Abundar [Edição 2]
Crianças, eu vi muito bem que vocês ficaram dando risadinhas quando eu falei que nesta sala abundam os inquietos. Acharam que eu tinha dito alguma coisa meio indecente, não é? Não é nada disso, não. Se vocês prestarem atenção, a Tia Odete vai explicar umas coisas interessantes.
Em Latim havia uma expressão, ab unda – parem com as risadinhas, já disse! – que queria dizer “como as ondas”, ou seja, “em grande quantidade”.
Daí se originaram várias palavras de uso atual, muitas delas da linguagem culta como, por exemplo, floribundas – parem de rir!! – que é um tipo de rosa que dá muitas flores; meditabundo, que é um sujeito imerso em pensamentos; abundar, que significa “existir em grande quantidade”, tal como pensamentos indecentes em cabecinhas sujas.
O significado que vocês, maliciosos, logo imaginaram quando falei em abundar nada tem a ver com isto de que estou falando. A palavra em que vocês pensaram vem de um dialeto angolano, vindo para o Brasil com os escravos, e era originariamente mbunda. O m inicial caiu, pois formava um som que não usamos em Português, e por isso certas pessoinhas andam agora fazendo confusão dentro de seus craniozinhos ocos.
Não sei porquê, mas olhando certas caras safadas dentre vocês, acaba de me ocorrer uma palavra que rima com essa que citamos: tunda.
Ela vem do Latim tundere, “bater, surrar a pau”, coisa que infelizmente agora é proibida nas escolas. Mas houve época em que os pais mandavam os filhos de preferência para as escolas onde mais se usasse a palmatória.
Hein? Nunca ouviram falar? Se soubessem o que era, talvez se tivesse um pouco mais de paz nesta sala. Bom, para resumir, palmatória era uma raquete de “squash” pequena, só que a bola para ela era a palma das mãos dos alunos mal-comportados. Ai, que saudade!
Falando nisso, proibir vem do Latim prohibere, “afastar, impedir, manter longe”, o que dá vontade de fazer com certos aluninhos muitas vezes.
No entanto, o máximo que se pode fazer hoje em dia é tirar o recreio de algum aluno.
Já que falamos nisso, recreio vem do Latim recreare, que significava “criar novamente”, referindo-se ao alento, às forças, à disposição de uma pessoa. Uma atividade de recreação serve para isso. Nas escolas, é um período determinado para descanso de alunos e professores, principalmente para estes poderem respirar um pouco depois de lidar com alunos que não sabem ou não querem se comportar direito.
Uma coisa que se faz no recreio é comer a merenda. Agora os aluninhos vão ao bar e compram comidinhas, mas quando eu era pequena a gente trazia de casa um sanduíche bem farto.
Pois merenda vem sem alterações do Latim merenda, “coisas que são merecidas, ganhos”, do verbo merere, “merecer, ser digno de, cobrar, ganhar, ter lucro”.Todo aluninho tem que estudar bastante para fazer jus à sua merenda, ouviram?
Dessa palavra merere vieram muitas outras, como merecimento, “aquilo que alguém tem para ser digno de louvor”. Meretriz é outra derivada: designa uma moça que presta determinados serviços e que vem de merere pela conotação de “lucrar”.
Hein? Não, merengue não é um doce inventado para recompensar quem fez por merecer, não. Esta palavra vem do Francês meringue e não tem nada que ver com o assunto. Não me distraiam!
Outras palavras que vêm daí são mercado, mercatus em Latim. Este era o lugar onde eram feitas as vendas e, portanto, onde surgiam os lucros.
Os derivados desta última são inúmeros e têm muito uso: mercador, mercadoria, mercantil, mercantilismo, mercenário. Este último é o soldado que presta seus serviços pela paga e não por patriotismo ou obrigação.
Há também palavras que vocês dificilmente vão encontrar em publicações leigas, como mercadejar, mercadejável, mercanciar, mercar.
A palavra comércio e seus derivados também vêm daí: co, “junto”, e merx, “mercadoria”. Isso gerou um mundo: comercial, comerciante, comercializar, comercialização…
E quando eu digo vocês, também estamos lidando com um derivado de merere. Vejam: daí veio mercê, que quer dizer “recompensa, benefício, presente, dignidade”. A antiga expressão Vossa mercê, “Vossa Dignidade”, foi encurtada para Vosmecê e depois para Você.
E há lugares e ocasiões onde se diz apenas Cê. Estou aguardando o dia em que se diga apenas Ê. Depois disso vai ser difícil encurtar mais. É tudo obra de gente preguiçosa, que não quer ouvir o que os professores dizem com tanto sacrifício.
Quando vocês forem à mercearia da esquina comprar pão e frios, lembrem-se de que vocês estão indo a um lugar cujo nome está ligado aos antigos romanos vendendo os seus produtos num mercado. Toda criança que se ajuda em casa merece elogios. E as que se comportam na aulinha também.