Palavra sereia

ALGUNS MONSTROS ANTIGOS

 

Barbaridade, o comportamento monstruoso desta meninada de hoje. Nem vou reclamar muito, que hoje tomei uma dose reforçada de Nervocalm, agora com Vitamina C  –  é o que diz na caixa  –  e estou muito light.

Para demonstrar, hoje nós vamos falar na etimologia de alguns nomes de monstros. Olha aí, todos se assanharam.

Para começar, monstro vem do Latim monstrum, “ser deformado, monstruosidade, sinal, agouro”, literalmente “aquilo que deve ser mostrado”, derivado do verbo monere, “avisar, chamar a atenção para”.

Mas o assunto de nossa aulinha será a origem de nomes de monstros antigos, nada dessas coisas comuns de zumbis, vampiros e do Frankenstein que toma as telas de TV.

Aliás, este último nunca foi nome de monstro, sabiam? Ah, para isso eles têm cultura, né? Nome de escritor e cientista que é bom eles não sabem, mas agora várias mãos se levantaram para me contradizer.

Pois acontece que o monstro feito de retalhos e animado pela eletricidade dos raios que vocês conhecem simplesmente não tem nome; Frankenstein  é o nome de seu criador, o cientista maluco aquele. O autor da história nunca lhe deu nome. Mas, no fim das contas, ele acabou sendo chamado pelo nome de seu, digamos, papai.

Hoje vamos começar por um ser que visitava as casas de nossos antepassados do Norte de Portugal, o Trasgo. Este era o equivalente aos gnomos e duendes de outras culturas. Seu nome era trasgu na mitologia asturiana.

Ele era baixinho, moreno, mancava da perna direita e tinha um furo na palma da mão esquerda. Vestia-se de vermelho e usava um gorro pontudo da mesma cor. Não era difícil reconhecê-lo, portanto.

Não façam essas caras de medo, ele não era dos piores. Ele era o responsável pelos barulhos que uma casa faz à noite e às vezes ficava travesso e quebrava alguma louça. De minha parte, acho que mais de um prato foi quebrado pelas crianças da casa e ele acabou levando a culpa.

No fundo ele era bonzinho, pois até fazia serviços domésticos quando se sentia bem tratado.

Melhor um desses do que uma abantesma perambulando pelos nossos corredores à noite. Esta palavra é uma variante de  deriva do Grego phántasma, “espectro, ser imaginário”, derivado de phainein, “brilhar, iluminar”, derivado de phos, “luz”. Ou seja, trata-se apenas de uma imagem, algo incorpóreo como a luz.

A sereia era outro desses monstros. A expressão de vocês me mostra indignação; como assim, ela não é uma linda moça com rabo de peixe, amiga das pessoas?

De acordo com a mitologia grega, nada disso. Não era amiga dos seres humanos e, aliás, nem tinha esse aspecto. Elas eram grandes aves  com cabeça de mulher. Gostavam de atrair os marinheiros com suas canções, para apanhá-los e os devorar depois.

E não eram muitas, não; apesar de os desenhos animados e filmes as mostrarem como uma espécie inteira, seu número variava originalmente entre duas e cinco apenas.

O que não deixava de ser bom para os marinheiros.

Antes que eu me esqueça, dizem que os nome delas vem do Grego seirein, “ligar, atar”, pois elas faziam isso com a atenção dos homens. Mas Tia Odete não vai colocar sua mãozinha no fogo com essa origem, já que palavras referentes a essa área são muito enganosas.

Estão todos quietinhos, de olho arregalado. Quando se fala em seres deste tipo vocês prestam atenção, não é? Já na hora de aprender qualquer outra coisa, é aquele trabalhão.

E agora me vem à cabeça a gárgula. Como todos sabem ou ainda virão a saber, é o nome dado àqueles enfeites que algumas igrejas da Europa têm do lado de fora, representando animais demoníacos com a boca aberta. São estruturas muito atraentes, através da qual a água da chuva é coletada e derramada para baixo. Elas são alongadas para o líquido escorrer para longe, de modo a não saturar o terreno junto às paredes do prédio.

Pois diz a lenda que elas foram feitas a partir da primeira, um monstro chamado em Francês Gargouille, que deriva do Latim gurguis, “garganta”, de origem onomatopaica, já que ele lembra o ruído de líquido sendo engolido.

Pois bem, a Gargouille era nada mais que um dragão típico, com asas e tudo, que andava infestando a região ao redor de Rouen e se divertia queimando tudo com o fogo que saía de sua boca.

Aí um religioso, que viria mais tarde a ser chamado São Romano, o enfrentou e o derrotou. Levou-o para cidade para queimá-lo, mas o seu pescoço e cabeça estavam tão habituados às chamas que não pegaram fogo.

O bravo santo, que devia ter seu lado de arquiteto, mandou colocar essa cabeça na parede da catedral, para comemorar a sua vitória contra o mal.

E mais tarde outros teriam tido a ideia de decorar as igrejas com estátuas semelhantes. Não venham me perguntar se é verdade,  estou contando a história como eu ouvi.

Para terminar, vou contar que a esfinge que todos conhecem a partir da enorme estátua perto das Pirâmides do Egito também tinha um aspecto um pouco diferente na mitologia grega. Ela tinha corpo de leão, asas muito grandes e cabeça feminina.

Ela não era lá muito sociável, não; colocava-se no passo dos viajantes, na entrada da cidade de Tebas, e lhes propunha um enigma. Se eles não soubessem a resposta, ela os devorava.

Não sei não, mas ou o pessoal que passava por ela era muito esperto ou as perguntas dela eram muito tolas, porque não se soube de maiores problemas para entrar na cidade por causa disso.

Seja como for, seu nome vem do Grego sphinx, “aquele que estrangula”, do verbo sphingein, “apertar, atar”.

Bem, agora que deixei meus aluninhos com material bastante para ter bons sonhos esta noite, podem sair que a aula terminou.

 

Resposta:

Mais Divindades Antigas Ainda Em Nosso Idioma

Já vimos, nas edições 3, 9 e 48 desta seção, como os nomes relacionados à mitologia greco-romana estão presentes em nosso cotidiano.

Pois a lista não se esgota aí; agora apresentamos mais palavras formadas a partir de divindades.

ÉDIPO – um sujeito de trágico destino, que inadvertidamente mataria o pai e casaria com a própria mãe, muito adequadamente usado por Freud para descrever determinada situação em Psiquiatria.

Seu nome viria, segundo Sófocles, do verbo grego oidein, “inchar”, mais pous, “pé”. Assim, ele seria “o de pés inchados”, pois eles tinham sido atados juntos fortemente quando foi abandonado num monte para morrer.

Quem começa a vida desse jeito só pode ter um futuro complicado.

PENÉLOPE – era a esposa de Ulisses, que esperou longamente por ele em sua volta da Guerra de Tróia. Ele era dado por morto em ação, e numerosos interessados disputavam a mão dela, que disse que só resolveria algo depois que terminasse de tecer a mortalha de Laerte, seu pai. Mas o que ela tecia de dia, desfazia pela noite, assim conseguindo retardar a questão.

Sua estratégia funcionou, pois Ulisses voltou a tempo de fazer picadinho dos pretendentes e reassumir o trono de Ítaca.

Daí se chamar de “teia de Penélope” uma conduta protelatória, que impede a resolução de um assunto. O nome da fiel esposa vem de pénelops, “pato ou ganso selvagem”, consoante um antigo costume grego de dar nomes de aves às mulheres. Esse final –ops não parece se ligar ao significado de “olho”; usava-se com freqüência em nomes de aves.

MENTOR – falando em Ulisses… Este era  amigo fiel do herói, que o deixou administrando seus bens em Ítaca, seu reino.

O nome deriva de ménos,  “decisão, mente, vontade, espírito”, e quer dizer “o que pensa, que reflete, que é prudente”.

VULCANO – usa-se para designar o tratamento da borracha pelo calor, a partir de 1846. Até então, o verbo to vulcanize, “vulcanizar”, era usado em Inglês com o significado de “inflamar, colocar em chamas”.

Deriva do deus romano do fogo, Vulcanus, de provável origem etrusca e significado ainda desconhecido. Claro que a palavra “vulcão” também vem do nome deste deus.

Ele era muito feio e manco, mas foi casado com Vênus, a deusa da beleza. Paradoxos da vida!

SEREIA – vem do Grego seirén, cujo significado se desconhece. As do mito eram formosas jovens da cintura para cima, mas aves daí para baixo. Possuíam o mau hábito de usar suas vozes maravilhosas para atrair os marinheiros para os rochedos, onde as naus se rompiam.

O uso da palavra “sereia” ou “sirene” para os artefatos que fazem ruído em veículos específicos para emergências parece um desaforo às suas maviosas vozes, mas deriva delas mesmo.

PANDORA – sim, é aquela moça que abriu a caixa da qual escaparam todas as calamidades e infortúnios que até hoje nos atormentam.

Seu nome de forma por pan, “todo”, e doron, “dom, presente”. Ela é a “detentora de todos os dons”, porque foi feita pelos deuses com atributos de vários deles para ser irresistível ao homem.

FLORA – é uma deusa romana, cujo nome vem de flos, “flor”, derivado do Indo-Europeu bhlo-, “brilhar, florir”. Era a deusa da vegetação, uma das mais antigas divindades romanas, fato perfeitamente de acordo com a importância da agricultura nessa civilização.

FAUNA – teria sido a esposa do deus Fauno, que protegia a fertilidade da terra e dos rebanhos.

Seu nome, de etimologia incerta, agora é usado para citar o conjunto dos animais de uma certa área ou época.

FAMA – vem do verbo phánai, “dizer, espalhar pela palavra”. Era uma deusa romana que vivia num palácio de bronze com inúmeros orifícios, que tudo captavam, por mais baixo que se falasse.

Talvez caiba lembrar que nem a Internet nem o celular existiam nessa época, de forma que se devia recorrer a tecnologias alternativas.

Ela tinha asas e se deslocava rapidamente para propagar tudo o que sabia.

Hoje em dia, geralmente a “fama” é tida por coisa boa e desejada por quase todos, mas originalmente ela podia ser tanto má como boa.

Enfim, ela parece ter sido a Fofoca divinizada.

HIGIENE – vem do nome da filha de Asclépios, o deus da Medicina, Higéia, que queria dizer “sã, em bom estado de saúde”.

PANACÉIA – é irmã da anterior e deriva de pan-, “todo”, mais  ákos, “remédio”. Ou seja, ela era “a que cura todas as doenças”.

Resposta:

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