Até há algumas décadas, fazia parte da educação das crianças a leitura de fábulas. Elas eram histórias curtas com personagens animais, com a idéia de fixar nas mentes infantis preceitos de moral e ética. Havia a história do Lobo e o Cordeiro, da Mãe Coruja, da Cigarra e da Formiga e muitas outras.
Ao que parece, a idéia de incutir moralidade através desse método não ajudou muito as gerações em que ela foi aplicada, pois elas não se caracterizaram por elevados padrões na idade adulta.
Mas, olhando mais de perto a palavra fábula, alguém diria que ela tem parentesco com infantaria, profeta, eufemismo…?
Não pode ser. Ou pode? Será que as palavras dão tantas voltas assim ao longo do seu desenvolvimento? Vamos ver.
Uma raiz Indo-Européia bha– significava “falar”. Daí derivaram:
AFASIA – do verbo grego phanai, “falar”, derivou phasis, “palavra”. Junto com o prefixo negativo a-, temos afasia, “incapacidade para falar”, termo usado em Neurologia e que muitas vezes gostaríamos de poder aplicar a certos faladores notórios.
Estes são praticantes da verborragia, do Latim verbum, “palavra”, com o Grego rheon, “correr, fluir, derramar”. É gente de cuja boca corre caudaloso um rio de palavras que ameça afogar quem estiver no caminho.
EUFEMISMO – em Grego, pheme também era usado para “palavra”. Se a ela antepusermos o prefixo eu-, “bom, agradável”, formamos eufemismo, de euphémein, “pronunciar palavras de bom augúrio”.
Hoje em dia o sentido é o de “palavra ou expressão mais suave usada no lugar de uma de significado chocante”. Exemplo: dizer “ele não esmaga ninguém com a sua inteligência” em vez de “ele é muito burro”.
PROFETA – prophetés em Grego queria dizer “aquele que fala pelos deuses”. Essa palavra se formou de pro-, “à frente, mais adiante”, com pheme, “palavra”. Essa era uma pessoa que falava “o que ia acontecer mais adiante”. Ou seja, anunciava o futuro.
Em Latim, a raiz que citamos deu o verbo fari, “falar”. E este literalmente deu muito o que falar, já que gerou uma prole numerosíssima:
PREFÁCIO – formada por prae-, “antes”, mais fari, esta palavra quer dizer “o que é falado antes”. É esse o papel de um prefácio, onde são expostas idéias ou fatos julgados necessários para o bom entendimento de um livro.
AFÁVEL – é o que se diz de uma pessoa cortês, acessível, agradável no trato. Pois essa palavra vem de ad-, “junto”, mais fari. Ou seja, pode-se chegar a ela e falar que a gente não vai ser repelido.
INEFÁVEL – em Latim, effabilis, formado por ex-, “fora”, mais uma forma do verbo fari, significava “aquilo que pode ser dito”. E, se algo era tão maravilhoso que nem podia ser expresso com palavras, dizia-se ineffabilis, inefável, “o que não se pode expressar com palavras”.
NEFANDO – significa o mesmo que a palavra do tópico acima mas com conotação oposta. Quando uma pessoa ou coisa é tão detestável que nos faltam palavras para a descrever, dizemos que ela é nefanda (ou nefária). Esta vem de ne-, “não”, mais uma forma de fari.
CONFESSAR – quando a gente confessa seus pecados a um sacerdote ou confessa estar atraído por alguém, está usando o particípio passado de fari mais o prefixo con-, “junto”.
Uma confissão antigamente era feita junto a uma outra pessoa. Agora, com a televisão e os jornais, nem sempre é o caso: situações íntimas podem ser passadas ao público num instante.
PROFESSOR – em Latim, profiteri era “fazer uma declaração pública, esclarecer abertamente”. Tal palavra se forma por pro-, “adiante, à frente”, mais fari. Isso descreve bem o que os professores fazem: falar à frente dos seus alunos.
INFÂNCIA – já que falamos em professores, lembramo-nos do pessoal de pouca idade. Como no início da vida nossa fala não se apresenta completa, fez-se esta palavra, formada por in-, “não”, mais fari: era o ser que “não falava”, ou “não falava corretamente”.
Na nobiliarquia da Península Ibérica, infante é o filho ou filha do rei que se segue ao herdeiro do trono. Somente este é o príncipe.
INFANTARIA – em todas as épocas, os soldados a pé sempre foram os mais sacrificados nas lides guerreiras. Fosse porque eles tinham que carregar pessoalmente as suas armas e utensílios, fosse porque estavam mais expostos, por sua menor mobilidade, às agressões inimigas, suas atividades eram particularmente arriscadas.
Cabe a ela o papel indispensável, numa campanha, de ser quem ocupa o terreno, função que nunca desaparecerá enquanto houverem guerras. Mas, dadas as dificuldades que o soldado de tal arma enfrenta, ele foi comparado à criança, ao infante, que se apresenta restrito em suas capacidades de sobrevivência.
FÁBULA – tinha, em Latim, originalmente, o sentido de “conversa”. Fabulari era “conversar”. E fabulosus era “relativo às lendas, ao que se fala”.
FAMA – era “ruído que corre, o que se fala de alguém”. Daí famosus, “famoso”, “aquele que faz falarem de dele”. Se ele dava motivos para falarem mal, ele era infamis, “infame”, “o que perdeu a reputação”, de in-, “não”, mais fama.
E difamar vem de dis-, “mau, ruim”, mais fama: era “dizer que uma pessoa tem má fama”.
FACUNDO – esta palavra é das pouco usadas atualmente. Significa “aquele que tem facilidade para se comunicar, para falar”. Vem de fari mais unda, “onda”, dando a idéia de existir em grande número e volume, como as ondas do mar.
FADO – esta canção portuguesa, de conteúdos tristemente românticos, vem de fatum, do verbo fari. Liga-se ao sentido de fado como “destino”.
FANDANGO – as fontes sugerem queo nome desta dança provenha de fadango, derivado por sua vez do fado de que falamos acima.
FANTOCHE – deriva do Italiano fantaccino, de fante, forma abreviada de infante.
Como se vê, também na rubrica “entretenimento” os frutos da raiz citada se fazem presentes.