Palavra batalhão

Bateria

Eu tinha feito dez anos há pouco e cheguei muito agitado ao gabinete do meu avô. A porta estava aberta; eu entrei e fui dizendo:

– Vô, estou com medo porque o Pai disse hoje no almoço que ia jogar uma bateria na cabeça de um colega dele! Aí ele vai ser preso e…

– Epa! Calma, menino! Espere aí, que o seu pai não é de fazer isso. E nem é tão forte assim. O que foi mesmo que ele disse?

– Que ia pegar a bateria do carro dele e jogar na cabeça do outro.

– Foram exatamente essas as palavras dele?

– Não… Deixa eu ver… Ah, é, ele disse “Se eu pudesse, bateria essa idéia na cabeça do Fulano até ele aprender a fazer direito”.

– Ah, bom! Veja só o que é não entender direito alguma coisa, não perguntar e ficar meio histérico. Essa conduta fatalmente leva a confusão. O seu pai, que é um sujeito ponderado, usou uma figura de linguagem na qual comparou uma idéia a um objeto que pode entrar na cabeça de alguém e lá dentro produzir um resultado. Não disse o que você achou que ele disse.

Fiquei muito aliviado e resolvi aproveitar a ocasião para saber mais:

– E a bateria do carro, o mecânico tem que bater para ela entrar no lugar? Uma vez eu o vi trocando e ele não fez nada disso! E por que o verbo bater ficou tão parecido com essa peça? Eu não tenho culpa se as palavras foram mal inventadas!

O gentil velho riu e me fez sentar à sua frente:

– Está na hora de esclarecer o sentido e origem de algumas palavras. Acomode-se aí que eu vou lhe contar uns fatos.

Em Latim existia o verbo battuere, que depois perdeu o “U” e passou a ser usado como battere. Queria dizer “bater, golpear, atacar”. Nas épocas em que o idioma latino estava sendo definido, isso era coisa que fazia todos os dias, até porque a legislação era incompleta e as pessoas às vezes tinham que resolver seus assuntos na porrada mesmo.

Pois desse verbo surgiram palavras que você usa e nem desconfia que têm a ver com ele. Se bem que, se parar para pensar, talvez perceba alguma coisa.

A sua confusão com a fonte de energia elétrica para o carro se explica assim: lá pelas tantas, bateria passou a designar “o conjunto de objetos próprios para bater, para realizar um ataque”.

Tanto é assim que bateria, através do Francês batterie, é usado para “local onde são reunidas peças de artilharia em condições de atirar”.

– No outro dia eu vi um filme sobre as guerras do Napoleão. Então aqueles canhões um ao lado do outro atirando naqueles soldados que caminhavam devagarinho contra eles estavam formando uma bateria?

– Exatamente.

– Falando nisso, por que os canhões daquela época ficavam paradinhos e os mais modernos, que a gente vê nos documentários, dão um pulo para trás?

– Porque o filme foi mal feito. Aqueles canhões tinham recuo, claro, tanto que ninguém ficava atrás deles. Mas os canhões de filme em geral só lançam um clarão e uma fumaça. Poucos percebem isso. Você foi observador.

Mas, veja você, essa noção dos canhões agrupados nos dá uma idéia muito clara da evolução do sentido da palavra, que acabou passando para “conjunto de coisas que servem para um mesmo fim”, mesmo que não seja guerreiro.

– Mas a bateria do carro é só uma caixa cheia de ferro, não é um conjunto, Vô. Uma vez eu tentei levantar uma e não consegui.

– Lá está você deduzindo sem pesquisar o suficiente. Ela não é “uma caixa cheia de ferro”. Ali dentro há um conjunto de placas metálicas mergulhadas em certos líquidos para poder gerar eletricidade, o que justifica o nome.

– E a bateria das escolas de samba? Os sambistas são ligados numa bateria e levam um choque cada vez que erram o ritmo?

– Rapaz, você hoje está um grande produtor de asneiras. Ela é chamada assim porque também é um conjunto de músicos com instrumentos que têm a finalidade de irritar a gente e… deixa pra lá. – O velho tinha uma clara preferência pelos Clássicos em matéria de música.

– A Vó uma vez falou em bateria de cozinha. Fiquei imaginando que ela agora ia ser roqueira e tocar bateria na cozinha…

Meu avô riu com gosto:

– A imagem é muito divertida. Ela vai gostar. Mas essa expressão é apenas mais uma que traz a noção de “conjunto de coisas com uma finalidade”. Refere-se a um conjunto de panelas. Sua avó não vai virar roqueira, não. Felizmente.

Agora, saindo um pouco dos conjuntos, podemos falar na batuta. Você se lembra daquela vez em que fomos ver a orquestra tocar Beethoven?

– Sim, eu gostei muito.

– Claro. Com um avô destes, seu gosto tinha que sair refinado… Mas sabe o pauzinho que o maestro tinha na mão?

– Aquele para ameaçar o pessoal da orquestra que não estivesse tocando direito?

– Não é para isso, gracioso! Ele serve para dar instruções aos músicos, já que não dá para falar durante a execução. Pois a batuta tem seu nome derivado do verbo battere

– Viu só? Vai me dizer que não é para bater nos outros?

– Quieto, peste! O nome se relaciona com batida, no sentido de ritmo, de fluência da música. O ritmo de uma música é dado pela repetição a intervalos iguais de certas notas, como se fosse uma batida.

Aliás, poucos sabem que a batuta, até o século 18, era bem diferente da de agora. Ela era um senhor bastão, de uns dois metros de comprimento, com que o maestro marcava o ritmo batendo no chão. Havia até gente que se queixava de que não dava para ouvir direito a música executada por causa disso.

Diz-se que o mestre-capela de Luís XIV, Jean-Baptiste Lully, acertou o próprio pé com esse bastão durante uma música e que veio a morrer da ferida gangrenada que resultou daí.

– Puxa! Que perigo!

– Veja você. Mas agora me ocorre a palavra batedor, “pessoa que vai à frente de um grupo militar ou que acompanha autoridades em deslocamento”. A função básica deles é, eventualmente, bater-se com outros que não simpatizem muito com o grupo que vem atrás.

Aliás, um encontro desses pode levar a uma batalha, outra palavra derivada de battere. O que nos leva a batalhão. Esta nós recebemos do Italiano battaglione, aumentativo de battaglia, que designava também “corpo de tropa”, “tropa pronta para o combate”.

Combate é outra palavra aparentada, de com- mais battere, “atacar junto”.

Temos a expressão toque a rebate, “toque de alarme para avisar de um ataque”…

– Já sei, Vô! Vem desse battere porque uns batiam e outros rebatiam os golpes, não é?

– Mais um chute desses e eu expulso você daqui. Eu ia justamente dizer que essa expressão não nada a ver com battere. Ela vem do Árabe ribat, “ataque, assalto repentino”. Durante a sua dominação da Península Ibérica, os mouros eram dados a assaltos de surpresa, o que tornava muito eficazes essas ações.

Olhe só como são as coisas: essa palavra que vimos é bem parecida com aquela ancestral latina mas não descende dela. Mas há uma palavra que ficou muito diferente e que é da família: abajur.

– Ué! Essa não!

– Mas é. Essa palavra vem do Francês abat-jour, “bate, vence o dia” – a luz do dia, evidentemente. É um artefato para iluminação que se caracteriza por apresentar uma tela que atenua o brilho da lâmpada.

– E batizar, Vô? É de quando o pessoal de uma religião batizava os outros a pancada?

– Você hoje está fazendo umas imagens muito vívidas, mas todas erradas. Batizar nada tem a ver com este assunto; deriva do Grego eclesiástico baptízein, “imergir, mergulhar”, de baptein, “mergulhar, tingir”. Para tingir um tecido era necessário enfiá-lo todo na tina com o corante.

E agora vamos passar para outros assuntos, que hoje você está perguntão demais. Sou capaz de bater em você daqui a pouco se as suas perguntas absurdas continuarem.

Resposta:

Nas Forças Armadas

 

Todo país tem as suas forças armadas. Muito reclamam dos gastos com elas, até que ocorra algo indesejado e elas sejam chamadas para ajudar. Hoje vamos analisar as origens de palavras que são muito usadas entre os militares.

PATENTE – do latim patere, “tornar público, anunciar, abrir”. Além de indicar em que grau se encontra o militar na hierarquia, significa “registro de uma invenção, fazendo público que os direitos a ela referentes são devidos a determinada pessoa”.

Em certa época, significou também um salvo-conduto, uma permissão para circular sem restrições. Esta era a littera patens, “carta-patente” ou “documento para que todos tenham conhecimento”.

SOLDADO – do Italiano soldato, “o que recebe soldo”. E o soldo vem de solidum numus, “dinheiro sólido” – moedas, enfim.

CABO – esta palavra veio do Latim caput, “cabeça”, no sentido de “pessoa que chefia”. Hoje em dia um cabo não manda muito; mas todos eles se podem consolar pensando que o Imperador Napoleão Bonaparte era chamado, com afeto, Le Petit Caporal, “o pequeno cabo”. Ele havia sido cabo no exército, numa época em que muitos já começavam com uma patente de oficial, recebida por méritos de parentesco ou de pura e simples compra.

SARGENTO – vem do Latim servire, “servir, atender, ajudar”. Originalmente sua atividade era mais a de um criado. Existe uma ferramenta usada em marcenaria com esse nome, que serve para manter unidas duas peças de madeira que devem ser trabalhadas ou coladas juntas. Mas esta se origina da expressão francessa serre-joint, “aperta-junta”. Apenas a pronúncia é semelhante.

Em nosso Exército existe o sargenteante, que é o sargento mais graduado da Companhia e dá auxílio direto ao Capitão em assuntos de pessoal.

TENENTE – do Latim tenere, “manter, segurar, firmar”. Ao dizer que alguém é “lugar-tenente” de outra pessoa, dizemos que aquele é alguém de confiança que garante a manutenção do lugar (ou da situação, ou do cargo) na ausência do seu dono.

Em Francês e Inglês, usa-se respectivamente lieutenant e lieutenent (literalmente lugar-tenente) para designar o nosso tenente.

Em Heráldica, a arte dos brasões, um tenente é uma das figuras que aparecem a cada lado do escudo, como que o mantendo erguido no lugar. Podem ser figuras humanas ou de animais, existentes ou não (no escudo do Reino Unido, são um unicórnio e um leão) .

CAPITÃO – vem do Latim capitanum, também de caput, indicando que aquele militar é a cabeça que manda.

No Brasil tivemos os Capitães-do-Mato de triste memória, usados para caçar escravos fugidos. Eles não eram militares.

Parece que a palavra agrada muito, pois existem também diversas plantas, insetos e aves com esse nome.

MAJOR – agora as coisas estão ficando boas, pois major vem do Latim major (pronunciava-se “máior”), que era o aumentativo de magnus, “grande”.

Nossas palavras maior e maioral vêm daí. Em Portugal, o maiorista é o que vende por atacado.

CORONEL – do Italiano colonello, que era quem comandava uma colonna, ou seja, uma “coluna” de soldados. Colonna vem do Latim columna, “coluna”.

Agora um coronel tem atribuições bem mais elevadas do que comandar uma coluna. É que as atribuições de cada posto mudaram com o tempo.

Nos filmes americanos às vezes a gente vê uma pessoa com o cargo de coroner ser chamada, na tradução, de coronel. Erro sério, pois o coroner é um funcionário que lida com as atividades de legista (nem sempre é médico). O nome vem do Latim corona, “coroa”, pois na Inglaterra ele era um funcionário da Coroa. Enfim, não é coronel nenhum, nem sequer é militar.

GENERAL – vem do Grego gignomai, “eu nasço”, pelo Latim genere, “gerar”. Essa palavra deu genos, “raça” em Grego. A palavra general primeiro era “referente à tribo inteira” e depois passou a designar o seu representante, o seu chefe maior.

Com o sentido de “referente a toda a tribo”, a palavra passou a geral em Português. Mas se manteve general em Espanhol, general em Inglês, général em Francês, tanto nesse sentido como para a patente militar.

Generalíssimo, posto que em geral associamos a republiquetas, é o comandante supremo, especialmente de uma força pertencente a mais de um país ou a forças naval e de terra combinadas.

COMODORO – usado na Marinha, deriva do Holandês kommandeur. Este idioma gerou muitos termos náuticos, especialmente no Inglês. E kommandeur veio do Francês commandeur, “comandante”.

Por sua vez, esta palavra vem do Latim commandare, de co-, intensificativo, mais mandare, “mandar”. E mandare vem de manus, “mão”, mais dare, “dar”.

BRIGADEIRO – do Italiano brigadiere, “comandante de uma brigada”. Brigada é um grupo de soldados cujo nome vem do Celta briga, “luta, batalha, briga”.

Dizem que o doce muito usado nos aniversários infantis se chama brigadeiro porque o Brigadeiro Eduardo Gomes, militar destacado na política brasileira na década de 50, o apreciava muito.

ALMIRANTE – do Árabe amir-al-bahr, “comandante do mar”, um comandante naval sarraceno sob as ordens de um sultão ou califa.

Por um erro, achou-se que amir-al fosse uma só palavra, que foi latinizada para amiralis. Depois se colocou um “D” após o “A”, por influência de admirabilis, “admirável”.

Vejam as voltas que uma palavra dá ao longo da sua história. Neste caso, tudo começou com o Árabe amara, “comandar”.

ANSPEÇADA – é uma graduação que não existe há muito tempo, e se situava entre Soldado e Cabo. Seu nome vem do Italiano lancia spezzata, “lança quebrada”, que era o símbolo da graduação.

FURRIEL – é um Sargento com a função de lidar com folha de pagamentos e refeições de Sargentos, Cabos e Soldados. A palavra vem do Francês fourrier, “encarregado da alimentação e alojamento dos soldados”, e veio do Latim fur, “ladrão”.

Não é que eles desviassem material ou dinheiro; acontece que, no Exército romano, eles eram os encarregados de prover alimentação para os soldados.

Como a idéia de um exército levar sua própria alimentação (“munição de boca”) nas campanhas tem poucos séculos, imagine-se o desastre que era ter um grupo de soldados, mesmo amigos, acampando por perto da propriedade rural da gente.

Outro descendente dessa palavra é furto.

ORDENANÇA – do Latim ordinantia, “militar à disposição de um oficial para transmitir ordens”. As suas atribuições passaram depois à assistência e pequenos trabalhos para um oficial superior e agora estão absorvidas pelo seu motorista.

MARECHAL – vem do Germânico marah, “cavalo”, mais scalh, “servente”. Estas atribuições eram tão importantes numa época em que a principal arma era a cavalaria que o título foi recebendo importância cada vez maior, aplicando-se a altas autoridades sob os reis teutônicos. Nossas forças armadas não têm mais este posto.

PELOTÃO – vem do Francês peloton, que vem de pelotte, “bola”. A acepção é a de “um amontoado, um conjunto” de homens. Atualmente, pelo menos no Exército Brasileiro, tem um efetivo de trinta soldados.

COMPANHIA – é um conjunto de três pelotões. A palavra vem do Latim com-, “junto” mais panis, “pão”. Assim, um companheiro é aquele com quem se pode repartir o pão, em quem se pode confiar.

BATALHÃO – vem do Latim battere, “golpear, bater”. Como isso era o que mais se fazia quando soldados inimigos se defrontavam na época antiga, surgiu a palavra batalha para descrever uma atividade de luta.

Um grupo de soldados aptos para a atividade de guerra era, para os italianos, um battaglione, palavra que passou ao Francês como bataillon. Hoje é formado por um grupo de três companhias.

Com muita razão a luta pela sobrevivência é chamada atualmente de batalha.

REGIMENTO – é um conjunto de três batalhões, mas a partir deste nível os números variam. Tem a ver com o Latim rex, “rei”.

A palavra regere significava “comandar, reger”. Dela se fez regimen, “regra”, ou seja, “conjunto de ordens emitidas por quem tem o poder”. O regimento de uma instituição é o conjunto de regras que norteia a conduta dos seus participantes.

Da noção de “regra”, regimento passou a significar também “conjunto de militares que dão apoio ao cumprimento das regras”.

Regime, aquilo que as mulheres estão eternamente fazendo, é “um conjunto de normas para a alimentação com a finalidade de as deixar mais bonitas que todas as modelos famosas”.

BRIGADA – vem do Italiano brigata, do Celta briga, “luta, agressão física”. É formada por dez mil a quinze mil homens em nosso país e comandada por um Brigadeiro, como visto mais acima.

EXÉRCITO – do Latim exercere, “manter em movimento constante, inquietar, adestrar”. Daí se formou exercitus, “tropas, exército, infantaria”. É formado por setenta mil a cem mil homens atualmente.

QUARTEL – até certa época, as cidades européias eram divididas administrativamente no que os franceses chamavam quartiers, do Latim quattuor, “quatro”. Ainda hoje eles usam a palavra quartier para “bairro”.

Isso porque as partes eram quatro, conforme os pontos cardeais. Uma delas era a destinada aos soldados, o que originou o nome quartel dado agora aos prédios e terrenos destinados a uma organização militar.

A expressão luta sem quartel significava que a batalha não teria interrupções nem possibilidade de abrigo ou descanso até que um dos lados vencesse.

ARTILHARIA – vem do Francês artillerie, inicialmente “depósito de armas e munições, conjunto de armas”. Esta palavra derivou de atirier, “armar, ordenar, arrumar”, que vinha do Latim teri,”o que está arrumado, ordenado”.

CAVALARIA – vem do uso do cavalo, caballus em Latim. Inicialmente esta palavra era reservada aos animais de carga, sendo usado equus para os de montaria. Com o tempo, caballus predominou no uso, a outra palavra ficando para formações cultas, como eqüestre.

INFANTARIA – o soldado a pé, o infante, pelas grandes dificuldades que enfrentava em campanha, era comparado pelos romanos a uma criança que nem falava ainda: in-, “não”, mais fari, falar”.

(nossos agradecimentos ao Coronel Souto pela valiosa cooperação)

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