Palavra hélices

Ajuda Mais Uma Palavrinha

X-8 estava bastante mudado ultimamente. Ele percebia que não ficava mais tanto tempo em seu escritório, que não se dedicava mais tanto a ganhar dinheiro ajudando as palavras que desejavam saber das suas origens.

Seria porque já havia ganho bastante? Por causa da idade mesmo? Mudanças internas por algum motivo desconhecido? Seja pelo que fosse, hoje ele havia encerrado mais cedo sua atividade no escritório detetivesco e tinha saído a passear pelo bairro.

Por mais que fosse o pior bairro do mundo, aquele aspecto dele à noite sempre fascinava a alma artística do detetive: o contraste entre a luz clara da lua (parecia ser sempre lua cheia e dramática ali) e as sombras cruas lançadas pelas paredes e postes sobre o chão, os volumes assim delineados, o movimento de palavras e pessoas duvidosas pelas calçadas… Tudo isso mexia estranhamente com ele, que andava devaneando com fazer um curso de desenho para registrar aquelas imagens.

Lá se deslocava ele, em sua gabardine folgada e seu chapéu desabado, que serviam para ele não ser reconhecido – pelo menos era o que ele pensava – quando percebeu que estava sendo seguido.

Rapidamente tratou de fazer uma das sutis e desconcertantes manobras evasivas que aprendera na Academia: saiu correndo desabaladamente para a frente, até parar num beco, completamente fora das vistas do perseguidor.

Novamente: pelo menos era o que ele pensava, pois sentiu um cutucão nas costas e se deu por entregue. O misterioso assaltante era mais esperto e rápido do que ele. Virou-se, pronto para entregar os seus trocados bravamente, sem reclamar, mas parou ao ver que era uma palavrinha quem estava ali.

– O… o que você quer? – disse ele, tentando não demonstrar como havia ficado confortado.

– Eu sou uma pequena palavra pobre que quer saber o seu lugar na vida, disse vol-, que assim se chamava a interlocutora do detetive.

X-8, para não dar a impressão errada de que se assustara com a palavra, se dispôs, com loquaz alívio, a contar tudo o que lhe vinha à cabeça sobre a etimologia daquela pequena.

Puxou uma lente do bolso e a examinou com atenção.

Foi rápido, pois não havia muito a olhar.

– Muito bem, vol-, você é uma partícula antepositiva, ou seja, é usada para começar palavras. Você descende de uma fonte Indo-Européia wel-, “rolar, rodar, fazer movimentos giratórios”.

E você tem uso em numerosas palavras no nosso idioma e em outros ocidentais. Quer ver?

Para começar, em Latim se formou, graças a você, o verbo volvere, “rolar, fazer girar”. E dele saíram, por exemplo, volumen, que quer dizer “ato de fazer rodar” e que acabou se aplicando aos livros da época de Roma antiga, aqueles que eram de papiro e a gente precisava fazer girar na mão para ler.

Como, no caso de um livro ser grande, ele ocupava mais espaço, a palavra volume acabou sendo aplicada a objetos que ocupam muito espaço. O mesmo aconteceu com a intensidade do som: às vezes a gente tem que pedir ao vizinho que baixe o volume do aparelho de som novo que ele deseja exibir para a quadra inteira.

De volvere veio a palavra voluta, do Latim volutus, “revirado, encurvado”, que se aplica a decorações e aos meneios da fumaça do cigarro numa história de detetive.

Esse volutus passou a volvita, no Latim tardio, de onde acabou saindo nossa conhecida abóbada. Com “A”, viu? Nada de dizer abóboda.

Saindo um pouco do Latim, temos que vol- gerou, no Grego, hélix, “movimento giratório, espiral”. Daí que você faz parte das hélices e helicópteros que andam zumbindo em nossos céus. E, voltando ao Latim, temos volubilis, “aquilo que gira com facilidade”, que virou o atual volúvel, qualidade que caracteriza uma pessoa que muda de idéia e de desejos com facilidade, que nem catavento.

Do verbo involvere, “rolar sobre”, saiu o nosso envolver, do qual inclusive derivou embrulho.

Naturalmente, colocando-se o prefixo negativo des– antes de envolver, temos desenvolver, que descreve um ato de “desenrolar, permitir a saída ou aparecimento de algo que estava tolhido”.

E, se colocarmos o prefixo intensificativo re– antes, temos o nosso conhecido revólver, que se chama assim porque tem um tambor que gira.

– Puxa, seu detetive, tudo isso?

– Isso e muito mais, minha cara, disse o bondoso e aliviado profissional – mas vamos fazer o seguinte: você estuda, cresce, ganha um dinheirinho e depois faz uma consulta comigo ali no Edifício Éden, que pagando meus emolumentos você ficará sabendo muito mais sobre a sua importância. Certo? Agora o Tio X-8 aqui precisa olhar a paisagem deste nosso lindo bairro.

E se afastou, passando um lenço na testa para secar o suor do susto que havia levado.

Resposta:

UM TEXTO

– Passe para cá estes papéis, me-ni-no! Coisa inacreditável, este Zorzinho tem tamanha vontade de escrever que vive enchendo resmas de papel com rabiscos, mesmo sem saber o que faz. Que ele sirva de exemplo para os outros: com essa vontade de ser escritor, ele há de conseguir um bom emprego algum dia.

Parem de chorar de inveja uns, de debochar outros e de não entender o que está acontecendo outros ainda.

E parem de pular e gritar, todos! Vamos nos reunir aqui no meio da salinha de aula para aprender alguma coisa sobre palavras que usamos para descrever as características de um texto.

Certo, Lilice, já digo de onde vem resma. Ela vem do Árabe rizma, “pacote, conjunto de coisas embrulhadas”, do verbo razam, “enrolar, embrulhar, envolver”. Atualmente designa um conjunto de quinhentas folhas de papel.

Olhem só como brilharam os olhos do Zorzinho. Imaginem ele com tanto papel à disposição! Quanto rabisquinho, quanta besteirinha!

– Sim, Lúcia? Ah, você já ouviu falar em parágrafo, muito bem. Essa palavra indica um recuo na linha ou o conjunto de linhas entre dois recuos. Vem do Latim paragraphus, “sinal para começar nova parte de um discurso”, que era uma marquinha que parecia a letra “P” maiúscula virada.

Passou para o Latim a partir do Grego paragraphos, “sinal na margem do papel para indicar uma mudança de sentido do texto”. O sentido literal era “escrito ao lado”, já que se formava de para-, “ao lado”, mais graphein, “escrever”.

– Está certo, Ledinha, você esteve na semana passada na margem de um rio e não viu nenhum papel ali. Acalme-se, não precisava haver mesmo.

É que essa palavra vem do Latim margo, “beira, limite”, e não se aplica somente ao papel. Aliás, foi inventada muito antes de existir o papel, pois vem do Indo-Europeu mereg-, “beira, limite”.

– Como é, Valzinha? Sua mãe chama de “marginais” uns vizinhos de vocês? Bem, decerto eles são escritores e precisam cuidar muito das margens… Ahn, eles vivem sendo presos e fugindo da cadeia?

Bem, deixe seus vizinhos para lá, que não estamos aqui para furungar na vida alheia. Só posso garantir que o uso da palavra marginal é do século 16 e primeiro queria dizer “escrito à margem de um papel”, de onde passou a significar “sem importância, de pouco valor”.

Mais tarde passou ao sentido de “pessoa na periferia, à margem da sociedade”.

– Sim , Joãozinho? Ai, que gracinha, quer declamar uns versinhos para as meninas? Pois não vai fazer isso coisa nenhuma, que eu já conheço o teor das suas artes.

Fique aí sem dar um pio e aprenda que verso vem do Latim versus, “linha de escrita”, particípio passado do verbo vertere, “dobrar, virar”, de uma fonte Indo-Européia wer-, “virar”.

Aqui se faz uma bonita metáfora sobre o caminho que o arado faz até o limite de um campo e o ponto onde ele vira para começar uma linha paralela à anterior.

É mais um indicativo da sociedade agricultora que era a romana quando se estabeleceu.

Pare de protestar, menino. Essa palavra acabou se aplicando ao sentido de “composição de poesia com métrica” – isto é, ritmo – lá pelo ano de 1300. Isso porque esses poemas apresentavam as linhas bem delimitadas para que o leitor pudesse acompanhar o ritmo ao declamar.

Ainda com relação a versus, esta palavra se usa hoje tal como era no Latim para indicar “oposição”, como em “time A versus time B”, pela noção de “virar-se contra, enfrentar”.

E linha vem do Latim linea, “fio, cordel”, pela semelhança com um objeto comprido. A palavra se fez a partir de lineus, “feito de linho”, um tecido muito usado à época.

Tudo isso faz parte de um texto, que nos traz mais uma bonita metáfora.

Textus, que queria dizer “narrativa escrita”, originalmente tinha o significado de “material tecido”, do verbo texere, “tecer”.

Não é bonita essa comparação do que escrevemos com uma trama tecida, com cada fio urdido em seu lugar, para formar algo que transcende o material inicial?

Aninha, eu sabia que você ia gostar, mas isso não é pretexto para pular, gritar e fazer bagunça.

Notaram a semelhança entre as palavras? Isso mesmo, pretexto vem de praetextus, “disfarce, cobertura”, formado por prae-, “à frente”, mais textus. A imagem é a de se atirar um pano sobre algo para poder agir debaixo dele, às escondidas, coisa que certos aluninhos vivem querendo fazer.

– Hein? Não, Ledinha, o seu caderno novo não é de “aspiral”, não. Essa palavra não existe em nosso idioma, é uma deformação de “espiral“, que veio do Grego speira, “guirlanda, algo torcido, volteado”.

Mesmo dizendo espiral não estaremos dizendo a palavra certa no caso do caderno. A espiral é uma figura geométrica plana; as voltas em três dimensões que esse aramezinho que parece uma mola dá formam o que se chama corretamente de helicoidal.

Olhem só quem acordou ali. Não, Soneca, não estamos falando em helicópteros, embora a raiz seja a mesma.

Estas palavras vêm do Grego helix, do verbo heilein, “virar, torcer, enrolar”, que acabou nomeando também as hélices dos aviões.

Certo, Deli, esta molinhas seguram as folhas e também as capas dos cadernos. Esta palavra vem do Latim cappa, originalmente uma peça de roupa que cobria também a cabeça, caput.

Enfim, quando você aprenderem a escrever vão poder fazer melhor os seus textos.

Por enquanto, fiquem nos rabiscos. Está na hora de sair, amanhã tem mais.

Resposta:

Origem Da Palavra