Primeiro [Edição 24]

Algumas raízes antigas de palavras geraram famílias extraordinariamente prolíficas. Uma das razões para isso ocorrer é a utilidade da noção expressada pela raiz.

Todas as culturas precisam de algum método de contagem. Algumas, como a de certos indígenas, param no número quatro, não dispondo sequer de palavras para números maiores (expressam-nos como “muitos”). Outras chegaram a níveis surpreendentes de complexidade para civilizações que consideramos não-tecnológicas.

Seja como for, o número “um” é o início de tudo.

O Indo-Europeu apresenta um grupo de palavras ligado a esse número, o “número inicial” num sistema simples de contagem. Essas palavras tinham as consoantes “P-R”, cujo significado primitivo seria “antes” e que se desenvolveu de diversas maneiras, todas elas familiares para o leitor.

Vamos dar uma olhada em algumas, sabendo que não deveremos ter aflorado nem na metade.

Em Grego, temos pro-, “antes”. É um sufixo que faz parte de centenas de palavras hoje, como proativo (o que age antes); pronome (o que vem antes – no lugar – do substantivo); prognata (o que tem o queixo deslocado para a frente); problema (o que é lançado à frente de uma pessoa para ser resolvido), etc.

Daí derivou uma outra palavra muito usada como prefixo, proto-, “primeiro”, que nos deu protozoário (animais menos complexos que os outros); protocolo (o que é colado no início dos rolos de papiro); protocordado (animal pertencente aos primeiros que apresentavam um cordão nervoso); protofonia (os sons iniciais de uma composição musical).

Temos mais um derivado próximo desse som antigo em Grego, peri-, que inicialmente queria dizer “antes” e depois passou a “ao lado de” e se fixou em “ao redor de”.

Usa-se como prefixo em perioral (a região situada ao redor da boca); periósteo (camada fina de tecido colada ao osso, que faz as delícias de um comedor de churrasco de costela); perigeu (ponto da órbita de um corpo celeste mais próximo à Terra); periscópio (aparelho que permite ver ao redor).

O prefixo Grego para-, “ao lado”, é outro derivado. Formou palavras como parábola (um tipo de curva); paracleto, (quem fica ao lado de outro para advogar a sua causa); paradidático (o que se usa alternativamente para fins didáticos); paramédico (pessoa treinada para lidar com emergências de saúde sem ser médica).

Em Latim, temos pro-, adjudicado a palavras acrescentando-lhes o sentido de “à frente”, “a favor de”, “no lugar de”.

Por exemplo, o verbo prodesse, “ser útil”, vem de pro-, mais esse, “ser”. A forma prosit significa “que te seja útil” e era pronunciada como um brinde a um padre antes do sermão. Até hoje os bebedores na Alemanha e outros países pronunciam essa palavra, embalados pela festa, achando que estão dizendo algo em Alemão, mas se trata de Latim puro, inalterado.

Outro prefixo é prae-, “antes, devido a, melhor”. Vemo-lo em palavras como preâmbulo (o que caminha antes, que vem na frente); precaver (lidar com as coisas antes); prévio (o que está antes na via, no caminho); pré-colombiano (fatos das Américas antes da descoberta).

Desse prae- saiu praeter-, que como prefixo dá a idéia de “além de, oposição a, à exceção, ao longo de”. As palavras que contêm esta não são abundantes. Mas usamos, por exemplo, preternatural (sobrenatural); preterintencional (resultado além do desejado num ato contra a lei); preterir, (ir além, deixar fora).

Usamos igualmente o prefixo per-, “através, de lado a lado”, em perambular (caminhar através, com ambulare, “caminhar”); pernoitar (atravessar a noite); peregrino, (originalmente “o que caminha através dos campos”, com ager, “campo”).

Usamos a forma aparentada pri- para formar palavras como prior, “o que precede, superior na hierarquia eclesiástica”.

Primus, um superlativo que significa “o que está mais à frente, o primeiro”, deu primatus, “superior, o primeiro escalão”. Daí temos primaz, (posição superior à de bispos e arcebispos); primitivo, (primeiro no tempo); primário (primeiro em ordem); primícias (os primeiros frutos); primórdio (o começo).

Destaca-se, entre estas palavras, príncipe, (o que tem o primeiro lugar, o que vai à frente), com seu derivado principal (o mais importante, o fundamental).

Encontramos a palavra princípio (o começo); privado (de privus, originalmente “o que está isolado à frente”, depois “colocado de lado”, depois “particular, próprio de cada um”).

E privilégio? É ligada a esta turma que estamos vendo também. Vem de privus mais lex, “lei”: é um apanágio, uma lei que contempla apenas poucos indivíduos. Assim, um privilegiado é uma pessoa que dispõe do que a maioria não tem, tal como aprender fatos etimológicos e se divertir ao mesmo tempo.

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