e outro embaixo para ser lido mais facilmente nas inscrições dos prédios romanos.

Agora vamos ver outra letrinha com data de surgimento e inventor conhecidos, o “J”. Ou inventores, pois não se sabe direito se foi Pierre de la Ramée ou Louis de Meigret, uns franceses do século XVI. Não fora inventada antes porque nem o Grego nem o Latim tinham esse som.

Não estranhem muito. Por exemplo, o Inglês não tem esse som. Pularam no assento porque se lembraram de tê-lo ouvido nos filmes, não é? Mas prestem atenção, esse som não existe sozinho para eles, eles só têm “DJ”.

Certo, Ledinha, eles precisam dar um jeito nisso, para representar tal som em palavras de outros idiomas. Para tal, eles convencionaram, sabe-se lá porquê, usar o dígrafo “ZH”.

A ignorância desse fato faz com que o nome russo pronunciado BREJNEV, por exemplo, e grafado BREZHNEV pelas agências de notícias anglo-americanas seja macaqueado por aqui como BREZHNEV mesmo.

E o “K”? Vocês aprenderam que essa letra não existe em nosso alfabeto, mas ao que tudo indica ela vai voltar. Além do mais, ela se usa cada vez mais em palavras inglesas comuns em linguagem técnica, de modo que é interessante saber que ela veio do kaf, a letra fenícia que era semelhante ao “K” atual, só que virada para a esquerda.

Ela era usada entre os latinos para representar helenismos, ou seja, palavras de origem grega. Em Roma não era lá muito popular; foi usada em Português e Espanhol pelos escritores eclesiásticos, que apreciavam o Grego.

E agora vocês vão sair da aulinha muito bonitinhos e comportados. Tia Odete está contente porque nada foi destruído neste dia tão raro. Até amanhã.

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