Arreda, Satanás! Pega teus demônios e vai para trás! Santa Palma, trazei de volta a calma! Santa Ada, aquietai esta criançada!
Parem de tentar se matar entre si; sentem-se aqui ao meu redor que eu vou contar umas coisas antigas para vocês.
Sabem, na saudosa escola de antanho havia um instrumento maravilhoso chamado palmatória. Seu nome vem de palma, do Latim palma, “lado interno da mão”. Era feito em madeira, com uma parte mais dilatada na ponta, e servia para bater nas palmas das mãos de alunos que se tivessem comportado mal. Ah, o som de uma correção daquelas… A mão inchada, o aluno quietinho, arrependido de seus maus atos…
Mas existiam coisas ainda mais interessantes. O chicote, por exemplo. Essa palavra parece derivar do Francês antigo chicot, “ponta de corda de navio” e podia servir também para corrigir condutas. Tinha a vantagem de poder ser usado mais de longe do que a palmatória.
Outro nome usado para este interessante instrumento é chibata, originalmente a vara usada para tanger os rebanhos de bodes e cabras, do Espanhol chivo, “bode”. Bem que às vezes me faz falta uma vara flexível e longa para poder atingir com mais conforto algum ponto de indisciplina nesta aulinha.
Também se pode usar para isso o açoite, que veio do Árabe as-sawt, “chicote com diversas pontas”.
Como se vê a necessidade didático-pedagógica se manifestava em vários países e civilizações.
A sabedoria dos antigos dava certo, pois naquelas eras os aluninhos se comportavam melhor e aprendiam muito, muito mais.
Atualmente, com a desagregação dos costumes, se uma professora bem-intencionada, no intuito de ajudar a gravar na mente de uma criança determinado ensinamento, lhe der um belo puxão de orelha, um tapa de raspão na cabeça ou usar outro método mnemônico desta ordem, é capaz de ser presa.
Além desses saudosos instrumentos, existia a possibilidade de se fazer um aluno rebelde se ajoelhar, à frente de todos, sobre grãos de milho. Que nem estes aqui no meu bolso, ó, que eu trouxe apenas para efeitos demonstrativos. Pontudinhos, né? São de pipoca.
Milho é uma palavra que vem do Latim millium, de mille, “mil”. Era uma palavra aplicada a outras plantas, devido ao grande número de grãos produzidos, e acabou sendo aplicado à planta originária da América.
Vou contar mais: em casos mais sérios, antigamente o trato de problemas com pessoas que não queriam seguir os ditames da lei podia ser terceirizado.
Uma das categorias que se ocupavam disso para que outros não precisassem sujar as mãos era a dos carrascos, palavra que teria vindo de um senhor chamado Belchior Carrasco, que se destacou no Portugal da Idade Média como sendo muito proficiente na arte do castigo.
E o nome de família dele vem de carrasco mesmo, que é um tipo de vegetação baixa e densa.
Pode-se usar a palavra algoz também, que deriva da tribo Árabe al-ghozz, de onde seriam escolhidos os profissionais para este tipo de atividade. O que me lembra que preciso escrever para a embaixada da Arábia para tratar da importação de determinado artigo de que preciso.
A palavra castigo, que é do que certas crianças precisam para poderem crescer inseridas no bom comportamento que é a base da sociedade, tem uma origem interessante.
Vem do Latim castus, “puro, limpo, sem falta”. O verbo castificare, “tornar casto, puro”, acabou gerando o atual castigar. Notem como aquelas sábias pessoas de então já sabiam quais eram os caminhos para a elevação do espírito.
Claro que o castigo poderia ser aplicado sob a forma de uma surra, de origem incerta, ou de uma boa tunda, que vem do Latim tundere, “cobrir de pancadas”.
Em casos extremos, isso podia ser obtido por meio de tortura, que deriva do Latim torquere, “torcer”, pois várias partes do corpo do faltoso às vezes precisam ser torcidas para que ele passe a ter uma postura não-distorcida.
Ué, bateu o sinal de fim da aulinha e todos vocês estão bem quietos, de olhos arregalados, comportando-se como anjos!
Ninguém interrompeu com perguntas bobas; Valzinha não falou sobre os casos escabrosos de suas vizinhas, Zorzinho não anotou nada, Joãozinho não passou a mão em nenhuma das meninas e todos estão de olhos muito abertos…
Por que será? Só posso imaginar que finalmente uma das minhas dissertações tocou suas alminhas, o Céu as guarde.
Agora vão para casa, pensem bem no que a Tia Odete disse e voltem amanhã tão bonzinhos como estiveram hoje.