ALGUNS SOLDADOS [Edição 93]
No gabinete de meu avô, certo dia eu estava admirando a espada que ele usara quando estava no Exército presa à parede.
– Cadê o resto da armadura, que o senhor usava na Idade Média, Vô? Vendeu?
– Vendi. Vendi para comprar uma cadeira elétrica para torrar parentes chatos.
Fiz-me de desentendido.
– Sei que o senhor pertenceu à Cavalaria. Infantaria, blindados… quantos tipos de soldados existem, afinal?
– Muitos, meu caro. E como acho que aqui há assunto para Etimologia…
– Vamos lá! – eu disse, sentando-me à sua frente.
– Como até você sabe que Cavalaria vem de cavalo, que foi o transporte e modo de batalhar usado por muito tempo, apenas vou dizer que o nome do animal veio do Latim caballus.
O soldado da infantaria, pelas grandes dificuldades que enfrentava em campanha, era comparado pelos romanos a uma criança desamparada, que nem falava ainda: in-, “não”, mais fari, falar”.
Já a turma da artilharia vem do Francês artillerie, inicialmente “depósito de armas e munições, conjunto de armas”. Esta palavra derivou de atirier, “armar, ordenar, arrumar”, que vinha do Latim teri, ”o que está arrumado, ordenado”.
Mas há tipos especiais de militares, alguns dos quais não estão mais em uso, creio eu. Por exemplo, os zuavos.
– Que é isso, militares que fazem zoeira com açúcar mascavo? Nunca ouvi falar.
– São da Infantaria Ligeira, isto é, levemente armada mas com possibilidade de deslocamento rápido.
O Brasil teve um corpo de zuavos durante a Guerra do Paraguai; os Estados Unidos também, em sua Guerra de Secessão. Na França, eles fizeram parte do Exército até 1962.
Aqui e em outros países os zuavos se destacavam pelo uso de uniformes com coletes abertos e calças muito largas, tipo bombachas. Seu nome vem da tribo algeriana dos Zouaua, que se destacaram na guerra colonial francesa.
Inicialmente foi criado um batalhão deles, em 1831, e depois acabaram formando um grupo só de franceses, visto como um corpo de elite. Os outros países os copiaram porque gostaram do uniforme exótico, ao que parece.
E, falando em corpos de muita fama, existem os dragões.
– Já ouvi falar. Eles cuspiam fogo das bocas, é?
– Quase. Eles eram da cavalaria pesada e usaram até bem tarde uma peça de armadura metálica para proteger o tórax. Podia ser pesada e quente, mas que dava uma boa pinta num desfile, dava.
O nome deles vem do Latim draco, o animal mítico bem conhecido.
Consta que isso é porque eles usavam uma carabina, que é uma arma com o cano mais curto que o fuzil, para poderem manobrar melhor sobre o cavalo; primitivamente ela lançava uma grande quantidade de fogo pela boca. Mas há alguns estraga-prazeres que dizem que era apenas porque o cão da arma tinha um formato de dragão.
O Brasil tem os Dragões da Independência como corpo de guarda da Presidência. Eles sempre são fotografados em cerimônias oficiais na Capital.
– São aqueles dos uniformes brancos, com lanças?
– Esses mesmo. Isso me lembra que, em se tratando de soldados a cavalo, há um tipo que se chama hussardo.
– Outro de que nunca ouvi falar, Vô.
– Claro, em vez de se informar de assuntos importantes, fica jogando essas coisas eletrônicas. Essa palavra tem origens discutidas. Parece que veio do Húngaro huszar, que viria de husz, “vinte”, já que para cada vinte servos que tinha, um senhor devia manter um soldado montado e equipado a serviço da autoridade central. Mas há quem diga que veio do Sérvio-Croata gussar, “ladrão de estrada”. Seja como for, eles não tinham boa fama, não.
Seus uniformes eram muito bonitos, acho que antes de morrer ainda vou mandar fazer um para mim. Atualmente eles foram transformados em unidades blindadas, mas retiveram o nome em diversos países, como Reino Unido, França, Holanda e outros.
– O Brasil teve?
– Não, nem ele nem Portugal oficializaram essa denominação.
– Mas marines o Brasil não teve, né?
– Você pensa que está sendo engraçado, mas a verdade é que o Brasil tem, sim, há muito tempo, desde 1808. Só que não se chamam marines, que é palavra inglesa, e sim fuzileiros navais. O nome é diferente, mas a função é a mesma: eles são transportados por navios para enfrentar a luta armada em outras paragens. Ou no próprio país, pois no Brasil eles se dedicam a operações ribeirinhas.
– E por que os marinheiros do navio não fazem isso?
– Porque eles já têm bastante trabalho cuidando das embarcações, seu desligado.
– E eles só usam fuzis, daí o nome?
– No início era a sua arma básica. Mas naturalmente eles utilizam qualquer arma que couber.
Depois deles me ocorrem os granadeiros. No século dezessete, alguns exércitos europeus começaram a preparar soldados que atiravam granadas manualmente. Para isso, escolheram os mais fortes. Dali a algum tempo, o lançamento de granadas passou a ser menos usado, mas foi mantida a tradição de corpos formados por soldados grandes e que faziam efeito vistoso nas paradas.
Para não serem atrapalhados no lançamento pelas bordas dos chapéus que os fuzileiros usavam, os deles eram sem abas, mas mais altos que os outros. Isso lhes conferia mais imponência e, esperava-se, assustava mais o inimigo.
– Eles ainda continuam usando só essa arma?
– Não, há muito tempo eles usam as normais. Alguns corpos ainda mantêm o nome, mas apenas por motivos históricos. Falando nisso, granada vem do Latim granatus, “feito de grãos”, de granum, “grão”.
– Eles atiravam espigas de trigo ou de milho, era por isso?
– Era porque o recipiente com explosivo se partia e atirava pedaços para todos os lados, seu espertinho.
E agora vamos parar de falar porque fiquei com sede. Vá buscar água gelada para a gente.