PONTOS CARDEAIS [Edição 71]

 

Eu tinha meus dez anos quando perguntei ao meu avô onde era que se podia comprar sementes de Rosas dos Ventos. Ele me
olhou muito sério:

– E posso saber o que você vai fazer com elas?

– Vou plantar lá no pátio de casa para dar para a Mamãe quando elas crescerem. Vi esse nome num livro antigo lá em casa e gostei, elas devem ser bem bonitas.

Ele sorriu:

– Um pequeno cavalheiro, sem dúvida. Basta a intenção para a sua mãe ficar contente. Mas devo lhe contar que esse nome não corresponde a uma planta. Sente-se aí que eu vou explicar.

Acomodei-me no bando estofado, a seus pés, e me entreguei à teia que ele fazia com seus conhecimentos:

– Esse nome é usado para descrever o conjunto dos pontos cardeais,
aqueles que figuram na bússola e que são percorridos pela agulha.

– Só tem Cardeais, Vô? Pontos Bispos não?

– Ao Bispo eu vou recorrer se um certo neto mau não parar de dizer bobagens.

Esses pontos são ditos cardeais porque são os mais destacados no desenho, ficando os adjacentes a noventa graus entre si. Em Latim cardinalis queria dizer “principal, chefe, essencial” e vinha de cardo, “peça em torno da qual alguma coisa gira”, originalmente “dobradiça”.

Dessa conotação de “chefe, principal” é que veio o nome do alto posto eclesiástico. Em Latim se dizia cardinalis ecclesiae romanae, “príncipe da Igreja de Roma”.

Voltando ao assunto inicial: colocando-se o ponto que indica o Norte na devida
posição – olhe aqui enquanto eu rabisco – a gente pode encontrar todos os outros pontos da Rosa dos Ventos.

– E Norte de onde vem?

– Eu estava esperando essa pergunta. Essa palavra vem do Germânico nurtha-
, talvez do Indo-Europeu ner-, “esquerda”, porque uma pessoa voltada para o lugar onde nasce o sol fica com a mão esquerda apontando para o Norte. É interessante saber que os nomes que os romanos davam a esses pontos eram bem outros; os que atualmente são usados na maioria dos idiomas europeus vêm do Germânico.

– Então para onde apontavam as agulhas das bússolas dos romanos, Vô?

– Não apontavam, porque durante sua civilização clássica eles não contavam com esse equipamento. Para indicar o Norte eles diziam septentrio.

– Que vem de…?

– Vem do nome dado a uma parte da constelação da Grande Ursa; essa parte era formada por sete estrelas e era chamada de septentrio a partir de septem, “sete”, mais triones, “bois de arado”, de terere, “esfregar”.

– Hum… e o Sul? E como se chamava em Latim?

– Vem do Germânico SUNTHAZ, “relativo ao Sol”, pois na Europa o sol é associado às regiões mais distantes do Norte.

Em Roma se dizia meridies, formada a partir de medius, “meio, metade”, mais dies,
“dia”, devido à associação do sul com o sol alto e o calor.

E antes que você pergunte, Leste vem do Germânico austra-, “para o lado do nascer do sol, para o oriente”.

– Essa não, Vô! Como é que ficou tão diferente?

– Essa palavra vem do Indo-Europeu aus-, “brilhar”, com a conotação especial de “alvorada”. Esse aus- acabou passando, em Francês, a est, em Inglês a east e em Português a “este”.

– Afinal, é este ou leste?

– Tanto faz; as marinhas de Portugal e do Brasil adotaram a palavra leste, do Francês l’est, “o este”, para evitar confusão com oeste nas comunicações verbais.

– Ih, já imaginou o almirante dar ordem para a frota ir para um lado e ela ir para outro?

– É para evitar coisas assim que as palavras foram feitas.

– E a turma de Roma chamava como o leste?

– Diziam oriens, “nascente”, de oriri, “nascer”, devido ao nascimento diário do sol.
Dessa palavra é que veio o verbo orientar; quem sabe onde nasce o sol consegue se acertar em relação à direção que quer.

– O Pai diz que a Mãe não distingue o que está em cima do que está em baixo.

– Pois é, consta que sua mãe é um caso raro de falta de orientação espacial. Mas isso é comum entre as mulheres, não vá contar nada para a sua avó.

– E a Mãe diz que o Pai nunca pergunta a ninguém qual é o caminho certo. Ela conta que ele é que nem Moisés, que  levou quarenta anos até achar Israel porque se
recusava a perguntar o caminho.

O velho deu uma risadinha:

– Ela tem também sua razão.  Agora deixe-me contar que o oeste veio do Germânico we-st-, do Indo-Europeu we-, “ir para baixo, descer”, pois é isso que ele aparenta fazer em seu movimento no fim do dia. E que ele era chamado em Latim de occidens, de occidere, “cair, descer”, formado por ob-, “fora, para baixo”, mais cadere,
“cair”.

Outro nome para o oeste é o muito poético poente, de ponens, “aquilo que se põe” de ponere, “botar, colocar”. Esse faz parte de um monte de versos abobalhados.

– Ora, Vô, versos!

– Não fale mal. Dia chegará em que você vai estar pensando loucamente em alguma moça e vai castigar o mundo através de um poema.

Mas acho que já nos orientamos bastante por hoje; podemos falar mais sobre o assunto num outro dia, que tal?

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