A LANTERNA [Edição 94]

 

Eu já estava no fim da Faculdade quando fui visitar meu avô lá em seu aconchegante gabinete, cheio de livros e experiência de vida.

Encontrei-o terminando de limpar uma velha mas cromada e  charmosa lanterna a pilha.

– Fazendo um servicinho extra para se sustentar, Vô?

– Sim. Para comprar remédios que me ajudem a enfrentar certos descendentes que gastam a minha paciência  –  ele respondeu.

Sempre sabia o que dizer, o velho!

– Essa lanterna deve ter sido o máximo em tecnologia em sua época, hein?

– Lanternas elétricas são mais velhas ainda do que eu, por incrível que pareça. Quer saber algo sobre elas?

Sentei-me no banco de couro a seus pés, como fazia desde menino, enquanto ele lidava com as peças dispostas à sua frente.

– O senhor sabe que eu quero.

– Pois veja que lanterna vem do Latim lanterna, “fonte de luz com proteção contra o vento, tocha”, do Grego lampter, “tocha”, de lampein, “brilhar”.

– O que, vai me dizer que esse pessoal antigo já usava lanternas?

– Usava, mas não as elétricas, seu tolo. Uma lanterna então não passava de uma estrutura de vidro, chifre translúcido ou até papel para evitar que o vento apagasse uma vela ou lâmpada a óleo.

– Ah, me assustei. Pensei que daqui a pouco o senhor ia dizer que eles tinham lâmpadas.

– E tinham mesmo. Mas digo de novo: não as elétricas que tanto usamos agora. Elas eram na verdade depósitos de óleo com um pavio. Quando este era aceso, aquecia o óleo, que emitia vapores inflamáveis que pegavam fogo e emitiam luz. O mesmo acontece com as velas, só que elas usam um material que é sólido à temperatura ambiente.

– Pensando bem, sempre me intrigou notar como um pavio de vela dura bastante.

– Devia ter prosseguido com a indagação. A verdade é que o pavio é apenas um meio físico para o vapor subir.

– Que coisa. E a palavra lâmpada?

– Vem desse verbo lampein mesmo. Mas é interessante saber que a lanterna a pilha que iniciou nossa conversa começou quando um japonês, Yai Sakizo, inventou a pilha seca, em 1887.

– “Pilha seca”?

– Até então havia células fornecedoras de energia elétrica, mas eram todas “molhadas”, ou seja, seu funcionamento implicava no uso de conteúdo líquido. Portanto, elas derramavam material que era ácido e de efeito muito desagradável quando entornadas.

– Imagino que não existam mais.

– Nada disso, existem e são usadíssimas. Por exemplo, uma bateria de automóvel. Mas agora elas são muito bem vedadas e menos problemáticas.

Mas o fato é que uma pilha seca, que usa uma pasta de eletrólito para as reações químicas que geram energia, veio a calhar para diversos usos. Um deles foi inventado por um tal David Misell, em 1899. Ele colocou duas pilhas num tubo de cartão, com uma pequena lâmpada numa extremidade, e assim criou o antepassado deste objeto que estou tentando remontar.

Ele deu de brinde várias delas para a Polícia de Nova Iorque e assim conseguiu uma boa divulgação e encomendas.

– Deve ter sido um sucesso!

– Até agradou, mas tinha um funcionamento que não se comparava às atuais. Para iniciar, as pilhas tinham um fluxo muito inconstante de energia e precisavam repousar desligadas com frequência. E o filamento de carvão das lâmpadas não podia ficar aceso por muito tempo. Daí que os americanos muitas vezes ainda as chamam de flashlights, de flash, “repentino, súbito”, mais light, “luz”. Mas outros povos de língua inglesa as chamam de torch, “tocha”.

– Ou seja, elas emitiam luz apenas por instantes antes de terem que ser desligadas?

– Isso mesmo. Mas se tratava de equipamentos caros, que levaram certo tempo para se tornarem objetos existentes em cada casa. O aparecimento de lâmpadas pequenas com filamento de tungstênio, em 1904, e a melhora das pilhas permitiram uma ampla disseminação da lanterna.

– E de onde veio a palavra pilha?

– Do latim pila, “amontoado de objetos, pilha”.

– Ué, e o que tem a ver?

– Tem a ver que as primeiras pilhas elétricas, inventadas pelo italiano Volta, era amontoados de placas metálicas imersas em ácido.

– Hum. E elétrica?

– Vem do Grego elektron, “âmbar”. Como esta substância, quando esfregada, produz eletricidade estática bem discernível, seu nome foi aplicado aos fenômenos elétricos através do Latim científico electricus, “o que lembra o âmbar”.

Mais recentemente as lanternas apresentam lâmpadas de LED, que fazem um aproveitamento muito melhor da energia do que as incandescentes, resultando numa iluminação muito melhor.

– Conheço as iniciais, mas devo reconhecer que não sei o que querem dizer… – falei, meio encabulado.

– Sei, se fosse o nome de um roqueiro você saberia até a data de nascimento. Essa sigla vem de light-emitting diode, “díodo emissor de luz”. E não vou explicar o que é isso, vá procurar nas enciclopédias!

– Afinal, se não fossem as pilhas, não teríamos as nossa lanternas.

– Mais um engano seu. Há lanternas que podem ser carregadas na rede elétrica, através de um capacitor. E há as que podem ser carregadas através de uma alavanca, que comanda um dínamo para gerar energia. Estas foram muito usadas na Segunda Guerra Mundial.

E algumas têm a possibilidade de alterar o foco por meio de um ajuste da posição da lâmpada e do refletor, como é o caso desta. Ela me serviu quando eu era escoteiro. Agora está revisada, com pilhas novas e está na hora de ficar com alguém que lhe dê um bom uso.

Tome, é sua.

Gaguejei ao agradecer a lembrança e dei um grande e demorado abraço no velho.

 

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