DESCOBERTAS DE UM EXPLORADOR [Edição 73]

 

De: X-8, abaixo assinado, brasileiro, de profissão Detetive, estado em geral sólido, nascido num Hospital, morador no Ed. Éden, sala 304, bem em frente ao Bar do Garcia que pode ser localizado pelo cheiro de bacon e fritas antigas, bairro Inominado, cidade tal de tal estado deste nosso país.

 

Para: Seção de Descobertas da União Nacional de Palavras, órgão dedicado à revelação e registro de novas palavras em nosso vocabulário.

 

Assunto: apresentação de novas palavras ao rol de nosso vernáculo.

 

Prezados responsáveis, tanto palavras quanto seres humanos, serei breve.

Em data recente tomei de meu material de safári  –  caneta, lápis, borracha, rede para borboletas e para rinocerontes, cabos de seda resistente a um elefante com uma enxame de abelhas furiosas dentro da tromba, livros de referência, cadernos e bloquinhos, lupas, binóculos para visão diurna e noturna, máquina fotográfica, pinças delicadas, vidros com tampa, jaulas especialmente resistentes e demais aparatos necessários aos meus planos.

Vesti-me de acordo: bermudas cáqui, botinas com meias grossas, um colete com não menos de 42 bolsos, chapéu de cortiça tipo inglês colonial, óculos redondinhos bem escuros, cantil refrigerado.

E, corajosamente, parti para outras plagas, onde a lei e a ordem não prevalecem, e sim a coragem de um etimologista bem treinado, com seus reflexos rápidos e sua sagacidade à prova de tudo, pronto para me abrigar ao primeiro sinal de perigo, que bobo não sou.

Como eu disse que seria breve, não vou contar as aventuras que vivi entre palavras distantes e selvagens, que me olhavam como se eu fosse algum prato apetitoso. Isso me obrigava a andar com a borracha sempre à vista, no cinto, de modo a poder pegá-la e apagar da face da terra qualquer ser mal-intencionado que se aproximasse.

Não vou contar os percalços que sofri nas alfândegas, onde palavras funcionárias sempre esperavam auferir alguma vantagem, ainda mais em se tratando de pessoa de fama como eu.

Tampouco vou relatar as lindas noites que passei entre palavras não-civilizadas, à beira do deserto, olhando a lua e as estrelas, espantando mosquitos e contando histórias perante seus olhares de admiração.

Pena que elas não tivessem entendido nada.

Enfim, depois de muito penar e labutar, consegui trazer, desses remotíssimos lugares ainda não explorados pela Etimologia, palavras novas, selvagens, indomadas, quiçá não formadas totalmente em conformidade com as regras dos Irmãos Grimm mas certamente trazendo seu valor próprio e evidente utilidade.

São todas elas, como os senhores perceberão, palavras que fazem falta ao nosso vocabulário e que certamente encontrarão seu nicho nos dicionários e no uso comum, mesmo sendo elas inicialmente um tanto estranhas.

 

A primeira é Eclipologia. Estudos em campo, com uma lupa bem forte, me permitiram fazer o levantamento genético de todas as que capturei. Destarte, posso afirmar sem medo de errar que ela descende do Grego ekleipein, “aquilo que falta, o que está ausente”, mais logos, aqui com o sentido de “palavra”.

O significado dela, para os nativos, é “a palavra que falta” e serve até para descrever uma nova matéria (ou arte ou ciência, se assim lhes parecer): aquela que se dedica a procurar, localizar e colocar em uso palavras que se façam necessárias em nossos textos mas que ainda não tenham sido localizadas.

Note-se que não estamos falando em neologismos, que em geral acabam sendo, pelo menos fora da área técnica, criações zurrapas e sem imaginação.

A seguir apresento-lhes Evecdemia. Um de seus antepassados é o Grego eu-, mais exatamente sua forma combinante pré-vocálica ev-, “bom, adequado, agradável”.

O outro é ekdemia, “ausência”.

Nas florestas onde ela se faz respeitar pelas outras, seu significado é “ausência bem-vinda”. É usada para descrever, por exemplo, aquele sujeito chato que conta piadas sem graça, que bebe demais nas festas e fica inconveniente, que só fala em suas conquistas de veracidade duvidosa, cuja ausência é sempre  muito apreciada.

 

Temos a seguir um vocábulo que passará a ser muito usado por pais e mães que têm filhos adolescentes: Bradiegregórico.

Vem do Grego bradys, “tarde, tardio, atrasado”, mais egrégoros, “acordado”. Como significado, “aquele que acorda tarde”.

Quais os pais que não vão se alegrar por poderem usar tão sonoro termo para, exasperados com o Júnior ou a Lyara Kétlin que não saem da cama nunca?

– “Fulano, chega de ser bradiegregórico!”  – “Beltrana, basta já de tanta bradiegregoria que você tem prova hoje!”
E, para terminar, apresentamos o que consideramosnossa jóia rara: com vocês, Acroglossia. Forma-se pelo Grego akros, “extremidade, ponta, alto”, mais glossos, “língua”. O sentido? Um dos mais necessários de nosso idioma.

Quantas vezes todos nós já dissemos – “Estou com a palavra na ponta da língua!”

E quantas vezes repetimos essa frase! Pois agora basta resmungar – “Estou com uma acroglossia daquelas hoje!” e ainda mostrar uma bela  cultura para o vulgo.
Era o que eu tinha a apresentar.

Para o caso de algum prêmio Nobel, meu endereço
consta no início deste memorando

 

Sinceramente seu,

X-8,

Detetive Etimológico.

 

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