LIVROS DE REFERÊNCIA [Edição 69]
Visitando o aconchegante gabinete de meu avô, quando eu tinha uns doze anos, perguntei se ele já tinha lido todos aqueles livros. Ele me disse que, fora os que estavam na fila para serem lidos, e os de referência, já tinha lido todos.
– E o que é um livro de referência, Vô? – perguntei.
– É um livro para consulta, não tem um enredo. Existem diversos tipos, você com certeza já usou alguns sem saber. Olhe aqui: um dicionário, cujo nome vem do Latim dictionarium, “coleção de palavras, frases e citações”, de dictionarius, “relativo a palavras”, de dictio, “palavra”, de dicere, “dizer, declarar”.
– Ah, sei! E lá em casa temos também uma enciclopédia. Qual é a diferença? Ela tem figurinhas e o dicionário não tem?
O velho riu:
– Sem figurinhas não tem graça, não é? O nome desse outro livro – que normalmente é constituído de vários volumes e explica assuntos e não palavras – veio da expressão grega enkyklos paideia, traduzida como “educação geral”.
– Eu gosto de olhar mapas, tão coloridos!
– Então você gosta desses aqui – e apontou para livros grandes e vistosos. Estes são os Atlas, cujo nome vem de uma das coleções de mapas dum holandês chamado Mercator. Na capa, ele tinha o Titã Atlas, que depois de se meter numa guerra contra Zeus foi condenado a segurar o globo terrestre todinho nas costas. O título em Latim era Atlas, sive cosmographicae meditationes de fabrica mundi, ou seja, “Atlas, ou meditações cosmográficas sobre a estrutura do mundo”.
– E daí o nome pegou?
– Até agora tem sido um sucesso.
– E aqueles pequenos ali, Vô?
– Esses são os manuais; em geral são os mais mal escritos. Os de aparelhos eletrônicos, então, são mais confusos que discurso de bêbado vesgo. Seu nome vem do Latim manualis, “relativo à mão”, pois eles se caracterizam por serem portáteis, podendo serem levados na mão.
O que me lembra outro livro feito para ser carregado assim: o hinário, um livro que contém hinos cantados na igreja. E hino vem do Latim hymnus, do Grego hymnos, “canção em honra a deuses ou heróis”, possivelmente derivada de hymenaios, “canção nupcial”.
Há também o suprassumo do livro portátil, pelo menos quanto à origem: o vademecum, que em Latim queria dizer “Vai comigo”. Vem a ser mais ou menos o mesmo que um manual.
– Puxa, quanto tipos, Vô!
– E você nem faz idéia da quantidade, mesmo porque muitos são de alta especialização, de uso muito restrito. Por exemplo, as efemérides. Estas são tabelas de posições relativas de astros, indispensáveis para a navegação. Elas registram a posição dos mais importantes deles a cada dia. Daí vem o seu nome, pois em Grego ephemeros se forma por epi-, “sobre”, mais hemera, “dia”, e quer dizer “de curta duração, o que dura só um dia”.
Como essas listas registram posições celestes que duram apenas um dia, temos aí um nome muito bem escolhido.
E ali temos um conjunto de antologias. Estas podem ser lidas por inteiro mas, como servem para dar uma amostra de épocas literárias ou de autores ou gêneros, podem ser colocadas entre as referências. Essa palavra vem do Grego anthologia, “coleção ou conjunto de flores”, de anthos, “flor”, mais logia, “coleção”, de logein, “reunir, juntar, colher”.
Mais adiante temos um catálogo, do Grego katalogos, “lista, registro”, de kata– aqui com o sentido de “completamente, de todo”, mais logos, aparentado com o logia que acabei de citar.
E ali está uma gramática, que ajuda a gente a escrever direito ou pelo menos evitar as bobagens maiores. Essa palavra vem do Grego grammatike tekhne, algo como “a arte das letras”, de gramma, “letra”, derivada de graphein, “escrever”.
Em Inglês ocorreu uma alteração interessante com esta palavra. Inicialmente, estudar gramática significava ter um conhecimento restrito às classes superiores, ainda mais que isso significava aprender Latim, que o povo em geral desconhecia.
Como nisso se incluía algo de Astrologia, a palavra acabou tendo por um tempo uma conotação de “conhecimentos ocultos”, com um tom de feitiçaria. Em dialeto escocês, isso virou glamor, que resultou na grafia americana glamour, algo que toda mulher deseja e nem todas têm. Mas quando têm, vai até o fim da vida.
Mas agora vá ler alguma lista de roqueiros ou coisa parecida e deixe seu avô descansar, pois já trabalhei bastante e agora só quero ficar de papo para o ar!