DESORDEM [Edição 92]

 

 Caras colegas, o que estão fazendo junto da janela da Sala dos Professores? Deixem-me chegar perto para ver… Ah, olha só! O pátio do recreio é a cena de uma batalha campal em que cada aluno faz o que bem entende. Uns gritam como bezerros desprovidos de mamadeira; outros atacam o próximo com tudo que podem e fazem misérias nas roupinhas e cabelinhos cuidadosamente arrumados pelas mamães; outros roubam a merenda alheia; a maioria corre sem destino e se choca com tudo o que encontra pelo caminho.

Não, colegas, calma. Não chamem a Polícia Militar, não gostaria de ver homens grandes e uniformizados saírem daqui traumatizados e chorando, pobres rapazes.

Isso que aqui vemos é rotina dentro de minha aula, daqui a pouco passa.

Vamos ficar olhando; enquanto isso, vou contar para vocês a origem de algumas palavras que descrevem o que estamos vendo.

Por exemplo, desordem. Esta se forma pelo antepositivo des-, com ideia de oposição, mais o Latim ordo, “arranjo de elementos feito conforme certos critérios”, “exigência de disposição regrada de elementos, comando”, relacionado ao verbo ordiri, “ordenar, mandar”. É o que mais se vê em nosso pátio no momento.

Já bagunça é o nome dado a uma máquina usada para retirar terra e outros materiais em obras.  Mas sua origem é desconhecida.

O que não é o caso de confusão, do Latim confusio, “mistura, desordem”, de confundere, “misturar, transtornar”, formada por com-, “junto”, mais fundere, “derramar, fazer fluir”. A cena dantesca que se desenrola à nossa frente não parece mesmo a rebentação do mar durante uma tempestade?

Olhem só o alvoroço! Esta não vem de Roma; é do Árabe al-buruz, “sair dando gritos de alegria para receber alguém”. Vá que os gritos que ouvimos não pareçam de boas-vindas, mas são notáveis pela potência sonora.

Nossos aluninhos estão promovendo uma reverenda baderna, para a qual existe uma interessante explicação, mesmo que não totalmente dada como certa. Diz-se que, em 1851, uma dançarina italiana chamada Marieta Baderna esteve se apresentando no Rio de Janeiro,despertando considerável interesse e levantando uma legião de fãs, que foram chamados “os badernas”. Sendo eles pessoas agitadas e pouco dadas ao comportamento civilizado, a palavra encontrou um novo uso.

É impossível deduzir se há grupos ou partidos predominantes em tudo isso que vemos. Temos aqui um legítimo quiproquó,  da expressão latina quid pro quod, “quem a favor de quem?”, o que descreve uma confusão na qual não se sabe de que lado está cada pessoa.  Se alguma colega ainda não se atualizou com a reforma ortográfica, anote que o primeiro “U” é pronunciado. Esse é um caso que nos dá saudades do trema, sobre cujo desaparecimento tantos tripudiaram.

A balbúrdia que vemos vem do Latim  balbus, “gago”, já que, por ininteligível, lembra uma assembleia de gagos furibundos.

O aspecto geral do comportamento dessas desenfreadas crianças lembra a explosão de um vulcão, a queda de um asteroide em nosso planeta, enfim uma catástrofe, do Grego katastrophe, “fim súbito, virada de expectativas”, de katá-, “para baixo”, mais strophein, “virar”. Estranhamente, esta palavra  teve a sua origem no teatro, no antigo drama grego; era o momento em que os acontecimentos se voltavam contra o personagem principal, num movimento feito pelo coro inteiro no teatro.

Depois foi aplicada a coisas menos artísticas, como é o nosso caso hoje.

Isto também me lembra um pandemônio. Inventada em 1667 pelo escritor inglês John Milton, para nomear o palácio construído no meio do Inferno, “a alta capital de Satanás e todos os seus pares”, a partir do Grego pan, “todos”, mais daimon, originalmente “divindade menor”, transformada pela Igreja Católica em “entidade maléfica”.

Seu sentido mudou, lá pelo século XIX, para designar uma confusão desatinada.

Da origem de mixórdia não se tem informação suficiente, mas ela parece vir da raiz de mexer.

Um sinônimo de mixórdia pouco usado atualmente é mistifório. Sugere-se que esta derive da expressão latina mixti fori, “de foros mistos”, isto é, que determinado fato pertencia ao mesmo tempo ao foro civil e ao eclesiástico, passando a ideia de uma situação jurídica que envolvia uma mistura complexa.

E tumulto, então? Deriva do Latim tumultus, de mesmo significado, e que era inicialmente usado para qualificar o estado de guerra resultante de um ataque súbito. Tudo a ver com a presente situação.

Ocorre-me, por motivos evidentes, o substantivo rebuliço,de re-, “de novo”, mais bulício, do Latim bullitius, “agitação da água fervendo”, de bullire, “ferver, fazer bolhas”, de bulla, “bolha, objeto redondo”. Não parecem uma chaleira com água saltando, nossos queridinhos?

A perturbação que eles estão fazendo vem do L. perturbare, “trazer confusão, desordem, desarranjo”, de per-, “completamente”, mais turbare, “agitar, confundir”.

Falando nisso, agitação vem do Latim agitatio, “movimento, sacudida, agitação”, de agitare, “mover para a frente e para trás”, relacionado ao verbo agere, com o sentido de “levar, guiar”.

Viram só o que eu disse? Os demoninhos estão se cansando do gasto de energia e já estão se aquietando. Agora vão entrar num estado semicomatoso pós-combate que vai tornar nossas aulas mais calmas. Por hoje, pelo menos.

Quando precisarem em assessoria de controle de turbas enfurecidas, podem chamar aqui a Tia Odete.

 

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