CÉLEBRE [Edição 103]

 

Meu avô estava, para variar, lendo em seu gabinete. Depois de nos abraçarmos, eu, então com meus dez anos, perguntei:

– O senhor pode me contar se é verdade que uma celebridade é chamada assim porque se usa muito o cérebro?

O antigo cavalheiro riu muito:

– E quem foi que passou essa informação para você?

– Foi o Zorzinho, meu colega de aula.

– Você anda em más companhias –  disse ele, enxugando umas lágrimas de riso.

Mas vou ajudá-lo a combater as trevas da ignorância. Ainda bem que você teve senso crítico e não saiu por aí espalhando essa mentira.

Preste atenção: cérebro vem do Latim cerebrum, “órgão do interior do crânio”, de uma base Indo-Europeia ker-, “o alto da cabeça”.  E celebridade vem do Latim celebritas, “multidão, fama, muito repetido” , de celebris, “afamado, repetido, abundante, ilustre”. Logo, elas não tem a ver uma com a outra.

– Aquele menino me paga!

– Mas já que estamos falando no assunto, vou-lhe contar das origens de algumas palavras com significado aproximado.

Uma é prestígio, “distinção, boa reputação”. Vem do Latim praestigiae, “truques, atos de destreza, de malabarismo”, aparentemente em relação com praestringere, “amarrar apertadamente, vendar”, de prae-, “à frente”, mais stringere, “atar, amarrar”.

– Ué, isso me lembra mais “prestidigitação”.

– Está certo, ambas têm a mesma origem. O sentido de prestígio começou como “engano, ilusão”, como o que os mágicos fazem, passando depois a “impressionar, espantar, obter influência positiva sobre outros”.

– Cada volta que essas palavras dão…

– Verdade, por isso é que devem ser estudadas com cuidado.

– E a reputação, Vô?

– Esta nos veio do Latim reputatio, “consideração”, de reputare, “refletir sobre, estimar, calcular”, de re-, “de novo”, mais putare, “pensar, supor, calcular”, originalmente “podar”.

– O que é que “pensar” tem que ver com “podar”?

– Os romanos eram um povo agrícola, várias das suas palavras eram baseadas em metáforas relativas às plantações. Aqui, se faz referência a pensar como um ato em que se tem que podar, ou seja, retirar fora do processo material que não vai ajudar a levar a uma conclusão.

– Legal, Vô!

– Muito. Mas também se pode usar, com esse significado, a palavra nome, nomeada ou renome. Derivam do Latim nomen, do Grego onyma ou onoma, “palavra usada para identificar uma pessoa”.

Temos também o uso de conceito para designar a reputação de uma pessoa, do Latim conceptio, “compreensão”, de concipere, “pegar e manter firme”, de com, “junto”, mais capere, “tomar, pegar, segurar”. Assumiu o sentido atual de “pegar mentalmente, entender” no século XIV. E não sei bem por que voltas acabou sendo usada para “reputação, renome”.

Pode-se também dizer que ume pessoa tem uma aura, que não é aquele sintoma comum na enxaqueca mas sim a boa fama que emana de alguém. É do Latim aura, do Grego aura, “aragem, brisa”, do Indo-Europeu awer-, que originou também a palavra ar.

Já que tocamos em fama,esta vem do Latim fama, “fala, rumor, reputação”, do verbo Grego phánai, “dizer, espalhar pela palavra”.

Quando a fama é muito grande, pode-se falar mesmo em resplendor, do Latim resplendere, “brilhar intensamente”, de re-, intensificativo, mais splendere, “brilhar, reluzir, emitir luz”.

Temos também importância, do Latim importans, de importare, “ser significante em”, originalmente “trazer para”, formado por in-, “em”, mais portare, “levar, carregar”.

– Parece mais uma que andou mudando com o tempo, não?

– Exatamente. Você é bastante atento, o que lhe concede crédito. Esta  nos chegou do Latim creditum, “algo emprestado, objeto passado em confiança a outrem”, particípio passado de credere, “acreditar, confiar”.

E nesta época de jovens de cabeça oca, o fato de você se interessar por cultura é notável, que vem do Latim notabilis, “digno de nota”, de notare, “perceber, destacar”, de nota, “marca, sinal, letra”, originalmente “marca, sinal de reconhecimento”.

Uma pessoa pode ter muito destaque; esta vem do Francês détacher, “soltar, desamarrar, separar”, formado por des-, “afastado, para fora”, mais attacher, “atar a, apoiar em”.

– E daí?

– Daí que uma pessoa que não precisa se apoiar noutra ou numa instituição pode ser notável. Mas nem sempre isso ocorre.

E, finalmente, de uma pessoa de boa reputação se diz que ela tem cartaz, do Grego khartes, “papel, folha de papel”.

Ufa, estou cansado de tentar iluminar as trevas de seu cérebro embotado. Está na hora de fazer um lanche, topa?

 

Origem Da Palavra