Palavra mortório

PREGUIÇA

 

Ora, vejam só. Eu estava me aproximando da sala de aula e ouvia um ameaçador silêncio. Eu sabia que meus aluninhos já estavam em sala, pois ninguém se atreveria a raptá-los, de tão insuportáveis que são.

Pensei em outras possibilidades agradáveis, como uma definitiva fuga em massa ou um alistamento conjunto na Legião Estrangeira, mas nada disso.

O que eu encontro é uma turma amolecida, em arrasador surto de preguiça devido ao calor.

Já que estão assim prostrados e incapazes de reagir, Tia Odete vai lhes falar sobre a preguiça que os assola.

Esta palavra vem do Latim pigritia, de piger, “preguiçoso, tardo na ação, vadio”. Possivelmente ela derive de pinguis, “gordo, pesado”, características às vezes associadas ao preguiçoso.

Antes que perguntem se esta palavra originou também o nome do pinguim, aquele bichinho simpático que trabalha de garçom na Antártida, devo dizer que não se sabe ao certo. Alguns sugerem que sim, já que eles armazenam calorias como tecido subcutâneo e, portanto, são gordos. Mas outros pensam que possa vir do Galês pen gwin, “cabeça branca”.

Bem, da preguiça facilmente se passa para a modorra. Esta vem do Espanhol modorro, uma doença que aflige os ovinos, afetando-lhes o cérebro e deixando-os sonolentos e letárgicos.

Vocês hoje estão que nem um rebanho de ovelhinhas doentes.

Enfim, daí é um passo para o sono, que vem do Latim somnus, “sono” mesmo. Vejam que a palavra mudou pouco neste últimos mais de dois mil anos; acho que essa é uma atividade tão apreciada que ninguém tenta inventar novidades sobre ela.

Quando a gente está em pleno sono e sobrevém um sonho, que são aquelas imagens que vemos ao dormir, saibam que esta vem do Latim somnium, com a mesma origem de somnum. Tanto é que, em Espanhol, a palavra sueño serve para as duas coisas.

Agora, se a gente não vai dormir a noite inteira, mas apenas um pouquinho de tarde, coisa que poderia acontecer com alguma professora demasiado estressada pelos seus alunos se ela não tivesse que ganhar a vida honestamente dando aula em tudo que é turno, a gente dia que vai dormir a sesta.

Esta deriva do Latim hora sexta, “a sexta hora”. Eles começavam a contar as horas a partir do amanhecer, de modo que a sexta hora se situava pelo meio-dia. Num dia muito quente, às vezes é o único que resta a fazer a essa altura.

Não é o caso de vocês, que normalmente são possuídos por uma energia das mais diabólicas.

Mas, às vezes,  gente mais experiente que nem eu precisa de um descanso. Ela vem de des-, um prefixo negativo, mais cansar, que deriva do Latim campsare, “rodear algo, dobrar uma ponta de terra”.

Agora é tudo muito fácil, mas esta palavra vem de quando se precisava manobrar os remos ou as velas de uma embarcação, o que deixava os marinheiros com as energias gastas e precisando de uma folga.

Falando nesta, folga vem do Latim follicare, de follere, “assoprar, respirar”. Relaciona-se com follis, “fole”, um instrumento usado para forçar o ar no fogo, de modo a avivar as chamas.

O sentido de “descanso” que se fixou em folga é porque follere também queria dizer “respirar, tomar fôlego depois de um esforço”.

Um sinônimo de descanso é repouso, do Latim repausare, de re-, “outra vez”, mais pausare, “fazer uma parada, descansar”. E esta vem de pausa, do Grego pausis, “parada”, de paúein, “parar”.

Quando a gente sai esgotada de suas atividades com certos aluninhos, qualquer parada é bem recebida. Digo isso de forma genérica, naturalmente; nem pensaria em me referir a vocês.

Há uma palavra pouco usada em nossos tempos, letargo. Ela vem do Latim lethargus, do Grego lethargos, “sonolência”, de lethes, “esquecimento”. Isso porque uma sonolência dificulta várias coisas, entre elas a capacidade de memória.

E, se uma pobre profissional do magistério está perto do fim de sua vida útil neste planeta devido ao desgaste pelo trabalho, ela só deseja um mortório. Esta é usada em certas regiões do Brasil para designar, além de um enterro, um saudável descanso, um ócio.

Deriva, como até vocês podem deduzir, de morte, do Latim mors, “estado do que deixa de ser vivo”.

Já que falamos em ócio, informo que esta veio do Latim otium, “inatividade, ócio”. E esta palavra latina derivou de autium, que se originou em av-eo, “estou bem, vou bem”. Vejam com que propriedade foi feita esta palavra, pois para a maioria das pessoas normais estar sem obrigações a cumprir é bem gostoso.

E estar sem fazer nada nos lembra o lazer. Esta veio do Latim licere, “ser permitido”, já que só se deve desfrutar de lazer quando ele é permitido, isto é, quando as obrigações estão todas realizadas. Não que seja o caso de certos aluninhos, claro.

Pronto, está terminando o nosso período e hoje Tia Odete vivenciou algo extraordinário; Valzinha não veio contar histórias escabrosas do seu condomínio, Ledinha não fez perguntas descabeladas, Patty não puxou o cabelo de ninguém…

Para dizer a verdade, estou sentindo falta de alguma coisa.

Peguem seu material a raspem-se daqui antes que eu pense que vocês não gostam mais de mim.

 

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