CHEIROS [Edição 108]

 

Hoje o Detetive das palavras, X-8, está plenamente preparado para receber o grupo de clientes marcado para este horário.

Ele porta uma máscara contra gases daquelas que a gente vê nos filmes da Primeira Guerra Mundial.

Deu um trabalhão para colocá-la entre o chapéu e a gola levantada da gabardine. Ele ficou meio parecido com um extraterrestre de filmes ruins da década de 1950, mas sabe que a prevenção é muito importante.

De repente, ele ouve uma gritaria de gentes e palavras se afastando do Edifício Éden, onde ele tem seu endereço profissional. Raciocina que devem ser suas clientes chegando em grupo para serem informadas de suas etimologias.

Realmente, são elas: palavras referentes a cheiros. E algumas são tão tremendas que só uma pessoa adequadamente preparada, como ele, pode ficar por perto.

Elas entram no escritório detetivesco, acomodam-se nos bancos à frente do profissional e aguardam, ansiosas para saberem de onde vieram.

Ele começa a falar apressado, temeroso de que o duplo filtro químico de sua máscara seja vencido pelos eflúvios presentes antes que ele termine a sessão:

– Boas noites, prezadas clientes, e desde já passo a contar a origem de cheiro, que parece liderá-las hoje. Você vem, com significativa mudança de som, do Latim fragrare, “emitir um forte odor”, do Indo-Europeu bhrag-, “cheirar”.

Como qualquer um pode ver, fragrância tem a mesma origem, mantendo semelhança maior com sua venerável avó.

E ali, fazendo de tudo para se fazer notar, vemos fedor, que vem do Latim foetere, “feder, ter mau cheiro”, possivelmente relacionada a fumus, “fumo”.

E informo a fedelho lá no fundo, agitando-se tanto, que ela está no grupo errado. Todos pensam que ela deriva de fedor, mas vem é do Latim feticulus, “criança nova”, de fetus, “feto”. Parece que as crianças em Roma não se destacavam muito pela higiene.

fétido, sim, vem de fedor. E fedença e fedentina também, obviamente.

E odor vem direto, sem alterações fora a acentuação, do Latim odor, “cheiro, fragrância”, seja bom ou mau.

Quando algo cheira muito mal, dizemos que é nauseabundo. Esta vem do Latim nausea, do Grego nausia, de naos, “barco, navio”, mais a expressão latina ab unda, “como as ondas”, ou seja, em grande quantidade.

E náusea descreve o enjoo que muitas vezes a gente sente quando está a bordo de um veículo que anda sobre as águas, devido às sacudidas. Ou quando se depara com algo que cheira muito mal, a ponto de dar enjoo.

Isso nos leva a pensar ali em hediondo, que vem de foetibundus, “aquilo que cheira mal”, de foetor, “fedor”, mais o ab unda que acabamos de citar. Um crime hediondo é um crime que causa repulsa, indignação como se cheirasse muito mal.

Falaremos agora de hircino, “relativo ao bode, malcheiroso”, de pouco uso nestes tempos de vocabulário cada vez mais reduzido. Vem do Latim hircus, “bode”, possivelmente tendo relação com hirsutus, “peludo”.

Interessante é notar que os romanos usavam a palavra hirquitallus, também derivada de hircus, para “rapaz na adolescência”. Parece que os jovens também não gostavam muito de ir aos banhos na época.

Posso dizer também que bafio, usado para descrever um cheiro a mofado, a úmido, vem de bafo, talvez do Latim baffa, de origem imitativa.

E que fartum ou fortum derivam de forte, do Latim fortis, “forte, intenso, firme”, qualidade que não é das melhores para um cheiro.

Bodum tem uma relação de significado com hircino: deriva de bode, animal geralmente mal-afamado em termos olfativos. E bode vem do Germânico bock, “macho da cabra”.

Finalmente chegamos a catinga, que se supões ter uma origem meio estranha. Ela viria de caatinga, do Tupi kaa’tinga, de ka’a, “mato”, mais tinga, “claro”.

O trabalho de limpar o mato faria as pessoas suarem e apresentarem cheiro forte, donda a associação. Mas há controvérsias sobre esta origem, que parece um tanto forçada.

E para morrinha, que designa uma doença do gado além de um cheiro desagradável não há origem definida com precisão.

E miasma então? Vem do Grego míasma, “nódoa, mancha”, do verbo miaíno, “manchar, sujar, emporcalhar”. Por muito tempo essa palavra designou uma imaginária exalação de certas matérias que era capaz de gerar doenças de vários tipos.

Falando em exalação, aqui temos eflúvio, do Latim effluens, “aquele que flui”, de effluere, “fluir, deslizar como um líquido”, formado por ex-, “para fora”, mais fluere, “fluir”.

Aparentemente, inhaca vem do Tupi yakwa, “o que tem cheiro”.

Bem, caríssimas palavras-clientes, acho que já atendi a todas em seu natural e saudável desejo de conhecer suas origens.

Agora devo me desculpar por apressar a sua saída porque estão me esperando na capital de nosso país para resolver uma questão etimológica internacional que daria muito que falar se chegasse aos ouvidos da imprensa mundial.

Há um avião no aeroporto neste momento aquecendo as turbinas e esperando unicamente pela minha pessoa. Agradeço a sua presença e me despeço já com saudades.

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