MONSTROS ANTIGOS I [Edição 77]
Barbaridade, o comportamento desta meninada de hoje. Mas nem vou reclamar muito, que hoje tomei uma dose reforçada de Nervocalm, agora com Vitamina C – é o que diz na caixa – e estou muito light.
Para demonstrar, hoje nós vamos falar na etimologia de alguns nomes de monstros. Olha aí, todos se assanharam, claro. Mas de nomes de monstros antigos, nada dessas coisas comuns de zumbis, vampiros e do Frankenstein que toma as telas de TV.
Aliás, este último nunca foi nome de monstro, sabiam? Várias mãos se levantaram para me contradizer. Para isso vocês têm cultura, né? Nome de escritor e cientista que é bom, não sabem.
Pois acontece que o monstro feito de retalhos e animado pela eletricidade dos raios que vocês conhecem simplesmente não tem nome; Frankenstein é o nome de seu criador, o cientista maluco aquele, Viktor de nome. O monstro acabou sendo chamado pelo nome de seu criador porque este se esqueceu de o batizar.
Hoje vamos começar por um ser que visitava as casas de nossos antepassados do Norte de Portugal, o Trasgo. Este era o equivalente aos gnomos e duendes de outras culturas. Seu nome era trasgu na mitologia asturiana.
Ele era baixinho, moreno, mancava da perna direita e tinha um furo na palma da mão esquerda. Vestia-se de vermelho e usava um gorro pontudo da mesma cor.
Mas não se assustem que ele não era dos piores. Era o responsável pelos barulhos que uma casa faz à noite; às vezes tinha algum acesso e quebrava alguma louça. De minha parte, acho que mais de um prato foi quebrado pelas crianças da casa e ele acabou levando a culpa.
Mas no fundo ele era bonzinho, pois até fazia serviços domésticos quando se sentia bem tratado.
Melhor um desses do que uma abantesma perambulando pelos nossos corredores à noite. Esta palavra é uma variante de fantasma, que deriva do Grego phántasma, “espectro, ser imaginário”, derivado de phainein, “brilhar, iluminar”, derivado de phos, “luz”.
É um nome genérico; existem diversos deles por aí, todos interessados no comportamento das crianças pequenas.
Falando neles, temos os lêmures. Parem com a gritaria! Eu sei que vocês veem na TV esses bichinhos de Madagascar com olhos grandes. Esses são animais que receberam o nome devido aos seus hábitos de andarem à noite. E receberam o nome justamente do Latim lemur, que era um espírito dos antepassados que voltava para assombrar os vivos.
Até agora vimos uma turma muito discreta, acho que é a hora de ver coisa mais sensacional, como o Catoblepas.
Estranho, não? Em Grego esse nome era katobleps, de kata, “para baixo”, mais blepas, “o que olha”. Ele era uma besta do tamanho de um grande touro e estava sempre olhando para o chão. Quando levantava o olhar, podia matar apenas com os raios que emitia pelos olhos ou devido ao seu hálito mortal.
Decerto ele não escovava os dentes, não tinha uma Tia Odete para lhe ensinar bons hábitos.
Se bem que às vezes eu preferia uma manada desses aí a aguentar certos aluninhos.
Existia uma serpente que também podia matar com a simples vista, o basilisco. Seu nome vem do Grego basileus, “rei”, pois diziam que os reis tinham grande interesse em conhecer esse animal. Ele pequeno, media pouco mais de um palmo, se bem que não se sabe quem tenha chegado perto dele com uma régua.
E a anfisbena então? Seu nome também é do Grego, amphisbaina, de amphí-, “para dois lados”, mais baino, “mover-se, andar”. Ou seja “a que anda em dois sentidos”, já que era uma serpente com uma cabeça em cada extremidade.
Sim, Leonorzinha? Se ela gastava o dobro com chapéus? Não, minha querida, ela não usava essa peça de vestuário, não tinham inventado ainda no tempo dela.
Mas é muito bonito ver uma menina que nem você se preocupar desde cedo com o bem-estar de monstros. Ainda mais de um bicho venenosíssimo, como era o caso deste, que tinha duas bocas para morder.
Atualmente esse nome se encontra aplicado cientificamente a espécies de cobra-cega, que não são cobras nem são cegas, não têm duas cabeças, nem mesmo veneno. Mas algum zoologista as chamou assim porque elas têm uma cauda rombuda que lembra uma segunda cabeça.
Depois desses me vêm à mente as harpias, de harpazo, “levar embora, arrancar”. Elas eram os sabujos de Zeus, que as mandava raptar seus desafetos. Na verdade, eram ventos personificados. Elas eram apresentadas como mulheres aladas ou como aves com cabeça – muito feia – de mulher. Tanto que atualmente harpia é sinônimo de mulher má, megera.
E as lâmias? Estas eram demônios que se disfarçavam de moças bonitas para atrair os rapazes – viu, Joãozinho? – e lhes retirar o sangue. Parece que exclusivamente com propósitos recreativos e alimentícios; elas não eram funcionárias de bancos de sangue, não.
De qualquer maneira, pelo seu comportamento pode-se dizer que elas eram as vampiras do mundo mitológico grego.
Um ser que é mais bem conhecido em nossos tempos de pouca cultura é o grifo. Olha aí, todos gritaram de alívio por encontrarem algo mais familiar.
Seu nome vem do Grego gryps, “curvo, retorcido”, que se aplicava ao poderoso bico que eles tinham. Eles eram seres com corpo de leão e cabeça e asas de águia. Foram muito usados em heráldica, pois ficavam muito bem quando desenhados num escudo.
Estão todos quietinhos, pensando em como se defender se algum desses seres resolver fazer uma visitinha, não? Dá para ver pelos seus olhos arregalados. Não se preocupem, eles só incomodam aqueles que maltratam professoras boazinhas.
Agora vão para casa e tratem de não sonhar com eles. Acho que na próxima aula vamos ter mais.