Entrevistado pela Imprensa [Edição 26]

Prezados Leitores:

Em mais um esforço de reportagem do meu, do seu, do nosso jornal esporádico O Boletim do Bairro, a primeira e única publicação deste recanto da cidade, que se alguém mais se atrever a tentar publicar por aqui a gente arrebenta, vamos apresentar hoje uma entrevista com nosso único intelectual, o Detetive X-8, uma pessoa que já leu vários livros.

Para tal, nossa reportagem se deslocou até o seu escritório, situado num dos endereços comerciais mais chiques do bairro, o Edifício Éden.

O prédio não tem número e as letras do nome foram roubadas há tempo, mas não dá para errar: fica ali logo em frente ao bar do Garcia.

Ao passar por ali, não deixe de dar uma entrada no BAR DO GARCIA.

Lá você encontrará latas de cerveja guardadas em legítimas geladeiras de metal, sanduíches fresquinhos, que os que têm mais de dois dias o dono vende a preço baixo para os pobres, os melhores refrigerantes quase gelados. As croquetes de lá, então, quem come não esquece jamais!

Recentemente o Sr. Garcia, destaque empresarial, contratou uma desinsetização para o Bar, o que tornou o ambiente bem mais agradável. Agora não é mais necessário alugar um mata-moscas ao sentar à mesa. Falando em mesas, as patas de todas as mesas foram emendadas, assim a gente não precisa segurar mais os pratos e os copos o tempo todo.

Para usar da transparência que sempre norteou os seus negócios, o Sr. Garcia mandou fazer a desinsetização durante o expediente normal, de modo que ninguém pudesse dizer que se tratava de golpe publicitário. Ele inclusive reuniu vários boletins de atendimento médico de urgência dos clientes daquele dia para provar o que diz.

Não se esqueça: BAR DO GARCIA, onde o melhor atendimento é a ordem do dia!

Mas, dizíamos nós, dirigimo-nos ao escritório do corajoso, impoluto e experiente detetive, que atende às palavras necessitadas de orientação com reconhecido zelo e eficácia, sempre que os seus honorários sejam pagos adiantadamente.

Fica no terceiro andar, ao fundo do corredor, entre a mancha de umidade com formato de fantasma e a de mofo esverdeado que parece um polvo. Ostenta na porta, em placa de latão brilhante, o expressivo texto “X-8″.

Batemos à porta. Ouve-se do interior a voz máscula do famoso detetive: – “Entre”.

Obedecemos, enquanto nosso olhar percorre o seu charmoso escritório, com ampla mesa equipada por modernas canetas Bic de várias cores, uma máquina de escrever portátil que saiu novinha da fábrica quando foi comprada, arquivos e, inclusive, mais de um livro.

Falando em material de escritório, não deixe de fazer as suas compras na CASA DO ESCRITÓRIO, onde você encontra desde lápis e finas canetas de 50 centavos até cadernos, papel carbono e envelopes de tudo que é jeito.

Quando o Sr. Garcia do Bar fez a desinsetização, a CASA DO ESCRITÓRIO aproveitou a passada dos rapazes e se livrou das baratas, de modo que, depois que terminar o atual estoque, o material não se apresentará mais roído.

Lembre-se: CASA DO ESCRITÓRIO – compre ali e saia finório!

Como contávamos antes de sermos interrompidos pelos comerciais, o ambiente do escritório de investigações, totalmente em preto e branco, é o de um filme policial americano dos anos 50.

Atrás da escrivaninha se encontrava o célebre detetive, gabardine e chapéu ocultando sua figura, pés sobre a mesa.

Sentamo-nos à sua frente, abrimos nosso caderno portátil – comprado, aliás, na CASA DO ESCRITÓRIO – e puxamos nossa canetinha. Essa não foi comprada, que a gente ganhou de brinde.

Aliás, um belo brinde gentilmente oferecido aos seus clientes preferenciais a cada fim de ano pela ELETROTÉCNICA ROHDRIGUEZZ, que pertence ao destacado comerciante local Hadalbertto Rohdriguezz, conhecido até há pouco como Seu Adalberto Rodrigues, antes de fazer a consulta numerológica que, se ainda não mudou o seu destino, pelo menos mudou o seu nome.

A ELETROTÉCNICA ROHDRIGUEZZ conserta tudo que é tipo de material eletrodoméstico: batedeiras, vibradores, bicicletas, máquinas de lavar roupa, carrinhos de nenê, etc.

Na verdade, nem sempre as coisas podem ser consertadas; o forte mesmo da ELETROTÉCNICA ROHDRIGUEZZ é o comércio de materiais usados.

Se você tiver em casa calotas ou pneus de automóvel, jóias, laptops sem uso, relógios, bolsas, carteiras, traga para a ELETROTÉCNICA ROHDRIGUEZZ que você certamente fará bom negócio.

Caso você costume encontrar no chão cartões de crédito, talões de cheque ou documentos de identidade de outra pessoa, eles também serão comprados para serem devolvidos aos seus legítimos donos, que o Sr. Hadalbertto Rohdriguezz prima pelo pleno exercício da cidadania e pelo auxílio aos outros.

ELETROTÉCNICA ROHDRIGUEZZ, sem ela você não vives!

Então, como falávamos, começamos, num momento cheio de emoção, nossa entrevista com o personagem atrás da escrivaninha:

– O senhor é o famoso detetive X-8, o paladino das palavras, aquele que decifra as origens das palavras que tão bem nos servem, tornando-as mais tranqüilas e seguras de si?

O senhor efetuou estudos mesmo contra todas as dificuldades e avisos dos seus pais, pagando as mensalidades da Faculdade de Etimologia com faxinas e serviços correlatos; isso o torna certamente uma pessoa mais apta a avaliar a humanidade das palavras, suas forças e fraquezas, deste modo estando mais qualificado do que outras pessoas para lidar com elas e saber do que elas precisam?

A sua preparação o torna perfeitamente apto a reconhecer as origens das palavras de idiomas da Europa Ocidental, muitas vezes chegando até mesmo às suas raízes Indo-Européias? Seu índice de casos perdidos é tão baixo que só não chega a ser negativo por impossibilidade matemática?

Numerosas vezes o senhor ficou com a certeza de ter salvo a vida de palavras que, se não tivessem sido informadas do seu verdadeiro passado, corriam risco de suicídio? Inclusive já chegou a atender emergências etimológicas que aparentavam ser casos desesperados?

Além de fazer tudo isso basicamente pelo mais puro amor às palavras, numa parceria espontânea e cidadã para estender uma mão a essas minorias tão maltratadas nos dias que correm, o senhor também já foi chamado para ajudar a Polícia da cidade em casos especialmente complicados, não foi?

A investigação da origem e passado de uma palavra sempre envolve situações perigosas e misteriosas, com perseguições em becos escuros, penetração incógnita em escritórios e bibliotecas, troca de informações com indivíduos suspeitos na beira do cais ou, em caso de não existirem estes, em recantos que, além de escuros, são mal-iluminados?

Nestes momentos, em que o senhor sabe que de qualquer canto pode surgir uma faca ou uma bala apontada para o seu coração, o que o motiva é o seu profissionalismo e seu dever profissional, pelos quais o senhor é capaz de correr riscos que nenhuma outra pessoa ou palavra se atreveria a enfrentar?

Tudo isso justifica a inescapável cobrança adiantada de honorários profissionais, sem o que não é possível manter a possibilidade de prestar um serviço especial e diferenciado à sua distinta clientela, que até o dia de hoje não apresentou a menor queixa e que faz uma importante propaganda boca-a-boca?

Encerrando, o senhor gostaria de dizer que está aberto a consultas etimológicas de palavras de toda espécie e que não faz absolutamente distinção entre clientes conquanto que elas paguem adiantado e em espécie e que a modéstia o impede de dizer que esse serviço, prestado em campo e correndo todos esses riscos, é único no nosso bairro, na cidade, estado, país e que parece não haver mais que dois ou três detetives fazendo isso em velhas cidades da Europa, mas em vias de se aposentar?

Estamos profundamente gratos pela oportunidade de dialogar com uma pessoa de tamanha relevância em nossa comunidade e colhemos o ensejo para lhe entregar um cartão onde lembramos que O Boletim do Bairro aceita tudo que é tipo de propaganda, anúncios desde o nascimento até o casamento, divórcio e enterro, passando pela formatura no primário daqueles que chegam até lá, bem como participações de festas de 15 anos de gentis senhorinhas e campeonatos de futebol de salão. Até logo!

E assim saímos de um lugar aureolado de mistério, nimbado de riscos e histórias ocultas, convencidos de que tínhamos lidado com um profissional dos mais competentes, cujo cheque tinha fundo e tudo, de modo que se trata de pessoa honesta, interessante e altamente recomendável.

Ao sairmos, passamos em frente à CASA DOS PANINHOS, que há bastante tempo (pelo menos dois meses) trabalha com roupinhas íntimas femininas para lazer, desde microcalcinhas a sutiãs rendados e meias arrastão, passando por cintas-ligas, chicotes, correntes e algemas. Sua clientela no bairro é elevada e distinta, gerando um grande sucesso comercial.

O segmento jovem tem também à sua disposição o setor PANINHOS DE NENÊ numa das salas da loja, com enxovais completos para completar os planos das moças.

Passe na CASA DOS PANINHOS e seja coberta de carinhos!

E aqui nos dirigimos ao mimeógrafo para imprimir mais esta edição d′ O Boletim do Bairro, um jornal totalmente independente com as últimas informações de importância para o nosso querido bairro. Até à próxima!

Observação: também lavamos e polimos automóveis e entregamos broinhas caseiras.

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