Alfabeto III [Edição 50]
Desta vez a Tia Odete aqui se lembra em que letra paramos em nosso estudo da origem do alfabeto. Foi o “K”, portanto agora é o “L”.
Vamos nos sentar em círculo e prestar atenção. Não, não adianta acordar o Soneca, deixem-no roncar. Val, pare de falar um pouco. Joãozinho, eu já disse várias vezes que você não pode se sentar entre as meninas, por motivos que eu sei muito bem.
Não vou contar para vocês que o “L” tem um som alveolar, fricativo, lateral, sonoro, porque é complicado demais. Apenas cabe dizer que há pouco a falar, pois esta é uma letrinha muito bem-comportada que não apresenta grandes variações na pronúncia.
Isso em Português e Espanhol, pelo menos. Em Inglês, o que eles engolem esse som não está no mapa. Por exemplo, nas palavras castle, “castelo”, muscle, “músculo”, walk, “caminhar”, talk, “falar”, o “L” absolutamente não soa; entra na palavra mudo e sai afônico.
Curiosamente, esta letra tem a fama de evocar a idéia de líquido, de liso (e vejam que estas duas palavras começam por ela).
Platão dizia que ela deu, devido ao seu som, o nome às coisas lisas, começando pelo verbo “deslizar”, olisthánein em Grego.
Sua origem gráfica é o lamed fenício, “cajado”, representando o aguilhão com que se controlava o gado. Na época do Brasil Colônia, havia portugueses que debochavam dizendo que os brasileiros confundiam o “L” e o “R” (“pobrema”, por exemplo) e explicavam esse fato afirmando que isso era compreensível, em se tratando de um povo bárbaro, “sem lei nem rei”.
E depois dessa vem o “M”. Ela deriva do men fenício, que queria dizer “água” – e que, aliás, lembra mesmo umas ondinhas numa superfície de líquido. Inclusive, em alguns textos latinos arcaicos chegou a ter quatro ou cinco perninhas.
Não, Valzinha, ninguém aqui quer saber o que o filho de sua prima faz com as perninhas dos insetos que pega, esqueça, não nos interessa.
Em vez de lembrar isso, aprenda que houve um gramático latino, Quintiliano, que chamava essa letra de littera mugiens, “a letra que muge”, dada a semelhança do seu som com a voz da senhora esposa do touro. É um som muito fácil de emitir, daí ser um dos primeiros que começamos a dizer em nossa infância – exceto no caso da Valzinha ali, que com três meses já usava todas as letras para contar causos. É por isso que a palavra usada para dizer “mãe” é tão parecida na maioria dos idiomas, desde o Sânscrito ma.
Já a “N” trabalha dobrado; tem uma curiosa vocação para as matemáticas. Ali ela é usada, desde o século XIV, para designar um número qualquer, justamente por ser a inicial de “número”, palavra que vem do Latim numerus, “quantidade, número”, do Indo-Europeu nem-, “distribuir, dividir, atribuir a cada um”.
Em Fenício ela se chamava nun, mas há certa confusão quanto ao seu significado inicial. Uns dizem que era um peixe, outros uma cobra, outros que se trata apenas de uma alteração da agüinha que gerou o “M”.
Felizmente para os nossos aluninhos, que já acham tudo tão difícil, em nosso idioma não existe a freqüente duplicação do “N” que há no Francês e no Inglês, em palavras como anniversaire, biennal, innocent, runner.
A seguinte letrinha tem uma característica especial: é a única cuja forma é representada pelos lábios na sua emissão.
Pronto, eu sabia: toda a aula está fazendo bocas redondas para testar.
Parem com isso e prestem atenção: este som se liga muito à expressão de surpresa, de admiração. Na maioria dos idiomas europeus, essas interjeições levam essa letra: oh!
No que se trata da forma, ela vem do Fenício ayin, “olho”. Em certas épocas, até levava um ponto no meio para lembrar mais um olhinho.
Não, Aninha, ela nada tem a ver em suas origens com o zero. Este tem essa forma porque representava um vazio. Como este não se pode desenhar, desenha-se a delimitação de um espaço ao redor de nada. Entre os ingleses, quando se vão dizer os algarismos de um número, muitas vezes, para encurtar, eles dizem “O” em vez de “zero“.
Agora vem o “P”, que para os fenícios se chamava pe e representava uma boca. Os gregos a chamaram de pi e, com tal nome, ela também seria muitíssimo usada em Matemática. Esse numerozinho que não tem um fim conhecido tem uma imensa utilidade, que um dia vocês ainda vão aprender, se não tiverem ido parar na cadeia antes.
É interessante saber que, entre os árabes, não há qualquer distinção entre o som de “P” e o de “B”, o que torna para eles extremamente difícil aprender a nossa pronúncia.
Falando em pronúncia, é comum as pessoas lerem óptica sem pronunciarem o “P”. Ora, essa palavra deriva do Grego optikos, “relativo ao que se pode ver”, de ops, “olho”.
Por outro lado, a palavra ótico quer dizer “referente ao ouvido”, do Grego otós, “ouvido”. Logo, devemos pronunciar aquele “P” bem direitinho se quisermos nos comunicar com correção.
Dizem que a próxima letra, o “Q”, é um “O” abanando o rabo. Gracinhas à parte, essa letra vem do Fenício, que simplificou um signo egípcio que significava “macaco”. O tracinho da letra provavelmente é um remanescente do rabo do bichinho.
Ela foi combatida por vários gramáticos latinos, pois por longo tempo a sua função era preenchida pela letra “C”.
Mas hoje, sempre seguida por um “U” em nosso idioma, ela obteve uma estabilidade que já não se discute. O mesmo não se pode dizer de uma pobre professora quando os seus ingratos aluninhos começam a atirar bolas de papel uns nos outros e a pular em cima das mesas. Peguem suas coisas e caiam fora já!