UM BLOCO DE CARNAVAL
No pior bairro do mundo, aquele onde o Detetive X-8 atende a palavras desejosas de saber suas origens, é Carnaval.
Por toda parte se veem pessoas e palavras usando máscaras baratas de papel ou plástico, com trapos coloridos atados pelo corpo à guisa de disfarce.
Fantasia mesmo ninguém usa. É perigoso sair para a rua com qualquer coisa que possa render alguns trocados em algum receptador.
Este ano os dignos cidadãos locais resolveram fazer um Desfile Carnavalesco, “para trazer um pouco de sadia diversão aos nossos jovens”, como diziam os cartazes feitos à mão e espalhados pelas paredes e postes.
Qualquer tema era válido e todas as escolas ou blocos participantes ganhariam prêmios, finos mimos oferecidos pelas lojas de quinquilharia, ferragens e demais comércios meio nebulosos que estavam instalados no bairro, à procura de paz fiscal e criminal.
O corajoso detetive terminou seu atendimento noturno e foi olhar a novidade. Incógnito em sua gabardine enorme e chapéu desabado, olha de uma esquina a passagem dos participantes do tríduo momesco.
Aqui se aproxima, ao som de música apropriada, um bloco que porta uma faixa mal-escrita onde se lê:
O BLOCO DO RIO
SAÚDA O POVO E PEDE PASSAGEM
MELHOR ATENDER SENÃO A GENTE ATROPELA
X-8 não entende o que é que o bloco tem a ver com “Rio”, até que percebe: ele era composto só por palavras com a terminação –rio. E paroxítonas, ainda por cima. Várias delas eram suas conhecidas e o saudaram, alegres.
Lá adiante, na frente do palanque oficial, o desfile havia parado. Alguns dos participantes se haviam envolvido num tremenda briga por não estarem se entendendo com a ala musical.
Como ali ninguém tocava qualquer instrumento, a ala era formada por pessoas e palavras que portavam, entre piruetas e pulos, sistemas de som a pilha, daqueles grandes, de levar ao ombro. Claro que nem todos eles estavam com o mesmo disco, o que resultava em considerável desfavor para as evoluções e o bom relacionamento cívico.
Já que a coisa tinha parado mesmo, algumas das palavras mais intelectuais do bloco do Rio resolveram fazer algo para passar o tempo. Juntaram rapidamente uns trocados e os ofereceram para o detetive, para ele fazer um levantamento etimológico das participantes.
Ao ver dinheiro, X-8 imediatamente se interessou; as clientes se acomodaram no chão ao redor dele e o ouviram, atentas. Enquanto isso, o sururu em frente à Comissão Julgadora corria solto.
Com um pigarro para chamar a atenção, o detetive começou:
– Primeiramente devo dizer que o tema do bloco é sem pé nem cabeça, mas nestas épocas de festejos nada é estranho. Vamos ver:
Podemos começar ali com Otário, que vem do Lunfardo, a gíria da malandragem argentina. Eles usaram o nome dado à foca, animal bem conhecido na costa do país; lá ela é conhecida por otaria, que veio do Germânico otter, relacionado com o Grego hydor, “água”, que é o elemento preferido desse simpático animal.
Ela geralmente se mostra mansa e deixa as pessoas chegarem perto. Por essa característica, seu nome passou a designar “pessoa confiante, ingênua”.
O grupo todo aplaudiu e nosso herói foi em frente:
– Ali está Colírio, do Latim collirium, do Grego kollyron, “pasta aglutinante”, relacionado com kolla, “cola”.
E mais além vemos Delírio, do Latim delirium, “ato de agir como um louco”, originalmente “ato de o arado sair fora do sulco”, de de-, “fora”, mais lira, “sulco do arado”. Vejam só que formação mais expressiva temos aqui, é um belo exemplo de formação de palavra.
O grupo estava fascinado.
– E vemos ali com respeitável barba, que não sei se é de verdade ou faz parte de uma fantasia, nada menos que Assírio, que vem de uma cidade importante no antigo reino da Assíria chamada Ashshur, derivada de sar, “principe” no idioma local.
Com ar meio triste aqui se encontra Inglório, do Latim gloria, “fama, renome, grande honra”, de origem desconhecida, com o acréscimo do prefixo in, negativo.
Logo aqui, com ar de grandes expectativas, sorri para nós Casório, que vem de casamentum, que em Latim significava “terreno com casa”, isto é, uma área com uma edificação sobre ela.
Contrastando com ela ali está, com ar meio fúnebre, Velório. Você vem do verbo velar, do Latim vigilare, “vigiar, cuidar de”. É isso que se faz em relação a personagem principal de um velório.
Mas falemos de algo mais alegre, como de Martírio, que nos contempla com cara de cólicas. Sua origem é o Grego martyr, “testemunha”, possivelmente relacionado a mermairein, “estar ansioso ou pensativo”.
Hum, pensando bem, minha escolha não foi tão alegre. Mas não tenho culpa pelos componentes do bloco.
Olhemos então para Zimbório, tão alto e tão grandioso ali. O nome dessa cobertura de prédio com forma redonda ou de cebola vem do Grego kiborion, o nome dado ao fruto do nenúfar do Egito, uma planta aquática.
Interessante é saber que há uma outra palavra que vem dessa mesma planta.Olhem ali, é Cibório, o vaso onde são guardadas as hóstias da Igreja Católica e que também se usou para designar um pequeno abrigo formado por colunas e um teto, que protegia estátuas e outras imagens.
Prestem atenção, parece que o desfile vai recomeçar e mal tenho tempo para analisar o caso de Simplório, que deriva do Latim simplex, “único, simples”, de uma base Indo-Europeia sem-, “um, único”, mais plicare, “dobrar”. Aquilo que foi dobrado apenas uma vez não apresenta complicações para ser aberto, seja física seja metaforicamente.
Agora mexam-se, que o público os aguarda. Evoluam, mostrem-se, divirtam-se, façam seus papéis, pois muito se espera de vocês.