CONVERSA [Edição 104]
Mais uma noite comum de trabalho no escritório empoeirado do detetive etimológico X-8. Ele olha cuidadosamente para ver se tudo está no lugar: as teias de aranha, os cinzeiros com bitucas falsas de cigarro (ele não fuma, mas onde já se viu escritório de detetive particular sem elas?), o tapete cuidadosamente esburacado em pontos estratégicos, a imitação de buraco de rato no rodapé… o ambiente é importante para atender palavras ansiosas por saberem de suas origens.
Elas são incuravelmente românticas. A-do-ram uma atmosfera de romance de detetive da década de 1950, sentem-se participantes de algum filme em preto e branco com bandidos, policiais e um desprezado detetive particular que no fim da história resolve tudo, fica com a mocinha e uma gorda recompensa.
Hoje quem aparece é um grupo particularmente barulhento de clientes: são as palavras relacionadas à conversação.
Elas se ajeitam nas cadeiras incômodas em frente à gigantesca escrivaninha do investigador e não param de falar entre si. É uma babel que desafia as tentativas dele de começar a falar.
Mas ele sabe lidar com as circunstâncias, ah, se sabe! Põe-se em pé e tira de seu bolso uma enorme borracha azul e branca, daquelas que apagam qualquer palavra de um texto e ainda abrem um buraco no papel.
As clientes vêem aquilo e se calam, assustadas.
Ele começa, com voz fria:
– Boa-noite às distintas consulentes, todas relacionadas à troca de ideias. Sem delongas, vamos começar nossa sessão de etimologia pela palavra conversa aqui à minha frente.
Sua origem é o Latim conversatio, que inicialmente se usava para “viver com, encontrar-se com frequência”, formada por com-, “junto”, mais vertere, “virar, voltar-se para”. Mais tarde mudou para o significado atual.
Naturalmente que conversação, aí do seu lado, tem a mesma origem.
Ali atrás vemos tertúlia, do Espanhol tertulia, “reunião de pessoas”, de origem anterior desconhecida.
Podemos dizer de papo, com seu sinônimo bate-papo sempre a seu lado, que elas vêm do Latim papare, “comer”. Isso pela associação com a parte dilatada do início do trato digestivo das aves na base do pescoço, região que se associa à fala nos seres humanos.
Temos ali cavaco, de origem meio incerta. É possível que venha do Italiano cavata, de cavare, “cavar”, na acepção de “tirar, extrair o som de um instrumento ou da voz humana”. Inclusive existe a palavra cavatina, que veio do Italiano e designa uma pequena ária para solista e que se encaixa nesse parentesco.
Com uso mais elevado um pouco, apresenta-se colóquio. Ela vem do Latim colloquium, “conversa”, de com-, “junto”, mais loqui, “falar”. Junto a ela está solilóquio, “ato de falar sozinho”, de solus, “só, desacompanhado”, mais loqui.
Uma parenta delas está sentada bem aqui à minha frente: é vanilóquio, de pouco uso mas muito significado. Ela quer dizer “discurso inútil, conversa em vão” e vem do Latim vanus, “vazio”. Políticos são mestres em produzir isso.
E que dizer de diálogo? Vem do Latim dialogus, do Grego dialogos, “conversação”, relacionado a dialogesthai, “falar, conversar”, formado por dia-, “através”, mais legein, “falar”. Atenção: muitos pensam que se trata da conversa entre duas pessoas, achando que o “di-” inicial quer dizer “dois”. Mas não é o caso, não caiam nessa armadilha.
Outra que nos acompanha hoje é interlocução. Ela veio do Latim inter, “entre”, mais locutio, “fala, modo de falar” do loqui já citado.
Quietinha no canto vemos outra cliente que leva uma vida folgada pelo pouco uso: é palra, que vem de palrar, que é uma forma de parlar. E esta veio de parolar, “conversar com pouco conteúdo, palavrear no vazio”.
E parolar veio de palavra, que veio do Latim parabola. E esta veio do Grego parabolé, “comparação”, literalmente “ato de atirar ao lado”, formada por para, “ao lado”, mais ballein, “atirar”.
Isso porque, se um objeto tiver sido jogado ao lado de outro, podemos ver o que eles têm em comum ou não. E as palavras servem para isso, para nomear objetos, sentimentos, etc. de modo a distingui-los entre si.
Uma longa linhagem a sua, prezada cliente.
Há umas parentas suas espalhadas por aqui: palavrório, palanfrório e palavreado.
Ah, sim, esqueci-me de citar parlenda,com o mesmo significado.
De outra origem mas com o mesmo conteúdo se apresenta falatório, de falar, do Latim fabulare, que vem de fabula, que quer dizer “rumor, diz-que-diz, conversa familiar, lenda, mito, conto”. E que vem de fari, “falar, contar”. Para dar um toque meior de antiguidade, informo que esta, por sua vez, vem do Indo-Europeu bha-, “falar”.
Ente nós temos uma raridade, bem-vinda seja. Trata-se de galiciparla, às vezes apresentada como galiparla. Ela nomeia uma pessoa que se vale de galicismos para falar, ou seja, usa muitas expressões francesas. Vem de gálico, que vem do Latim gallus, “nativo da Gália”.
Ela foi criada em Portugal nos inícios do século XIX, quando o Francês dominava o ambiente intelectual e era macaqueado por muitas pessoas.
Aqui está também charlar, “conversar para passar o tempo”, do Italiano ciarlare, que teria vindo do Espanhol chirlar, “gritar, gaguejar”, com origem onomatopaica.
Com o significado de “conversa mole, em vão”, vemos ali lero-lero, que teria vindo do Quicongo lelu, “boca”.
Cá está uma palavra que veio do treinamento de cães para a caça: trela. Vem do Latim tragella, diminutivo de tragula, “correia ou corda para prender os cães”, derivada do verbo trahere, “trazer, puxar, arrastar”.
“Dar trela” era alongar a corda e permitir que o animal agisse mais à vontade, para poder adestrá-lo melhor. Depois, em termos figurados, passou a designar o ato de permitir a alguém que fale livremente para obter alguma informação do incauto.
Muito bem, queridas clientes, podem agora retomar a sua comunicação, que nossa sessão está encerrada.
Mas não falem muito alto na saída, que alguns de meus vizinhos são mal-humorados e podem atirar-lhes algum sapato velho ao passarem pelos corredores do edifício.