CHEFES DE ESTADO [Edição 102]
– Vô, acho que estou cansado de ver citarem presidentes, primeiros-ministros, e coisas assim. São muito poucas as escolhas.
– Você se refere às palavras usadas para os cargos mais importantes de uma nação? Ora, rapazinho, tantos outros… Por exemplo, rei, cacique, imperador, czar, rajá, príncipe…
– Pois é, prezado antepassado, mas a coisa não vai muito além. Eu gostaria de novidades no assunto.
– Parece-me é que você está com muito tempo livre nas mãos. Se estudasse mais, não se gastaria com isso.
– O senhor já disse que devanear traz criatividade.
– Verdade, penso assim. Eu estava apenas aproveitando para mangar de você.
Mas, ilustre descendente, devo dizer que há muitos títulos importantes que a maioria desconhece. Especialmente os pouco preparados que nem você.
– Pois então me conte sobre isso. Vou até me sentar aqui no banquinho para aguentá-lo.
– Vou permitir que o meu cérebro privilegiado comece a catar conhecimentos para espantá-lo. Ah, eis aqui.
Vamos começar por amir ou emir. É o título de líderes ou chefes militares em vários países de língua Árabe.
– Eu tive um coleguinha com esse nome há anos.
– É muito usado como nome próprio. Tem origem semítica e quer dizer “príncipe”, ou “aquele que dá ordens”. Não admira que seja bastante comum.
Outro que me ocorre é cã.
– Não venha me dizer que é o feminino de “coa”, Vô!
– Fique quieto. Essa não teve graça. Esta palavra se usou para os imperadores mongóis. Geralmente se apresenta na forma inglesa, Khan.
– Ei, tem a ver com o Gengis Khan?
– Milagre, Senhor, iluminaste as trevas mentais deste rapaz! – disse o velho, revirando os olhos para o céu.
– Eu também sei algo de História, Vô, embora não pareça.
– Muito bem, esse cavalheiro foi um de vários Khan que existiram e esta é uma palavra mongol para “soberano”, “chefe militar”.
– Mas esse título não se usa mais, não?
– Fique sabendo que este ainda está em uso na Ásia, Turquia e até no leste da Europa.
– Que coisa… Continue!
– Agora vou trazer à tona um título extinto: Pendragon.
– Esse eu também conheço, das histórias do Rei Artur!
– Está me saindo culto este rapaz. Um espanto. Muito bem, fique sabendo que esse era o título de diversos reis da Inglaterra e deriva do Galês Pen Draig, de pen, “cabeça”, mais draig, “dragão”.
– Legal, “cabeça de dragão”!
– Não, está mais para “dragão-chefe”. Acabou sendo confundido com um sobrenome e aplicado à família do rei Artur.
Indo mais para leste, também podemos lembrar os sátrapas. Estes eram os governadores de províncias em impérios remanescentes do Império Persa. A palavra vem do Grego satrapes, do Persa antigo xsaçapavan, “protetor da província”, onde a primeira metade da palavra queria dizer “reino ou província” e a outra, “aquele que protege, que defende”.
Em nosso idioma e em outros, hoje, essa palavra ostenta conotação pejorativa. Usa-se de pessoa que se apóia em alguém de maior poder para ter comportamento arbitrário e servil.
Indo mais longe ainda, encontramos o xógum, que era o nome de chefes militares no Japão em determinado período. Deriva do Mandarim chiang chun, “general”, uma expressão que queria dizer “chefiar o exército”.
Chegou a vez de falar sobre Sultão, “soberano de um país muçulmano”. Veio do Árabe sultan, “rei, soberano, poder”, do Aramaico shultana, “poder”.
O que me faz pensar em califa, nome que se usou para líderes de Bagdá até há muitos séculos e que teve seu papel no Império Turco também. Vem do Latim calipha, do Árabe khalifa, “sucessor” – no caso, de Maomé – de khalafa, “suceder”.
Podemos também lembrar o título do supremo magistrado das Repúblicas de Veneza e Gênova no século XVI, o Doge.
– O dono da marca de automóveis?
– Aquela marca é Dodge, e você sabe muito bem, não seja tolo. O título derivou do Latim dux, “líder”, do verbo ducere, “guiar”, chefiar”, que originou o nosso duque.
Originou também o título de Duce, assumido por Benito Mussolini como líder da Itália fascista.
– Puxa, eu não pensava que havia tantos títulos.
– Estes são apenas amostra. Temos também o Xá, que…
– Já sei, foi quem inventou a famosa bebida…
– Nem mais um pio, ou expulso você daqui. Como eu ia dizendo, esta vem o Persa Shah, “rei, soberano”, uma alteração de xsayathiya, “rei”, do Indo-Iraniano ksayati, “ele tem poder sobre, ele comanda”.
– Vô, o senhor sabe um bocado!
– Eu não era assim quando nasci, meu caro. Aprendi através do estudo.
– Está quase me convencendo. Mas conte algo mais.
– Uma palavra que aparece na Bíblia e que deixa muitos intrigados é Tetrarca. Ela se refere ao soberano de uma quarta parte de província ou país na antiga administração romana. Vem do Grego tetra, mais arkhos, “líder”.
E por hoje basta, que essas cabecinhas modernas não têm muita capacidade e não quero ser acusado de rompimento de crânios adolescentes.