PERUCA E COMPANHIA [Edição 109]

 

São vinte horas e o Detetive das Palavras, X-8, ouve baterem à porta de seu misterioso escritório escondido num bairro obscuro.

Ele dá um grunhido e entra um conjunto de palavras que tinha marcado hora para descobrir sobre as suas origens. Elas entram, encantadas com o clima antigo do lugar, e se dispõem nos assentos voltados para a enorme escrivaninha onde o grande profissional pontifica.

Com um olhar glacial escondido pela aba do chapéu, ele aguarda uns segundos, para criar tensão (ele se orgulhava em apresentar um serviço completo para a clientela) e as saúda:

– Boa noite, prezadas palavras. Conforme combinado, vocês trabalham com o significado de cabelo e adjacências. Começaremos pela própria, sentada aqui à frente, cheirando a xampu:

Você vem do Latim capillus, “cabelo” mesmo, que deve se relacionar a caput, “cabeça”, que é onde costuma se assentar.

Ali atrás vemos madeixa, que veio do Latim metaxa, “fio de corda em bruto”, do Grego metáxa, “seda bruta”.

Já falaremos de você, mecha: sua origem é o Francês mèche, “tufo de cabelos, pavio”, possivelmente do Latim micca, de mesmo significado.

Sacudindo-se com jeito adolescente, notamos aqui perto a palavrinha franja. Ela vem do Francês frange, “cabelo caído sobre a testa, fios que pendem da borda de um tecido”. E esta foi para lá a partir do Latim fimbria, “franjas de um tecido, borda”, possivelmente de fibra, “fio, fibra”.

Ao seu lado se encontra topete, que para variar veio do Francês toupet, “cabelo levantado no alto da testa”, do Frâncico topp-, “parte alta, ponta”.

Meio encabulada ali vemos chinó, aquela peruca pequena que se usa no alto da cabeça. É mais uma que vem do Francês. Veio de chignon, um derivado de chaîne, “cadeia, corrente”.

Estranho, não? Explico: chaîne veio do Latim catena, “corrente”. As vértebras cervicais podem ser encaradas como uma corrente de ossos, donde a expressão em Francês antigo chaaignon de col –  assim com dois “A” mesmo  –  ou seja, “corrente do pescoço”, que acabou tendo o significado de “laço, coleira, massa de cabelos presa à nuca”. Esta origem é mais complicada e, portanto, mais saborosa.

A palavra estufou de orgulho pela sua ascendência.

– Já a origem de melena, “cabeleira longa, cabelo caído ao redor da cabeça”, é o Espanhol melena, usado para designar uma almofada usada nos animais de tiro para não se machucarem com a canga. A origem anterior dela é desconhecida.

É importante destacar que, neste sentido, essa palavra nada tem a ver com a melena, de uso em Medicina, que é um sinal clínico de sangramento gastrointestinal e que vem do Grego melaina, “escuro, enegrecido”.

E gadelha, também dita guedelha, designando um cabelo comprido e descuidado? Parece vir do Latim viticula, “haste da parreira”, de vitis, “parreira”.

Temos também grenha, com o mesmo significado, do Latim grennio, que nos veio do Celta grenn-, “pelo facial”.

Com ar teatral, à nossa direita, está gaforinha, muitas vezes grafada sem o “H”. Deriva do sobrenome de uma cantora lírica italiana que se apresentou em Portugal no começo do século XIX e fez sucesso com sua cabeleira loura cuidadosamente desalinhada. Seu nome era Isabella Gafforini.

Quando os cabelos estão trabalhados para manter um determinado aspecto, dizemos que neles foi feito um penteado, palavra que vem do Latim pecten, “pente”, que originalmente significava “rastelo, ancinho” e servia para limpar o chão das folhas secas.

Ou se pode sizer que ali se fez um toucado, de origem um pouco diferente. Vem do Celta tauka, “abrigo de pano para a cabeça”, que era muito usado há alguns séculos. O nome toucado passou a um tipo de chapéu feminino e depois passou a designar “adornos para a cabeça” e principalmente “penteado”.

Entrando numa área onde os cabelos já se confundem com a barba, temos as suíças. Estas vieram da época em que o Rei francês Luís XIII contratou mercenários suíços para o servirem, os quais usavam vistosas costeletas que achava que lhes dava um ar mais feroz. Acabaram fazendo moda.

E costeleta vem de costela, do Latim costa, que queria dizer “costela”, mas também “flanco, lateral”. Elas se situam nos lados do rosto, o que é uma boa explicação.

Para o fim deixamos a origem de peruca, que se apresenta meio desapontada ali. Você vem do Italiano parrucca, que se supõe que seja um cruzamento de pelo, “cabelo”, mais zucca, “abóbora”, também servindo para “cabeça”. Mas há controvérsias sobre a verdadeira origem.

O que quero contar agora se liga mais à História do que à Etimologia, mas não deixa de ser interessante.

Houve uma tremenda epidemia de sífilis na Europa pelo fim do século XVI. Entre tantos males que doença causava (cegueira, demência, paralisias) estavam manchas na pele e perda de cabelo em áreas do couro cabeludo.

Por essa época, a moda masculina eram os cabelos longos. Eles encarnavam o poder e a virilidade. Logo, apresentar-se calvo ou com pouco cabelo não ajudava a imagem de nenhum homem, ainda mais que tantas vezes a causa era uma doença venérea.

Imediatamente as perucas começaram a ser usadas para ocultar essas falhas. E em pouco passaram a ser empoadas com talquinhos perfumados, para ficarem mais agradáveis.

Lá pela segunda metade do século XVI, o rei Luís XIV (sim, o Rei Sol) da França, possivelmente afetado pela doença, passou a usar peruca. Logo depois foi seguido pelo seu primo Carlos II da Inglaterra.

Obviamente, seus cortesãos imitaram suas Altezas Reais, sendo seguidos logo por burgueses e militares.

As perucas também ajudavam com outro problema: como as pessoas precisavam raspar as cabeças para ajustá-las, os piolhos pararam de infestar as cabeças.

Claro que eles se mudaram então para as perucas, mas estas eram limpas pela fervura, coisa que seria mal recebida se fosse feita direto na pessoa. Isso ajudou em muito a higiene pública.

A história das perucas disseminadas pela população começou a fenecer com a Revolução Francesa, já que o uso delas era associado à nobreza. Na Inglaterra, um imposto sobre o talco para elas surgido em 1795 ajudou a desbancá-las. Mesmo assim, ainda hoje lá elas fazem parte da vestimenta profissional na Justiça.

E aqui as deixo, prezadas palavras-clientes, remoendo pensamentos sobre as estranha condutas dos homens e voltando para suas casas com a cultura aumentada.

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