GUARDAR COISAS [Edição 97]

 

O famoso X-8, o Detetive das Palavras, vai fazer mais um atendimento coletivo. Desta vai explicar as origens de palavras relacionadas a dispositivos de armazenamento.

Como sempre, ele está acomodado de modo ameaçador atrás de sua grande escrivaninha, encarando o grupo de palavras que olha para ele ansiosamente, à espera de sua torrente de sabedoria.

Verdade é que o adjetivo “ameaçador” fica lá por conta dele mesmo. Tudo o que as palavras-clientes veem é um sujeito muito baixinho vestido com uma enorme gabardine e chapéu de feltro desabado atrás da escrivaninha.

Conforme o ângulo de visão, dá para ver que há uma atroz pilha de dicionários sobre o assento da cadeira giratória velha e torta, para disfarçar o fato de o seu dono ser verticalmente prejudicado.

De qualquer modo, ele está começando a falar. Vamos prestar atenção:

– Tenho hoje a honra de receber palavras relacionadas a uma atividade muito antiga da Humanidade. Sem vocês, não teríamos como guardar materiais indispensáveis à nossa sobrevivência.

As palavras se inclinaram para a frente, satisfeitas.

O palestrante continuou:

– Para começar, cito armazém que nos olha com uma visível interrogação na testa. O seu nome vem do Árabe al-mahazan, inicialmente “depósito de armas” e depois “depósito de víveres, entreposto”. Se não me engano, só existe em Português e Espanhol; parece que não apresenta parentes no resto da Europa.

A palavra ficou sem saber se achava bom ser quase única ou se achava ruim ter poucos parentes. Optou por ficar bem quieta.

O detetive se voltou para depósito:

– Já você deriva do Latim depositum, particípio passado de deponere, “deixar de lado, guardar, depositar”, formada por de-, “fora”, mais ponere, “pôr, colocar”. Tanto serve para designar um local onde são guardadas coisas de valor como para indicar uma quantia de dinheiro deixada previamente em pagamento de uma compra de grande valor.

Agora, quanto a paiol, ali no fundo: sua origem é o Catalão pallol, “compartimento do navio para guarda de víveres ou munições”. É interessante comentar que, em Espanhol, usa-se também o nome santabárbara – assim mesmo, tudo junto  –  para o paiol.

Nos grandes navios de guerra a vela havia dois depósitos de munições a bordo. Eles eram revestidos por chumbo e ficavam abaixo da linha d’água, para evitar serem atingidos pelo canhoneio inimigo. Nestes depósitos ficava uma imagem de Santa Bárbara, a padroeira dos artilheiros.

Claro que a distinta clientela quer saber por que ela foi escolhida por tão distinta corporação. Diz a história que ela seria a filha de um rei da Nicomédia. Quando ela quis se converter ao catolicismo, o senhor seu pai, descrito na legenda como uma pessoa de escassa paciência, a fez sofrer torturas indizíveis, que não vou descrever para que as palavras presentes não tenham pesadelos mais tarde.

Pois depois da tortura o rei, que era pessoa respeitadora da lei, a enviou para ser julgada. Condenada, o próprio senhor seu pai a decapitou no cume de uma montanha. Logo depois ele foi atingido por um raio, o que tornou Bárbara posteriormente uma santa que protege as pessoas de raios e explosões, muito invocada na língua espanhola por ocasião de tempestades.

Mas, voltando ao nosso assunto, vejamos a origem de silo. Sua origem é o Espanhol silo, “local preparado para guardar grãos”, do Grego seirós, “cova ou tulha para depositar grão”.

E já que falamos nela, tulha, “celeiro, local para depósito de grãos”, tem origem discutida. Há quem ache que vem do Latim tudicula, “local para prensar azeitonas e guardar o azeite”.

Falando em locais menores, temos aqui cofre. Em Latim, cophinus, era “cesto de vime”, sentido que passou a “caixa reforçada para guarda de bens”.

Outro continente para dinheiro era a arca. Esta vem do Latim arca, “cofre, arca”, derivado de arcere, “guardar, manter sob vigilância”.

Vejo que arsenal ali mostra certa inquietude. E com razão, como é que a gente fala em paiol e não a cita? Ela deriva do Italiano arsenale, do Árabe dar as-sina’ah, “oficina”, literalmente “casa de manufatura”, de dar, “casa”, mais sina’ah, “arte, técnica, artesanato”. O sentido de “lugar de fabricação ou guarda de armas” é de cerca de 1570.

Indo para material menos agressivo, temos aqui despensa. Ela veio do Latim dispendere, “gastar”, pois era ali que se guardavam as coisas necessárias ao funcionamento da casa e com as quais se havia feito gastos.

Há uma palavra estrangeira que é usada sem alteração na escrita e que parece ter vindo para ficar, como consequência da modernização. É container¸ aquela espécie de baú enorme que cruza os mares em navios e as estradas sobre caminhões. Vem do Latim continere, “conter, manter dentro de si”, formado por com, “junto”, mais tenere, “segurar”.

Calma, baú. Vou contar que você vem do Francês bahut, mas que antes disso não tem origem conhecida.

Agora, distintas clientes, despeço-me de todas e lhes desejo uma boa noite.

 

Origem Da Palavra