X-8 PEDE UMA PIZZA [Edição 71]

Palavras: entrega

 

O grande X-8, Detetive Etimológico de enorme sucesso entre as palavras do seu mal-encarado bairro e além, terminou o seu trabalho por hoje. Já fez seus atendimentos, satisfez as palavras-clientes; agora sente fome e resolve encomendar algo para comer.

Liga para a Pizzaria do Porco, perto do seu escritório no Edifício Éden, e pede uma pizza. Ele queria sentir de novo o sabor do queijo crocante e dos temperos inomináveis que Porco acrescentava ao que produzia. E também queria testar o novo sistema de tele-entrega inaugurado há pouco, anunciado em papéis escritos à mão que se espalhavam no bairro por paredes sujas e postes inúteis por falta de lâmpadas:

 

NÃO PERDA!

NOVA E SENSACIONAL!

QUERENDO UMA PIZZA BEM SABOROSA, LIGUE PARA NÓS QUE A
GENTE ATENDE BEM E MANDA LEVAR. SE NÃO QUISER BEM SABOROSA A GENTE MANDA IGUAL.

SE NÃO PAGAR NÃO RECEBE.

SE O ENDEREÇO FOR PERTO AINDA CHEGA QUENTINHA.

TELEFONE…………………

 

X-8 ligou e ouviu a voz de Mistinguete Garcia. Esta era a filha do Porco Garcia; ela ia ser uma famosa modelo internacional, cantora e atriz de cinema assim que perdesse uns quilos.  Ela se esforçava por aparentar uma voz eletrônica:

– “Pizzaria do Garcia às ordens se quiser pizza média disque 1 se quiser grande disque 2 se quiser pequena deixe de ser mão-de-vaca e desista que a gente não tem se quiser com queijo disque 3 se quiser com tomate disque 4″…

Vinte minutos depois:

… “se quiser Tropical – pode ser malpassada ou bem passada – com melancia morango figo goiaba e sorvete derretido disque 72 e é bom encomendar logo alguma delas senão meu pai vai aí e arrebenta tudo”.

O detetive fez a sua encomenda (grande, quatro sabores: à Portuguesa, Nove Queijos, Margarita e Calabresa).  Isso em parte porque está com muita vontade de comer uma pizza, em parte atendendo à ameaça sutil contida no texto de atendimento.

Dali a uma hora e meia batem à porta com a entrega. E isso que o estabelecimento fica a duas quadras dali.

Quem traz a encomenda é a palavra Entrega, que alcança a caixa, entrega a nota e diz:

– Olha, o Seu Garcia mandou dizer que várias coisas que o senhor pediu estavam em falta, então ele mandou isso aí.

Dentro da caixa, uma pizza meio endurecida de Alho & Alho, Coraçãozinho, Lascas de Presunto e  Strogonoff encarava melancolicamente o detetive.

Ele pensou rapidamente e se virou para Entrega, o entregador:

– Você conhece a sua origem? Não? Então ouça.

E começou a explicar, em pé ali à porta, que ela vinha do Latim integrare, “restaurar, restabelecer”.

A partir daí deitou falação, explicando que pizza vinha do Grego medieval petta, “torta, bolo”, embora a certeza não fosse absoluta.

E que queijo é do Latim caseus, “queijo” e que presunto é um alimento cujo nome deriva de uma das etapas da fabricação, já que expressão latina per sunctus queria dizer “completamente seco”, pois a secagem é fundamental no processo. Sunctus
era o particípio passado de siccare, “secar”.

Continuou o eficaz detetive:

– E não esqueçamos que o tomate vem do Náhuatl tomatl, o nome que os astecas davam ao fruto do tomateiro, e que a cebola, sua companheira de longa data em nossos pratos, deriva do Latim caepulla, diminutivo de caepa, “cebola”.

Para não dizer que o bacon vem do Inglês bacon, derivado do Francês bacon, do
Germânico bakkon, “carne das costas, do lombo” do porco.

E que o azeite, que brilha pela ausência aqui no produto do Garcia, deve seu nome à azeitona, que deriva do Árabe az-zaytûn, usada tanto para a oliveira como para seu fruto.

A mostarda, que nosso digno entregador esqueceu de trazer, é um tempero que era feito com uma pasta de grãos de mostarda, misturada a vinho recém-feito. O nome
deste era musteum, “vinho novo” em Latim, de mustus, “fresco, novo”.

E o catchup, também esquecido, veio do Inglês ketchup, que veio do Malaio kichap, “molho de peixe”. Inicialmente não era vermelho; o tomate foi acrescentado mais
recentemente, por marinheiros americanos. E o peixe, felizmente, sumiu.

E o orégano que se espalhava tão abundantemente pela pizza em questão que quase a ocultava (Garcia tinha comprado um carregamento vencido que uns amigos seus tinham encontrado recentemente por acaso num depósito) vinha de do Latim origanum, do Grego oreiganon, o nome da planta, formado por oros, “montanha” e ganos, “brilho, ornamento, alegria”. As flores arroxeadas da planta eram consideradas um símbolo da felicidade.

Ao fim de tanta informação, o entregador estava aniquilado. Antes que ele se recuperasse, o detetive perguntou quanto ele tinha no bolso.

O coitado respondeu que tinha a quantia tal, pois tinha feito várias entregas antes
daquela.

O detetive disse:

– Pela sua simpatia e bom papo, vou dar um desconto para a sua empresa. Diga ao seu patrão que felizmente você teve a quantia exata para pagar uma importante consulta etimológica, mas que ele não se esqueça de que estou fazendo isto apenas por causa do bom nome dele, já que meu preço é bem mais alto. Passe aqui o dinheiro e até logo. Não perca tempo que a vizinhança é perigosa.

Agarrou as notas da mão da palavra aturdida e fechou a porta.

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