BARALHO [Edição 85]

Palavras: baralho , curinga , jack , maço , naipe , valete

 

Mais uma noite, mais um pouco de dinheiro para o impertérrito (significado: destemido, impávido, sem medo  –  adjetivos que sentam bem com nosso personagem. Pelo menos ele acha.) detetive das palavras, que ganha a vida explicando-lhes as origens.

E antes que possamos descrever o escritório poeirento e anacrônico em que ele se encontra, batem à porta.

Ele manda entrar e por ali entra o grupo que tinha marcado hora para esta noite: baralho e companhia.

Depois que as palavras se acomodaram, o valoroso profissional lhes lança um olhar  penetrante e escolhe uma delas para começar o seu trabalho:

– Boa noite, baralho. Você é o nome do conjunto de cartas de jogar, de modo que vou começar contando que há controvérsias sobre a sua origem; aceita-se que venha de baralhar, “misturar, desarrumar, tirar de ordem”, que viria do Provençal varalia, “entrelaçamento, mistura de ramos”, do Latim vara, “ramo fino, vara”.

A palavra fez cara de importante.

– Já que falamos em cartas, há que explicar que esta palavra veio do Latim charta, “folha para escrita, tablete”, do Grego khartes, “folha de papiro”, provavelmente de origem egípcia. Aplicou-se aos retângulos usados para jogar devido ao material de que eram feitos.

Prosseguiu o detetive:

– Encontra-se ao seu lado naipe, que também tem origem meio perdida nos tempos, mas que se liga ao Catalão naib, quando era usado para designar um jogo de cartas. Eu sei o que você vai dizer: que se pensa que sua origem seja o Árabe, mas parece que, apesar dos pensamentos em contrário, os jogos de cartas apareceram primeiro na Europa. O pessoal do Oriente as usava, mas basicamente para fazer adivinhações.

E, ao falar em naipe, ocorrem-nos os grupos que compõem um baralho. Ali, reluzindo, vemos ouros. Os jogos de cartas apresentavam um simbolismo com as forças sociais; no caso, este naipe se refere ao comerciantes e à burguesia em geral.

E seu nome vem do Latim aurum, “ouro”.

Houve um arrastar de pés inquietos no grupo.

– Calma, eu sei o que vocês pensam: o que é que um losango vermelho tem a ver com ouro? Em baralhos espanhóis, por exemplo, usa-se mesmo uma moeda de ouro para este símbolo. Mas nos países de idioma português, inglês e francês,  usa-se mais a simbologia das cartas francesas, onde foi escolhido este sinal.

Para lhes dar um exemplo, em alemão os naipes são Herz, “coração”, Eichel,
“bolotas”, Laub, “folhas” e Schellen, “sinos”.

Outro naipe é copas, do Latim cubba, “taça, vasilha”. Representava o clero.

Ali se encontra, olhando-nos com sua extremidade aguçada, espadas, que vem do Grego spathé, “peça achatada de madeira usada pelos tecelões, pá do remo”. Já se vê que seu nome era inicialmente ligado a ferramentas mais construtivas. Mas acabou designando a nobreza, antigamente ligada aos aspectos bélicos de um país.

Falta-nos agora ver paus, do Latim palus, “poste, moirão, pedaço de madeira”, e que representava os camponeses.

Aqui na frente, fazendo-nos caretas sem parar, se encontra curinga. Aparentemente sua origem é o Quimbundo kuringa, “matar”. Isso porque ela pode ter a função de sobrepujar o valor de outras cartas, conforme o jogo.

Curinga, já de si com uma personalidade chocarreira, fez uma careta ameaçadora para as demais.

– As cartas podem ter um número ou uma letra; estas são as cartas com figura.

Aqui à minha frente está o valete, do Francês valet, “jovem que serve a um senhor”, do Latim vassus, “servo, servidor”.

Está certo, está certo, já notei a agitação de vocês. A letra “J” que aparece na carta é uma consequência do Inglês jack. E este é um nome comum, meio tipo “fulano” ou “Zé” (desculpem-me os Josés!) que se usa no idioma inglês desde pelo menos o século XV. Deriva do Holandês Jankin, um diminutivo de “João”.

A próxima carta em valor é a rainha, do Latim regina, “rainha”. Sua letra é o “Q” de queen, do Inglês antigo cwen, que tanto podia ser usado para “mulher” como para “rainha”.

A palavra empinou um nariz aristocrático e se abanou com um leque de seda.

– Segue-se o rei. Tal palavra vem do Latim rex, “rei”, derivada do Indo-Europeu reg-, “mover-se em linha reta”, daí “dirigir, guiar, comandar”. A letra que porta é o “K” de king, do Inglês antigo ciny, “rei, chefe”.

Antes de terminarmos, devo lembrar que um conjunto de cartas pode se chamar também de maço, que veio do Latim matea, de mateola, “pedaço de pau, cabo de instrumento”. Imagino que a semelhança seja pelo aspecto agrupado e aparentemente sólido que um maço de cartas apresenta.

O maço vem dentro de uma caixa, palavra esta que veio do Italiano cassa, do Latim capsa, que era o nome dado às caixas cilíndricas onde os cidadãos de Roma guardavam os seus livros.  Sim, refiro-me aos livros enrolados da época.

Para não esquecermos o que se costuma fazer com cartas, informo que a palavra jogo vem do Latim jocus, “pilhéria, gracejo, zombaria”. O que eles usavam para designar o que agora conhecemos como jogo era ludus, mas esta foi dominada pela outra.

Agora, caras clientes, resta-me desejar-lhes uma boa noite e dizer que se cuidem com as companhias em que vocês andam. Até mais ver.

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