FEITIÇOS [Edição 100]

 

No começo da adolescência, perguntei ao meu avô se dava para acreditar em feitiçaria.

Ele me olhou bem e sentou na sua poltrona de couro, batendo com a mão no banquinho estofado que ficava aos seus pés.

Isso era sinal de que ele ia começar a falar sobre o assunto. E de que eu ia me divertir.

– A Humanidade está desde sempre à procura de preencher suas necessidades através de atos fáceis. Ou seja, em vez de trabalhar, faz-se um feitiço; em vez de se dedicar a conquistar outro coração, usa-se alguma coisa presa a uma corrente; para ter saúde, providenciam-se orações.

– Tanta gente faz isso… e não funciona mesmo, Vô?

– É assim. E o pior é que as pessoas percebem que não funcionou e insistem.

Mas não é sobre as incapacidades humanas que vou falar, e sim sobre as origens de certas palavras.

Por exemplo, feitiçaria. Ela veio do Latim facticius, “não pertencente ao mundo natural, artificial, de imitação”, do verbo facere, “fazer”.

Aliás, a palavra feitiço foi levada para a África pelos portugueses e de lá voltou para a Europa com os franceses, como fétiche, nosso atual “fetiche”.

– Hum… e a magia?

– Essa vem do Grego magike tekhne, “a arte de produzir resultados sobrenaturais”, de magikos, “mágico”, de magos, “membro de uma classe sacerdotal”, do Persa magush. Talvez sua origem mais remota seja o Indo-Europeu magh-, “ser capaz, ter poder”.

Antes que você indague, mágico tem a mesma origem.

– E os arcanos? Já vi a Tia Beth falar nisso com ar muito misterioso e importante.

– Ah, sua tia é um amor, mas acredita em cada coisa… Essa palavra quer dizer “o que é muito misterioso, secreto, conjunto de enigmas de alguma doutrina”. Ela vem do Latim arcanus, “secreto, escondido”, de arcere, “fechar, conter”, de arca, “caixa, baú”. Muitos  usam para dizer que algo é assim e pronto, pois está nos arcanos. Belo argumento.

– Uma vez ela falou numa amiga dela desenhando um pentagrama. Parece que ela ficou com muito medo e saiu correndo.

– Essa palavra vem do Grego pentágrammos, “o que tem cinco linhas”, de penta, “cinco”, mais gramma, “o que está escrito”.

É a representação de uma estrela de cinco pontas. O pessoal que acredita coloca ao redor umas velas acesas, se possível também uma caveira, acende incenso e diz que conjura demônios dessa forma. Até hoje ninguém conseguiu ver nada.

– E conjurar, o que é?

– É “chamar um espírito, produzir algo por artes de mágica”. Vem do Latim conjurare, “prometer juntos, conspirar”, formada por com, “junto”, mais jurare, “jurar, garantir”.

– Falando em vela, qual a sua origem?

– Deriva do Latim vigilare, “cuidar, observar, vigiar”.

– Ah, por isso as velas dos navios antigos eram chamadas assim! Os marujos, para observar as naves inimigas ou os monstros marinhos, subiam nelas para vigiar e então…

– Feche essa matraca, jovem doidivanas! Os marujos não subiam nas velas, ali não havia como ficar! Iam era para o topo do mastro mais alto, onde eu gostaria de pendurá-lo neste momento pelo pescoço por perturbação da tranquilidade de um idoso.

As velas usadas nos navios devem seu nome ao Latim vellum, “tecido, pele, véu”. Resultaram numa palavra escrita e pronunciada do mesmo jeito, mas com outro significado.

– E a caveira?

– Vem do Latim calvaria, de calvus, “careca, sem cabelo”. Isso porque, depois de um tempo debaixo da terra, os cabelos caem e um crânio se destaca pela superfície lisa.

Aliás, elas são usadas para fazer encantamentos, palavra que vem do Latim incantare, “lançar um feitiço contra alguém”, formado por in-, “em”, mais cantare, “cantar”, aqui mais com o sentido de “emitir palavras mágicas”. Acabou mudando um pouco de sentido e passando a significar “maravilhar, seduzir”.

Muitas vezes os encantamentos eram veiculados através de poções, que deriva do Latim potio, “bebida, especialmente uma venenosa”, de potare, “beber”, já que se tratava de líquidos que eram dados às vítimas para consumo.

Ou eles podiam ser veiculados por um filtro, que nos veio do Latim philtrum, do Grego philtron, “poção de amor”, derivado de philein, “gostar de”. Como se vê, esta beberagem tinha intenções amorosas e não destruidoras.

– Deviam ser bem ruins, hein, Vô?

– Nelas entrava toda espécie de ingediente nojento. Para não ir mais longe, um deles era pó de múmia.

– Como assim? Iam aos museus tirar pedaços delas?

– Houve época em que elas não eram consideradas de importância histórica, como agora. Elas eram importadas em enormes quantidades do Egito e outras regiões africanas e usadas para vários fins. No século XIX, inclusive, chegaram a servir para alimentar caldeiras de locomotivas. Eram material orgânico bem seco, deviam dar um bom fogo.

– Credo!

– É como digo, esta nossa espécie tem condutas muito esquisitas. Seja como for, espero que você nunca perca o seu tempo com coisas deste tipo.

Não vale a pena.

 

Origem Da Palavra