VERBO [Edição 105]

 

X-8, o detetive etimológico, está nervoso. Seu escritório vai receber hoje uma palavra de grande antiguidade e honorabilidade.

Será que está tudo em ordem por ali? Tudo imita muito bem uma sala de detetive de film noir dos anos 50, bem como as palavras gostam. Quem sabe uma vela acesa sobre a escrivaninha?…

Mas agora não dá para pensar em decoração. Uma batida com jeito antigo na porta o faz dizer, meio trêmulo, “Entre!”

E por ali penetra a cliente tão importante. É nada menos que a palavra verbo, tão conhecida e de tanto uso.

Muito digna, cônscia de seu valor dentro do idioma, ela cumprimenta graciosamente e se acomoda numa poltrona que o detetive conseguiu emprestada de uma das moças que trabalham no andar de cima e que nesse dia estava de folga. Ela é extremamente macia, revestida de veludo vermelho, apresenta umas manchas aqui e ali mas quase não dá para notar porque a sala é mal iluminada. Fica meio esquisita num escritório, mas foi o que X-8 conseguiu para sua excelsa visitante.

– É um enorme prazer ver Sua Senhoria aqui, Verbo. Naturalmente o seu interesse é saber das suas origens, e devo dizer que veio ao lugar certo.

Dá para notar que suas mudanças de forma foram escassas desde o Latim verbum, “palavra, parte do discurso que expressa ação”, originalmente apenas “palavra”.

Passou para o Latim vinda de uma raiz Indo-Europeia were-, “falar”.

E sua história é muito prolífica, pois deixou uma descendência de peso nos idiomas europeus.

Para começar, vou citar umas expressões latinas ainda em voga das quais a senhora participa.

Por exemplo, vana verba, “palavras vãs”, que se usa para afirmar que outra pessoa está dizendo bobagens. Não deixa de ser uma forma culta de dizer um desaforo para outra pessoa.  Cumpre notar que verba é o plural de verbum.

ipsis verbis ou in verbis quer dizer “com as próprias palavras” e se usa quando se está citando exatamente o que um autor disse. Essa expressão é muito usada em linguagem jurídica e cartorial e tem diversas variações de mesmo sentido. Ipsissima verba quer dizer “com as mesmíssimas palavras”.

Outra é verbum ad verbum, “palavra por palavra”, nome usado para se obter cópias de documentos em cartórios.

Mais uma é verbatim, “palavra por palavra”.

E quem quer dar muita veemência a este significado usa verbatim, litteratim et punctatim, “palavra por palavra, letra por letra e ponto por ponto”. Melhor que isto só uma fotocópia.

Verbi gratia, “por graça ou amor da palavra”, usa-se para expressar “por exemplo, como tal” e se abrevia v.g.

E também há o que falar sobre suas descendentes em Português.

Verbi gratia, se me perdoar a tentação, temos advérbio. Esta é uma categoria de palavra que se caracteriza por ser invariável, não tem plural nem feminino nem diminutivos. Ela modifica outras acrescentando circunstância de modo, tempo, causa, afirmação, negação e muitas outras. Vem do Latim adverbium, de ad, “junto a”, mais verbum.

Podemos citar também verbal, do Latim verbalis, “o que consiste em palavras”. Usa-se em oposição a escrito, que é uma maneira de fazer registro em papel ou outro meio de uma afirmação ou ordem. Se me permitir mais um latinório, acabo de me lembrar da frase verba volant, scripta manent, “as palavras voam, o que foi escrito permanece”.

Ou seja, convém registrar tudo o que se diz, quando existe o risco de nossas palavras serem usadas maliciosa ou distorcidamente.

Quando uma pessoa fala em demasia, ela sofre de verborragia ou verborreia. Esta vem de verbum mais o Grego rheon, “correr, fluir”.

Verberar significa “repreender, censurar com energia”. Muito pensam que deriva de verbum, já que as palavras são um meio usado para tal. Mas não é o caso: ela deriva de verbera, “açoite, vergasta”. Isso se vê também porque um dos seus significados é “flagelar, açoitar fisicamente”.

Quando um indivíduo é muito falador, tagarela, embromador, pode ser chamado de verboso, de verbosus, “falador, cheio de palavras”.

E se uma fala é muito prolongada, despida de significado, feita apenas para encher o tempo e a paciência dos ouvintes, usa-se verbiagem. Ela nos veio da França, de verbiage, “excesso de palavras com pouco sentido ou conteúdo”.

Chega a hora de citar a verve, “entusiasmo, vibração, graça em se expressar que uma pessoa apresenta”. Vem de verba, mais especificamente no sentido de “palavras com vivacidade, capricho, entusiasmo”.

Não podemos esquecer a verba, “importância em dinheiro”. Ela é uma extensão do sentido de “anotação, apontamento, cláusula de um documento”, também “quantia que faz parte de um orçamento”.

Muito bem, prezada senhora, foi uma grande honra recebê-la em meu humilde local de trabalho.

Agora, se não se incomodar, posso receber a verba que me cabe pela minha exaustiva e perigosa pesquisa sobre o seu valor histórico

 

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