Palavra cunho

MOEDA

Um dia, lá pelos meus doze anos, eu estava no gabinete de meu avô, olhando-o colocar em ordem umas moedas que ele guardava, entre tantos livros e outros objetos interessantes.

– Quem foi que inventou a moeda, Vô?

Ele se sentou em sua fofa poltrona, com um pano no colo e uma caixa de moedas do lado e começou a falar, enquanto as lustrava. Eu me acomodei no meu banquinho e prestei atenção.

– Quem inventou não se sabe, só que foi há muito tempo. Mas posso lhe dizer que essa palavra vem do Latim monere, “advertir, admoestar, avisar”. E há uma história interessante por trás.

–  Oba, é comigo!

Ele continuou, com um olhar terno:

– Numa das invasões dos bárbaros à Itália, um grupo deles tentou escalar a parte da muralha de Roma junto à qual, pelo lado de dentro, se situava um templo dedicado à deusa Juno. Os gansos consagrados à deusa, que estavam no terraço do templo, deram o alarme e os soldados romanos acorreram e afugentaram o inimigo.

– Gansos, Vô? Não eram cachorros, não?

– Gansos são ótimos vigias. São usados nesse papel há muito tempo. Enfim, o que conta é que, agradecidos, os romanos declararam que aquele templo era dedicado a Juno Moneta, “a Juno que avisa”.

Mais tarde, nesse templo, se estabeleceu um local onde se cunhavam discos metálicos com valor definido, próprios para fazer negócios de compra e venda. Estes receberam um nome derivado da deusa do templo: moneta ou moeda.

– Legal, Vô! E o que é que a “cara ou coroa” tem a ver?

– As moedas têm duas faces; as antigas moedas portuguesas tinham uma coroa, como símbolo do Reino de um lado e a cabeça do soberano reinante do outro, ou cara.

Essas faces se chamam também, respectivamente, reverso e anverso. Estas derivam do Latim reversus, de revertere, “virar para trás”, formada por re-, “para trás”, mais vertere, “virar”;  e de anversus – que vem de anteversus, “aquele que precede, que vem à frente”, de ante, “à frente”, mais versus.

Além disso, elas têm uma borda, que vem do Germânico bord, “lado, extremidade, limite”. Até certa época ela era serrilhada; olhe aqui nesta moeda brasileira mesmo: vê?

– Sim, até fica mais bonito assim.

– Pois não era só para enfeite, não. Na verdade, foi uma invenção genial. Acontece que os espertos, que existiam antes como agora, podiam pegar uma moeda em metal valioso – elas podiam ser de ligas de ouro ou prata – e retirar um pouquinho de metal raspando com uma lima.

– Mas se tirassem demais ia chamar a atenção!

– Certo. Por isso eles tiravam uma quantidade mínima, mas com o tempo conseguiam alguma coisa que valesse a pena juntar. Imagine os funcionários de um banco fazendo isso, por exemplo. Quando as moedas passaram a ter o bordo serrilhado, já não se podia fazer mais isso, pois se uma moeda se apresentava alisada ela não seria aceita por estar fora de padrão.

– Deixe ver as que tenho no bolso. Olhe, umas têm e outras não.

– Como elas já não são feitas em metal precioso, o serrilhado já não é mais necessário. Ele é mantido em muitas moedas mundo afora apenas como tradição.

As moedas são muito menos usadas atualmente, devido ao seu peso e manuseio mais difícil; foram substituídas em grande parte pelas cédulas em papel. Este nome vem do Latim schedula, diminutivo de scheda, “folha de papel”.

Mas os pequenos discos de metal são muito atraentes e além de terem seu valor nominal podem ser importantes para colecionadores.  As pessoas que se dedicam a reunir medalhas, moedas em papel ou metal, estão inseridas na numismática, palavra que deriva do Latim nomisma, do Grego nómisma, “dinheiro, moeda corrente”, de nomizein, “manter em uso”, de nomos, “lei, uso”.

Moedas já foram feitas em diversos tipos de ligas metálicas, com predominância de ouro, prata, cobre, alumínio, aço e outros.

Liga por que? Para as moedas ficarem ligadas ao dono?

– Não, bobo. Essa palavra vem do Latim liga, do verbo ligare, “unir, juntar”. Isso porque dois ou mais metais são unidos para formar um material diferente.

Esse ato se chama cunhagem de uma moeda. Isso porque a imagem era batida contra o metal aquecido da moeda a partir de um cunho, uma peça alongada em metal mais durável, cujo nome vem do Latim cuneus, “cunha”. Esse cunho tinha, em relevo, a imagem invertida do que se queria gravar.

Esta palavra se usa também para designar a criação de uma palavra nova. Pode-se dizer que “a palavra qualidade (qualitas em Latim) foi cunhada por Cícero”.

– É verdade, Vô que aquele seu cofrinho ali está cheio de moedas de ouro?

– Está cheio de contas a pagar, isso sim. E cuide-se, que estou pensando em deixá-las todas para você de herança se não corrigir essas suas tendências a engraçadinho. E já que se falou no cofre, ele vem do Latim cophinus, originalmente “cesto”.

É nele que se guarda o dinheiro, do Latim denarius nummus, “a moeda que contém dez (dez ‘asses’, uma subdivisão)”. Essa moeda logo passou a ser chamada apenas de denarius.

E os cofres grandes mesmo ficam dentro dos bancos. Na Itália banca queria dizer “mesa”, o móvel sobre o qual se faziam os negócios, inicialmente com moedas metálicas.

E por agora já falamos bastante. Volte para casa e vá estudar, que senão você não vai ganhar dinheiro suficiente para viver quando for grande.

 

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