Palavra arcebispo

PAPA

 Com ou sem religião, vivemos um momento histórico. Fui provocar meu avô em seu gabinete, no fundo do pátio cheio de plantas:

– E então, Vô? “Habemus papa”, hein?

Papam, meu rapaz, habemus papam. Este “M” final denota o acusativo, o caso do objeto direto. Mas não quebre a sua frágil cabecinha, que o Latim não foi feito para ela e as suas contemporâneas.

– Vou seguir seu sábio conselho, Vô, mas de onde veio esse título?

– Nos inícios da Igreja Católica ele se aplicava a todos os bispos; depois passou a designar somente o bispo de Roma. Veio do Grego papas, “bispo, sacerdote”, uma variante de pappas, “pai”.

– E bispo?

– Vem do Latim episcopus, do Grego episkopos, formado por epi-, “sobre”, mais skopéo, “eu vejo, eu olho”. Enfim, um supervisor.

– E o arcebispo?

– É do Grego arkhiepiskopos, um bispo com poderes maiores, de arkhon, “chefe, líder”.

E antes que você pergunte, já vou informando que cardeal deriva da expressão latina cardinalis ecclesiae romanae, “príncipe, chefe da Igreja”, de cardinalis, “principal, essencial, chefe”, de cardo, “eixo, peça ao redor da qual algo gira”, originalmente “dobradiça de porta”. A ideia era mostrar a importância desse cargo na Igreja. Mas não dá para negar que houve pelo menos um cardeal com quinze anos.

– Ele devia ser muito competente…

– Tinha um parente muito próximo comandando a coisa. Mas vamos deixar isso de lado e falar na origem, de outra palavra que anda aí pelos jornais, o camerlengo.

– Isso me faz pensar em algum tipo de camelo assustador, de onde vem?

O velho reprimiu uma risada:

– Não é nenhum monstro, não. Veio do Baixo Latim camarlengus,  do antigo Alemão chamarlinc, do Latim camara, aqui significando “fisco, tesouro público”. Ele é o cardeal que é indicado para supervisionar as finanças da Igreja e o encarregado de administrar a eleição de um novo Papa através de um conclave.

Apenas olhei para ele. A gente se conhecia muito bem; ele prosseguiu:

Conclave vem da expressão latina camera cum clave, “quarto chaveado”, literalmente “quarto com chave”. As reuniões para essa eleição são feitas na ausência de público, para não haver interferências externas na votação.

– É verdade, Vô, imagine a TV e os jornais acompanhando tudo na Idade Média…

– Mas nem sempre foi assim.  Inicialmente as reuniões não eram reservadas.

No século XIII, na cidade de Viterbo, na Itália, houve uma escolha papal que demorou quase três anos. As brigas pelo poder eram tão intensas que nunca surgia um resultado. Lá pelas tantas, os magistrados da cidade se incomodaram para valer, trancaram os cardeais no Palácio a pão e água e se diz até que mandaram remover o teto dele.

O eleito, Gregório X, para evitar situação tão escandalosa, promulgou leis que até hoje são seguidas nessas ocasiões.

– Puxa, ele foi inteligente. E a história do tal de anel que se quebra?

– Inicialmente, também lá pelo século XIII, tratava-se de um anel com sinete em relevo; ele era pressionado contra cera quente, lacre ou chumbo que se usava para autenticar certos documentos. Esse era um procedimento comum na época; comerciantes e reis também o usavam.

O anel é destruído após a morte do seu portador seguindo as tradições que obrigavam a isso para que não se pudesse fazer alguma falsificação. Há um bom tempo, no entanto, que as autenticações não dependem desse método.

– O senhor falou em sinete

– Essa palavra vem do Francês signet, do Latim signetum, de signum, “sinal”.

– Já vi usarem o título de Pontífice para o Papa, de onde vem?

– O consenso geral aponta para o Latim, de pons, “ponte” (originalmente “caminho”), mais facere, “fazer”. O Pontífice era o título mais elevado do Colégio Pontifical, sendo considerado a posição mais alta na religião romana. Isso levou alguns a dizerem que o nome do cargo deriva do fato de ele fazer uma ligação, uma “ponte” entre as pessoas e as divindades.

A mim parece mais provável que, na visão da época, só uma pessoa com poderes religiosos elevados é que teria o poder de providenciar meios de se cruzar os rios, dos quais muitos eram considerados divindades.

– Que complicado…

– Bastante. Para tentar forçar mais algum conhecimento nessa sua cabeça oca, vou ensinar mais uma origem. Já ouviu falar no báculo papal? Trata-se de um bastão que é usado por todos os bispos. Ele é longo, mais alto do que uma pessoa, e tem a extremidade superior recurvada.

Vem do Latim bacculus, “bastão, vara”, e representa o bastão que os patores usam para tanger os seus rebanhos.

Agora, preste atenção: quando um bispo usa o seu báculo, sua parte curva é levada apontando para a frente. Exceto quando ele se encontra na presença do Bispo de Roma, o Papa; nesta ocasião, a curvatura fica para trás, em sinal de respeito.

– Está cada vez mais complicado, Vô.

– Mas não se preocupe, rapazinho, as possibilidades de você chegar ao Vaticano não são das maiores, de modo que não precisa perder o sono por causa disso.

 

Resposta:

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