CHEFES DE ESTADO [Edição 87]
Hoje o detetive das palavras, X-8, está recebendo mais um grupo de clientes. Mas o que é isso em seu escritório decorado à moda Anos Cinqüenta Degenerados? Diversas palavras-clientes se espalham pelos bancos toscos, mas cada qual ostenta uma dignidade e um brilho dignos de nota.
Veem-se ali medalhas, comendas, fitas, galões, franjas, borlas, correntes de todas as cores e todos os metais. O tilintar de metal contra metal e de seda revoluteando é ensurdecedor.
Para entender o mistério, apressemo-nos para ouvir a introdução do célebre pesquisador, que como sempre está envolto em sua gabardine folgada, chapéu desabado e mistério proposital:
– É subida honra receber em meu humilde escritório palavras que representam Chefes de Estado em geral, atrás de suas origens. Alguém se esqueceu de entregar o pagamento adiantado? Não? Então vamos lá, aleatoriamente.
Vejo aqui Sua Excelência o Presidente. Esta palavra, caro público, vem do Latim praesidere, “chefiar, agir como líder, superintender”, literalmente “sentar-se à frente de”, formado por prae-, “à frente”, mais sedere, “sentar-se”. Quem preside uma organização ou um estado se senta à sua frente, pelo menos metaforicamente, para avaliar os problemas que surgem. E que não são poucos.
Presidente, usando uma faixa colorida, assentiu com gravidade.
O destemido detetive se voltou para outra cliente:
– Vejamos a origem de rei, que está sentado, quieto e curto, como que desprezando a sua importância. Saiba Vossa Majestade que deriva do Latim rex, “rei”, que veio do Indo-Europeu reg-, “mover-se em linha reta”, daí “dirigir, guiar, comandar”. Historicamente sabemos que muitos reis não seguiram a linha reta em suas vidas, mas isso é outro departamento.
E ali temos outra majestade, o imperador. Esta palavra vem do Latim imperator, “chefe, comandante”, um título inicialmente dado a um general romano vitorioso, do verbo imperare, “comandar”, formado por im-, “em”, mais parare, “ordenar, preparar”.
Ali atrás está um trio de parentes próximos: César, Kaiser e Czar. Estes dois últimos são títulos imperiais, o primeiro da Áustria-Hungria e Alemanha e o segundo da Rússia. Ambos derivam de Caius Julius Caesar, o imperador romano cujo nome passou a significar “imperador”. E esse nome vem de caesaries, “cabeleira”, pois o iniciador de sua linhagem teria nascido com um revestimento completo de cabelo. O que não deixava de ser irônico, pois César era careca. E não gostava nada disso.
Epa, vejo uma certa agitação ali. Acalme-se, príncipe, sua vez chegou. Você deriva do Latim princeps, “o primeiro, o que vai à frente”, de primus mais a raiz de capere, “tomar, pegar”. Era “o que ia à frente” nas campanhas militares. Pelo menos era essa a ideia geral, que nem todos sentiam prazer em serem alvos de flechas e tiros.
Colho a ocasião para dizer que o uso atual de príncipe se refere aos filhos do rei. Aliás, na Península Ibérica, o título cabe unicamente ao filho que vai herdar a coroa, os outros são chamados infantes. Mas notem bem, príncipe não era necessariamente ligado ao parentesco real, foi por muito tempo um nome dado a pessoas de especial importância política.
Agora podemos falar de régulo, atualmente uma palavra pouco conhecida. Ela pode se referir a um rei ainda criança, mas é mais usada para falar em um rei de Estado de tamanho e importância diminutas; foi mais usado para designar chefes tribais na África. Deriva do Latim regulus, diminutivo de rex.
E ainda na África existe o título soba, chefe de povo ou pequeno Estado, do Quimbundo soba, “chefe, líder, governante”.
Sem falar que, na Etiópia, o título de imperador era conhecido como negus, do Amárico negus, “rei”.
Deixando de lado os países leigos, saudamos Sua Santidade a palavra Papa. Nos inícios da Igreja Católica ela se aplicava a todos os bispos; depois passou a designar somente o bispo de Roma. Veio do Grego papas, “bispo, sacerdote”, uma variante de pappas, “pai”.
Ao lado dele se encontra, com seu bonito traje de penas, cacique. Esta vem do Espanhol, que a tirou do Taino cacique, “chefe”.
Indo para terras mais distantes, citamos nossa visitante rajá, que vem do Sânscrito rajan, “chefe, soberano” e é parente, vejam só, do rex latino.
Com ela se encontra sua amiga marajá, “grande rei”, formada por maha, “grande”, mais rajan.
Pela região do Oriente Médio, recebemos hoje sultão, do Árabe sultan, “soberano”.
E antes que me esqueça, soberano vem do Latim superanus, “chefe, comandante”, derivado de super, “acima”. Ele era o que “ficava acima” dos outros. Até que lhe cortassem a cabeça num golpe palaciano, claro.
Vejam ali o belo turbante de vizir, do Turco vezir, do Árabe wazir, “carregador”, de wazara, “levar um peso”. Eles viam essa tarefa como algo cansativo, ao contrário dos políticos de um certo país que se divertem cada vez mais com os seus cargos.
E o emir? Ele era o comandante ou chefe de Estado em alguns países islâmicos, do Árabe amir, “comandante”.
Em paises de língua espanhola se reserva o título de caudilho para um chefe de Estado, especialmente no caso de um ditador militar. Originou-se do Latim capitellum, diminutivo de caput, “cabeça”.
E, cheio de estrelas nos ombros, ali se encontra generalíssimo, usado para o comandante supremo de forças armadas, especialmente se além disso ele detém poder político. Deriva do Italiano generalissimo, aumentativo de generale, “general”.
Creio ter com isso revisado as origens de tantas palavras ilustres e agradeço a distinção que me foi feita com sua visita.
Desejo-lhes uma boa noite e, por favor, não reparem na sujeira dos corredores do edifício. Não vão escorregar no lixo, que alguém pode se espetar em alguma medalha afiada. Uma boa noite para todas.