Palavra perfume

PERFUMES

 

Para variar, entro na aula e encontro a turma discutindo em altos brados e prestes a quebrar as cabeças uns dos outros. O que foi agora?

Ahá, os meninos acham que as meninas estão perfumadas demais e querem saber por que fazem isso.

Seus tolinhos, elas estão assim cheirosinhas para agradar a vocês. Talvez nos cérebros delas algum dos meninos ainda possa ter algum valor no futuro.

Parem de dizer que “não” aos gritos! Vamos nos sentar e dar umas olhadas nas origens de palavras relacionadas ao assunto, que é a única maneira de acalmá-los.

Se um dia essa estranha preferência do grupo desaparecer, ai de mim.

Para começar, vejamos perfume. Ela nos veio do Francês parfum, de mesmo significado, que foi retirada do Italiano profumo, do Latim per fumum, “através do fumo”, este no sentido de “vapor que se expande”.

Não, Patty, não quer dizer que uma pessoa precise atravessar uma fogueira para se perfumar. O que acontece é que, em épocas remotas, os gregos e os romanos faziam oferendas –  geralmente gado e aves  –  aos seus deuses e as queimavam, acreditando assim que as divindades sentiriam a fragrância lá no Olimpo e ficariam satisfeitas.

Pelo que sei, nunca deu certo, mas eles passaram séculos insistindo.

Acabo de falar em fragrância. Esta palavra vem do Latim fragrare, “emitir um forte odor”, do Indo-Europeu bhrag-, “cheirar”.

Há diversas loções para uso, tanto masculino quanto feminino. Seu nome deriva do Latim lotio, “ato de lavar, limpeza”, de lotus, “lavado”, particípio passado de lavare, “lavar. E que por sua vez vem da raiz Indo-Europeia lu-, “lavar, limpar”.

Existem também as colônias. Nada disso, Lary, não têm a ver com as colônias portuguesas no Brasil depois da descoberta. Esta palavra no sentido de “perfume leve” tem uma história interessante.

Um pouco antes de 50 AC, uma moça de nobre nascimento chamada Agripina se casou com o imperador romano Cláudio. Ela tinha nascido numa povoação do que hoje é a Alemanha e pediu ao seu marido que esta fosse elevada a uma posição mais alta na hierarquia urbana.

Ele, para atendê-la, determinou que o lugar seria chamado colonia Claudia ara Aggripinensium, “Colônia de Cláudio e Altar de Agripina”.

Ao cabo de um tempo, a cidade ficou conhecida apenas como Köln em Alemão, ou cologne, “Colônia”, em Francês e Inglês.

Em 1709, um perfumista italiano chamado Farina, que se havia mudado para essa cidade, lançou um tipo de perfume com certas características de composição e concentração, que chamou de köllnische wasser, “Água de Colônia”, para homenagear sua nova cidade. O sucesso foi tal que até hoje ele é usado.

Um perfume se compõe por óleos voláteis retirados de flores, frutas ou mesmo certos animais, mais água e álcool para que ele possa entrar em solução, mais um fixador, que permite que ele fique na pele por um certo tempo. Volátil vem do Latim volatilis e significa “aquele que pode voar”, de volare, “voar”.

Sim, Zorzinho? Quer saber se um sabiá então pode ser chamado de “volátil”? Correto, menino, ele voa assim como o cheiro dos perfumes. Acertou, mas tenho certeza que achava que estava pregando uma peça em sua querida professora.

Fale, Valzinha. Sua avó diz que um tio-avô seu tem fixação por mulheres? Isso não nos interessa para nada, o que interessa é que essa palavra vem do Latim fixus, “firme, preso a, imóvel, estabelecido”, particípio passado de figere, “firmar, apertar”. Ou seja, ela mantém na pele o líquido.

Existe uma gradação dos chamados perfumes; ela vai de uma a três por cento de essência na chamada Eau fraîche, “água fresca”. Ela se usa para refrescar a pele, como o nome diz, e dura menos de uma hora na pele.

Pois não, Lary? Ah, os franceses sempre foram os maiores fabricantes de perfume. Por isso é que se usam tantos termos de seu idioma nesta área.

A eau de cologne tem diluição de dois a quatro por cento e dura umas duas horas.

A eau de toilette (vem de toile, “toalha de mesa ou de secar, peça de roupa, rede”, do Latim tela, “tecido”) apresenta cinco a quinze por cento e permanece na pele por três horas.

Já a eau de parfum varia entre quinze a vinte por cento e fica até oito horas.

E o parfum propriamente dito dura até mais de um dia inteiro. Se as pessoas que acompanham quem usou isto não gostarem do odor, estão mal arranjadas.

Bem, as coisas estão calmas agora e vocês estão em condições de ir para casa. Mas, meninas, um conselho: em sua idade, o melhor perfume é o de um sabonete e nada mais. Deixem os outros recursos para o futuro.

Resposta:

Etmologia de Perfume

Palavras: perfume

Sou aromaterapeuta, e muitas são as definições de perfume. Per fumum é uma delas.
Favor informar etmologia correta.
Grata
Atenciosamente

Resposta:

Para iniciar, definição é uma coisa, etimologia é outra. Só lidamos com esta, e podemos dizer que a que você citou é a correta; não conhecemos nenhuma outra para essa palavra.

Ela vem mesmo do Latim PER FUMUM, “através da fumaça”. Os sacrifícios romanos eram queimados para que sua essência chegasse até os deuses, de modo a agradar a eles e os deixar bem dispostos para com o sacrificante.

Mas não nos pergunte como é que a fumaça sabia direitinho a que narinas divinas devia chegar. Devia ser por algum mecanismo semelhante ao e-mail de agora.

Cosmos

 

Meu avô está sentado à sua cadeira estofada de couro, para variar, lendo. Deixou a porta entreaberta e de repente vê a cabeça de um menino de nove anos espiando-o. Sou eu. Ele larga o livro e me chama para entrar.

Só muito tempo depois foi que percebi que aquela porta não estava aberta por acaso. Ele esperava a visita da minha família e sabia que o seu neto predileto acabaria indo vê-lo.

Entrei e, depois dos cumprimentos, já fui perguntando:

– Vô, o senhor sabe que lá na sala está reunido um montão de mulheres que eu não conheço, além das tias, minha mãe e a Vó?

– Sei, filho, hoje estava marcada uma reunião para demonstração de vendas de produtos femininos. Elas estão muito assanhadas?

– Parece que sim, estão todas de olhos arregalados, falando sem parar e nem me enxergaram…

Ele riu:

– Você está me saindo um bom observador. É bem assim que elas ficam nessas ocasiões.

– Mas eu não entendi uma coisa. A senhora que trouxe uma porção de bolsas e está comandando aquilo tudo falou em gosméticos e todas ficaram ainda mais interessadas. O que é isso? É algum produto para limpar gosma ou elas estão querendo comprar gosma em potes?

– Essa é muito boa. Veja como entender mal uma única letra pode dar confusão, ainda mais se uma imaginação fértil como a sua entra em cena.

Ouça: gosma é um palavra feita a partir do verbo gosmar, que ao que tudo indica vem do Espanhol gormar, “vomitar”, com o mesmo significado que o nosso pouco conhecido gosmar.

Gosma também é “uma doença respiratória da galinha”, bem como “catarro”. Blurgs, este assunto está meio como que nojento, mas já vamos para outras esferas.

Agora, o que faz brilhar os olhos dessas senhoras, benditas sejam, são os cosméticos, menino, com “C”.

Esta palavra vem do Grego kosmetés, “criado de quarto”, que era geralmente um escravo.

Acontece que – olhe que bonito! – kosmós em Grego significava “ordem, disciplina, organização”. Esse significado de “ordem” mais tarde se expandiu para englobar “a ordem do Universo” e finalmente se fixou como sinônimo de “Universo”, que usamos como sinônimo de cosmo.

O kosmetés era a pessoa que arrumava – colocava em ordem – as roupas, atavios, pinturas e perfumes de sua senhora (kósmesis era “enfeite, adorno”). O nome dessa função acabou se fixando em parte dos materiais com que ele lidava, gerando os nossos conhecidos cosméticos.

– E para que é que elas gastam tanto tempo e dinheiro se pintando, vô? Uma vez a Mãe estava toda arrumada e pintada para ir a uma festa com o Pai; quando eu vi, disse que ela parecia um guaxinim e ela ficou uma fera comigo. Mas deu para notar notar que o Pai achou graça escondido, por isso não me assustei muito. Qual é o problema? Eu acho o guaxinim um bicho tão bonitinho…

O velho riu muito:

– Meu filho, você desse jeito não vai ter sucesso com as mulheres. Ainda bem que há muito tempo para aprender ainda. Elas se pintam, dizem, para ficar bonitas para os homens. Agora, vou-lhe contar uma coisa muito especial: na verdade é para poderem enfrentar as outras mulheres numa luta muito, muito antiga.

Mas deixemos disso, que se elas descobrirem que estamos entrando nos seus segredos vão querer nos crucificar.

Vamos falar de coisas menos perigosas. Já que o assunto é a arrumação das nossas queridas companheiras – não faça essa cara, que você não escapa de ter uma, e vai gostar! – vamos aprender algo sobre os objetos que elas usam para isso.

Por exemplo, o espelho. É nele que elas se avaliam, e geralmente não gostam do que vêem. Êta pessoal de autoestima problemática!

Essa palavra vem do Latim speculum, de specere, “fitar, olhar”. Existe inclusive mais de um instrumento médico com o nome de espéculo, servindo para olhar dentro de uma cavidade do corpo.

Antigamente elas se olhavam num móvel com espelho e gavetas que tinha nome francês, o boudoir.

Este tem uma história interessante: bouder em Francês quer dizer “amuar-se, emburrar, enfadar-se”. Como as mocinhas contrariadas muitas vezes se trancavam no quarto e se sentavam junto a esse móvel para chorar – ou fingir que choravam -, o objeto acabou recebendo o nome dos chiliques que sobre eles eram praticados. Até o aposento em que ele ficava recebeu esse nome.

Hoje as mulheres, felizmente, têm outras maneiras de demonstrar sua desconformidade e talvez por isso as fábricas pouco fazem boudoirs. Ou será porque os apartamentos são muito pequenos?

De qualquer forma, o nome mais adequado para este móvel é toucador. Este vem do Celta tauka, “abrigo de pano para a cabeça”, que era muito usado antes. Havia até o costume de usar uma touca para dormir, muito ilustrado nas figuras européias do século dezenove.

O nome toucado passou a um tipo de chapéu feminino e depois passou a designar “adornos para a cabeça” e principalmente “penteado”. E toucador era, portanto, o móvel onde se faziam toucados, ou seja, onde a dama se penteava.

– Às vezes eu tenho vontade de mexer nas gavetas da Mãe, que tem tanta coisa para guardar.

– Não arrisque o seu pescoço. Além de ser feio fazer isso, o que ela tem por lá não lhe interessa. Aliás, sabe que gaveta antigamente significava “prato de madeira, tigela, escudela”, nos navios da Idade Média?

– Escudela? Por quê? Era usada como escudo nas brigas pela sobremesa?

– Porque tinha a forma redonda de um escudo, seu vivo. Em Latim clássico, a palavra era gabata. Depois passou ao Italiano gavetta e acabou na sua forma atual, tanto na palavra em si como no significado.

– Meus pais devem achar legal aquele móvel que tem gavetas grandes, porque eles o chamam de cômoda.

– Chamá-lo assim não é propriamente idéia deles. O nome vem do Latim commodus, “agradável, apropriado”. É um lugar adequado para guardar coisas que a gente nunca vai usar e que acaba botando fora duas semanas antes de precisar delas.

– Uma vez vi a Mãe dizer que ia botar fora uma porção de coisas que não prestavam, começando por mim e pelo Pai e me assustei. Primeiro me consolei um pouco pensando que pelo menos estaria na companhia dele, depois percebi que eles estavam de brincadeira.

– Quando a gente é pequeno custa um pouco a perceber as coisas. De qualquer maneira, você sabe que tem sempre abrigo na casa dos seus avós, não sabe?

Fiquei sabendo então, e ao longo da adolescência, que nunca é fácil, essa noção viria a ser de grande consolo para mim.

– Mas vamos deixar de pensamentos tolos. Sabe o que é que elas tanto guardam nas suas gavetas?

Por exemplo, brincos. Esta palavra vem do Latim vinculum, “corrente, cadeia”. Ou os brincos antigos tinham essa forma ou as moças de antanho os usavam para acorrentar os corações dos rapazes.

Se um dia você for dar brincos para a sua namorada, use uma palavra agora desconhecida mas que faz parte ainda do nosso idioma: arrecadas. Antigamente se dizia alcarrada; essa palavra veio do Árabe al-qarrat. Que tal dizer: “Minha gata, aceite estas arrecadas como penhor de minha admiração.”?

– Como é que é, vô?

– Deixe para lá, senão ela vai se matar de rir e não vai dar certo. Se há coisa que estraga um momento romântico é o riso.

Olhe, outro enfeite que elas usam é o colar, do Latim collaris, “relativo ao pescoço”, que era collum em Latim.

– E essas que usam os enfeites pregados no corpo?

– Pois é, devem gostar muito para fazerem isso. Imagino que aquilo deve incomodar, especialmente quando se chega a colocar na boca e na língua.

O nome usado é o Inglês piercing, que chegou lá através do Francês percer, “penetrar, furar, cortar”. Nos Estados Unidos, há uns dois ou três séculos, havia uma tribo que os franceses tinham chamado de nez percé, “nariz cortado”, por que eles se enfeitavam assim. E percer vem do Latim pertundere, “furar, romper”.

– A Mãe gosta muito daquele broche que o senhor deu para ela, e que era da sua mãe, Vô.

– Ele é bonito. Sei que ela gostou; vi nos olhos dela, que só me abraçou forte e não disse nada.

Broche veio direto do Francês broche, que veio do Latim brocca, “ponta, dente”.

– E a broca do dentista, vem daí?

– Bem lembrado. Seu nome tem a mesma origem, pois ela é usada para furar. Aliás, existem vários vermes que perfuram madeira e são chamados de brocas.

Se um dia você der um bonito broche para uma moça, talvez isso faça desabrochar – “desprender, abrir”, da mesma origem – a simpatia dela por você.

Mas você não precisa dar jóias para agradar a uma moça, seja qual for a idade dela e o que ela significar para você. Dê flores, flores, que é algo que sempre lhes vai tocar o coração. Há homens que não entendem esse fato; é porque eles têm dificuldade de se colocar no lugar dos outros.

E assim demos uma olhada por alto em vários tipos de jóias. Aliás, esta palavra vem do Italiano gioia, que veio do Latim gaudium, “alegria”, pois ganhar um objeto desses sempre traz essa sensação. Dar também.

– E os cosméticos, Vô?

– Chii… Há muitos tipos, e entendo pouco deles. Vejamos: o que me ocorre de saída é o perfume. Esta palavra vem do Latim per fumum, “penetrar através da fumaça”. Este fumum vem do Sânscrito dhuma, “fumo”, que originou dust, “poeira” em Inglês.

Os sacrifícios antigos eram consumados pelo fogo, e a fumaça dos animais e objetos queimados subia aos céus para informar aos deuses que havia alguém cumprindo rituais sagrados aqui embaixo. Assim, literalmente esse fato “penetrava pela fumaça” nas narinas das divindades. Que, aliás, ficavam muito contentes.

Quando uma vítima de sacrifício era totalmente queimada, dizia-se que era um holocausto. Isto vem do Grego holos, “inteiro” e kaustós, “queimar”: “queimado por inteiro”.

– Legal, Vô! Sacrifícios, deuses… Estou gostando mais!

– É, está mais de acordo com o espírito do seu tempo, não? Isto me lembra de algo que liga um cosmético a uma coisa que infelizmente sempre esteve na moda. É o seguinte: as egípcias do tempo dos Faraós já usavam um finíssimo pó preto para pintar os olhos, cujo nome chegou até nós pelo Árabe kohl, de um idioma semita kakhal, “pintar, tingir”.

Ao ver a pintura de uma mulher egípcia arrumada você notará logo a pintura negra nos olhos.

– Que nem guaxinim, vô?

– Que nem guaxinim, mas veja só: mais tarde esse nome foi aplicado a qualquer pó muito fino, que facilmente era deslocado pelo vento, e depois a líquidos que davam essa impressão por serem muito voláteis.

Na época, o líquido volátil mais conhecido era o etanol, que é a substância que torna o vinho embriagador. Daí que este passou a ser chamado de al kohl, “o fino, o volátil“: eis aí o álcool.

Sei que existe também um pó para deixar coradas as faces das moças, que no meu tempo era conhecido como rouge, “vermelho” em Francês. Agora ele tem um nome inglês, blush. Esta palavra vem do Inglês Antigo blyscan, “avermelhar”. To blush em Inglês moderno significa “ruborizar, corar”.

Falando em vermelho, lembrei-me do batom. A expressão original era o Francês bâton de rouge, “bastão de material vermelho”, que acabou ficando só no bâton.

E o esmalte para as unhas vem do Germânico smalt, “verniz”. Será que foi a esposa de um fabricante de navios antigos, com a madeira impermeabilizada por esmalte, que teve a idéia de o passar nas unhas primeiro?

– E o talco, Vô? Vejo que o senhor tem uma caixinha ali na prateleira.

– O talco é um pó de silicato que não é muito bem visto para ser aplicado na pele pelos dermatologistas. Mas antes era um presente muito apreciado pelas senhoras e moças. Vem do Árabe talq, “gesso, amianto”.

– E o que é que o senhor faz com ele, se não é bom usar na pele?

– Conserto os desastres que às vezes faço à mesa. Volta e meia eu derramo algum alimento com gordura na roupa. Mas basta passar talco em cima, esperar um pouco e escovar, que a mancha diminui muito.

– Bem que a Vó diz que o senhor é desastrado!

– Bobagem. É pura inveja dos meus movimentos precisos e graciosos. Mas agora vá brincar no pátio, rapaz, que o seu cérebro já deve ter virado uma gosma de tanta sabedoria.

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