STATUS [Edição 99]
Como estão bonitinhas minhas meninas hoje! Parece até que se combinaram para vir na última moda infantil, com roupinhas cor-de-rosa ou ciclame, adereços de acordo, fitinhas nos cabelos…
Pena que essa arrumação toda não vá chegar muito longe, estou certa disso. Em seguida vai começar uma confusão qualquer, as roupas vão ser rasgadas, as fitinhas serão puxadas… Conheço minha freguesia.
Na fútil tentativa de evitar esse fato bárbaro, vamos primeiro lembrar que o limite entre a boa apresentação e a ostentação vulgar às vezes pode levar a escorregões. A seguir, vamos lidar com palavras relacionadas a essas atividades de vaidade.
Esta, por exemplo, vem do Latim vanus, “vazio, ocioso”, do Indo-Europeu wa-no-, de uma raiz eue-, “deixar, abandonar, desistir”. Até parece que quem inventou a palavra pensava que ela iria representar o ato de abandonar o bom senso.
Outra que vem ao caso é o tal de status. Esta é a palavra latina para expressar “condição, posição, maneira, postura”, e se relaciona a stare, “ficar de pé, estar”. Há quem ache que se obtém mostrando coisas compradas, mas é engano.
Fale, Valzinha. Hum, suas vizinhas dizem que uma delas é exibicionista, por que? Ah, ela vai pegar cartas na caixa da correspondência de camisolinha curta e transparente? Deixe para lá, ela deve é sentir muito calor.
E rapidamente acrescento que exibir vem do Latim exhibere, “mostrar, expor à vista”, literalmente “segurar à vista de todos”, de ex-, “fora”, mais habere, aqui com o sentido de “segurar”.
E que ostentação deriva do Latim ostentatio, “exibição inútil, vã”, de ostendere, formado por ob-, “à frente”, mais tendere, “alongar, esticar”. Parece que a pessoa está estendendo as suas posses para os outros verem e acharem que ela é importante.
E agora a Tia Odete, em absoluta primeira mão, vai ensinar a vocês uma palavrinha que vocês não conhecem. Aposto que nem seus pais ou avós sabem o que é. Trata-se de gualdir, que significa “gastar exageradamente, esbanjar, botar dinheiro fora”. Ela aparentemente vem do Latim gluttire, “tragar, engolir”, que originou também glutão.
Ao chegarem em casa, podem exibir-se para a família com os seus conhecimentos.
Já dissipar é do Latim dissipare, “atirar de um lado para outro, destruir, espalhar”, se forma por dis-, indicando afastamento ou oposição, mais sipare, “lançar, atirar”. Chacoalhar o dinheiro com bobagens acaba destruindo nosso patrimônio.
Já desperdiçar é do Latim disperditio, “ruína, destruição, perdição”, de dis-, mais perdere, “perder”.
Como exemplo, Tia Odete vai contar para todos uma história de índios. Prestem atenção.
No noroeste dos Estados Unidos e em parte do Canadá, os colonizadores brancos depararam com uma festividade muito estranha.
Era o potlatch, que em Chinook quer dizer “presente” ou “ato de dar”.
Várias tribos se dedicavam a ela, como os Kwakwaka’wakw, Nuu-chah-nulth, Tsimshian e outros nomes que não precisamos decorar porque não vão cair em prova nenhuma.
Era um costume observado pelos ricos da tribo, e a coisa se dava mais ou menos assim: um belo dia, um deles convocava os amigos e vizinhos para uma festança.
Havia comida, bebida, cantos e danças. Até aí, nada de diferente. Mas então os donos da festa começavam a dar presentes: cobertores, peças de cobre, escravos, comida, peles de animais, canoas – enfim, coisas de valor. Quanto maior, melhor
O anfitrião dava essas coisas e desafiava os que as recebiam a entregar outras de maior valor ou a destruí-las numa fogueira.
Aqueles que não podiam acompanhar à altura o ato de presentear ficavam humilhados, sentiam-se diminuídos, perdiam poder e status perante os outros.
Quando os brancos chegaram, com seus produtos industrializados, como contas de vidro, ferramentas, tecidos, houve uma inflação de objetos a serem dados, o que levou os aborígines a competirem ainda mais ferozmente pela distinção de serem os mais mãos-abertas.
Os missionários que tentavam converter as tribos se opuseram fortemente a esse hábito, a ponto de serem passadas leis no Canadá e Estados Unidos proibindo-o. O fato é que eles achavam que o hábito era um desperdício e algo alheio à civilização e aos seus propósitos de catequese.
Não, Lary, isso não quer dizer que você está proibida de dar uma lembrancinha para algum amigo. Ou, falando nisso, para alguma professora muito querida. Algo simples como um lindo vestido de seda, um livro importado, chocolate belga, coisinhas assim.
Quanto ao potlatch, a proibição foi suspensa há tempo. Pensando bem, nem tanto: nos Estados Unidos, isso ocorreu recém em 1951.
Sua querida Tia Odete até já era nascida nessa época. E não me olhem com essas caras de quem está enxergando um dinossauro!
Não, Ledinha, os índios que tinham esse costume não foram parar todos na prisão. Na realidade, as próprias autoridades perceberam que não havia meios para coibir a prática e afrouxaram a fiscalização, confiando em que as alterações de costumes com o tempo iriam trazer um fim aos festivais.
O fato é que hoje eles estão sendo revividos pelos indígenas que querem recuperar suas tradições.
E há estudiosos que dizem que se trata de um sistema de troca de presentes com implicações políticas, religiosas e familiares, com muitos dos presentes recebidos devendo ser passados adiante em festivais seguintes.
Mesmo assim, para os meus aluninhos que certamente já estão pensando em fazer um potlatch com suas roupinhas e brinquedos, fica a recomendação da Tia Odete de não fazerem festivais desses.