GASTOS [Edição 68]
Olhem só que lindinhas estão as meninas, tão arrumadinhas! Claro, isso porque entrei mais cedo na sala de aula, ou já teriam se arranhado, puxado os cabelos e feito outras barbaridades, devidamente ajudadas pelos meninos.
Para comemorar esse capricho todo, vou falar um pouco sobre a etimologia de palavras relacionadas aos gastos que seus pais tiveram para providenciar tanta elegância.
Para começar, temos comprar, do Latim comparare, “colocar ao lado, comparar”, de com, “junto”, mais parare, “fazer par, colocar ao lado para observar as diferenças”, de par, “igual, parelho”. Calma, eu sei que isso traz confusão às mentes, ainda mais em se tratando de um grupo de crianças explicitamente complicadas.
É que, para comprar algo antes a gente de comparar, entendem agora? O verbo latino inicial deu origem a duas palavras que agora têm sentidos diferentes, “comparar” e “comprar”. Coisas assim fazem parte de vida e evolução das palavras.
O seu oposto é vender, que vem do Latim vendere, da expressão venum dare, “dar ou colocar à venda”, onde venum quer dizer “objeto à venda” e dare é “dar”. Daqui temos os derivados venda, o pequeno comércio da esquina e venal, o sujeito que se vende pela quantia que lhe interessa.
Fazer qualquer dessas atividades se chama comerciar, do Latim commerciare, de com, “com, junto”, mais merx, “mercadoria, material posto à venda”.
Quem comercia está fazendo negócios, que vem da expressão latina nec otius, “sem ócio, sem descanso”.
Sim, Laryssinha? “Neca”? Ahá, você pensou que estava fazendo uma piadinha mas não estava. É verdade, nosso “neca”, já meio fora de moda, vem dessa negação latina, nec.
Todos esses movimentos fazem parte da economia, seja do país, seja de cada lar. E esta vem do Grego oikonomia, “administração de uma casa”, de oikonomos, “administrador, gerente”, de oikos, mais nemein, “gerenciar, administrar”.
Sim, Valzinha? Ah, vai nos dar um exemplo! Vamos ver… hum, o vizinho de cima do seu apartamento no outro dia estava elogiando a esposa dele para a sua mãe porque ela sabe se vestir muito bem de forma econômica, mas a sua mãe sabe que essas coisas ela consegue fora de casa com certas atividades… Não, não é um exemplo válido para o nosso caso, vamos tratar de esquecer.
Quem sabe essa senhora arranja descontos em liquidações – olha aí, um derivado do Latim liquidare, de liquidus, “fluido, umidade, líquido”, de liqui, “derreter, escorrer, fluir”.
Não comecem uma rebelião porque não entenderam direito, já vou explicar! Crianças exigentes, essas.
Essa relação com líquido vem da acepção surgida mais tarde de liquidar como “limpar uma dívida, quitá-la”.
O grande sonho de toda mulher é encontrar uma liquidação com produtos maravilhosos e baratos, o que vem do Espanhol antigo baratar, “fazer bons negócios, comprar por valor baixo”, de origem incerta.
Leonorzinha, desça já da mesa; eu não falei em “barata”, o inseto ortóptero blatídeo, falei em coisas que não são caras. Esta palavra vem do Latim carus, “apreciado, querido, de alto valor”. Originou também caridade e carícia.
Zorzinho, não invente histórias. Arre menino que vai ser um ficcionista, esse! Quando algum avô ou os pais chamam a gente de “meu caro”, não quer dizer que a gente foi comprado por preço alto em algum local de venda de crianças. Apenas estão querendo dizer que aquela pessoinha é querida para elas.
Mesmo que sejam umas pestes.
Caro e barato são atributos dos preços, cuja origem é o Latim pretius, “recompensa, valor”. Mas nunca se esqueçam: não se diz “preço barato” ou “caro”. Eles podem ser “altos” ou “baixos”, isso sim.
Claro que, para uma pobre professora que se arrebenta para tentar controlar uma aula de selvagens ganhando pouco em troca, todo preço é alto.
Mas vamos deixar isso para lá e vamos falar em dinheiro, do Latim denarius nummus, “a moeda que contém dez (dez ‘asses’, uma subdivisão)”.
Essa moeda passou a ser chamada apenas de denarius e todos andam atrás dela há muito tempo.
Como, Ledinha? Seus pais entram nas lojas e saem com as compras sem pagar? Ei, eu quero conhecer esse segredo! Como é que eles fazem?
Ah, agora entendi! Não, não é que eles saiam sem pagar, eles apenas usam o cartão de crédito. Não tiram dinheiro do bolso, mas o banco onde eles o guardam entrega a grana para o dono da loja depois.
E cartão vem do Latim charta, “folha de papel”, de papyrus, “papiro”, a planta aquática de onde se fazia um material semelhante ao papel.
Não, crianças, os cartões de crédito não são de papiro nem de papel, e não eram de plástico no tempo dos romanos. O plástico não existia naquelas eras.
Não, nem mesmo a Internet nem os videogames. Não, eu não era nascida ainda quando havia lutas de gladiadores no Circo Máximo.
Não me olhem com essa cara de quem está no Museu.
E tem mais, terminou a aulinha. Podem sair que eu vou para casa tomar Nervocalm para ver se melhoro.