Palavra cebola

SALADA X-8

X-8 acaba de atender à sua última palavra-cliente e está com fome. Excepcionalmente, hoje tem vontade de comer verduras. Uma boa salada, é o que sua barriga pede, entre roncos.

Ele se lembra de ter lido que Chico Buarque de Hollanda, na década de 60, disse que gostaria de ter um sanduíche batizado com seu nome. Tinha chegado a pedir, num bar de estrada, um desses. O dono não sabia de que se tratava e o compositor (ainda não tão famoso) explicou como era e foi devidamente servido. Não se sabe se entrou para o cardápio.

O detetive fecha seu escritório, desce as escadas sujas do Ed. Éden e cruza a rua, entrando no Bar do Garcia.

Algumas mesas estão ocupadas, outras não. Os vidros estão empoeirados, os ventiladores de teto não funcionam, o chão desconhece a palavra “vassoura”. Enfim tudo normal por ali. Se fosse diferente, toda a clientela estranharia.

Garcia se encontra atrás do balcão. Gordo, baixo, suado, barba por fazer, está aparentando limpar copos com um pano de cor irrecuperável, cheio de furos. Enfim, o quadro de sempre. Se fosse diferente…

X-8 se encosta ao balcão e cumprimenta, sem ser retribuído. Como sempre.

– Prezado Garcia, hoje eu gostaria de saber se vocês servem a famosíssima salada que está fazendo furor nos círculos gastronômicos mundiais, de Paris a Jericoaquara. A receita é meio complicada, de modo que eu trouxe os ingredientes anotadinhos para você não esquecer. Está tudo aqui no papel, olhe:

Alface, cujo nome vem do Árabe al-khass, que era como eles chamavam esta erva composta que tem até propriedades medicinais.

Couve, do Latim caulis, “caule”.

Repolho, que é uma espécie de couve e que vem do Espanhol repollo, que por sua vez veio do Latim repullus, de repullulare, “produzir folhas em abundância”.

Vejo pelo seu olhar que você ou está olhando aquele exemplar de barata que acaba de entrar por baixo da porta da rua ou que talvez esteja se perguntando o que é que essa palavra tem com o nosso verbo pulular.

Sim, a origem é a mesma, e antes que surja a pergunta, desde já explico que o dito verbo nada tem a ver com pular ou saltitar; é usado com o significado de “lançar rebentos, existir em grande quantidade, reproduzir-se com abundância”. Mas que você tenha pensado nisso é por demais improvável, fiquemos com a hipótese da barata.

A salada há de ter também tomate, que veio do Espanhol tomate, para onde foi do Náhuatl  –  o idioma dos astecas  –  tomatl, “a fruta que incha”, que era o nome que eles lhe davam.

Quem fala em tomate se lembra logo da cebola, sua companheira inseparável de cozinha. O nome dela vem do Latim caepulla, um diminutivo de caepa, “cebola”.

Fará parte da salada uma cenoura, cuja designação possivelmente venha do Árabe vulgar sannaria, que provavelmente os camelos da caravana mastigavam para ajudar a passar os tediosos dias de viagem.

Isso sem falar no pepino, que vem do Francês pépin, “jovem árvore frutífera”de uma palavra latina, pappa, que originou nosso “papar”, coisa que as crianças gordinhas dizem muito seguido. Imagino que o amigo, quando era um pimpolho imberbe, muito tenha dito isso para a senhora sua mãe. Com plenos resultados, como se deduz de sua hoje em dia sólida figura.

(Uma das vantagens de lidar com Garcia era que o seu intelecto não alcançava alturas maiores do que o voo de uma lesma, tornando possível o exercício impune da ironia.).

Para acrescentar cor além de sabor, precisamos de pimentão, que é um aumentativo de pimenta, do Latim pigmentum, “corante”, do verbo pingere, “colorir, pintar, bordar”. Atualmente eles existem nas cores amarela, roxa, vermelha, verde, e ajudam a compor muito bem um prato.

Para colorir ainda mais, sugere-se uma beterraba, derivada do Francês betterave, do Latim beta, “beterraba”.

Naturalmente o amigo Garcia já deve saber há tempo que o sobrenome do imortal Ludwig van Beethoven queria dizer “campo ou granja de beterrabas”, recebido através de seu avô holandês.

Mas voltando à lista, um palmito vai bem igualmente, ele cujo nome vem de palma, derivado do Latim palma, “palma da mão”, pela semelhança das folhas com os dedos abertos das mãos.

Umas folhas de rúcula, chamada em Roma de eruca, poderão completar nossa salada.

– Veja bem, uma salada assim, bem temperada com a suas já conhecidas mãos  –  X-8 evitou olhar para estas  –  faria um sucesso estrondoso em seu renomado estabelecimento. Mais ainda, eu não cobraria nada pela receita, apenas gostaria, como uma homenagem à minha humilde pessoa, que o produto se chamasse Salada X-8, Detetive Imortal.

Garcia olhou para o palavroso detetive com a já conhecida mistura de desconfiança e irritação debaixo das sobrancelhas espessas e fez que não com a cabeça.

X-8 acrescentou, já desanimando:

– Só Salada X-8 então?…

Mais um aceno pouco amigável.

O detetive sabia quando se dar por vencido. Pediu uma torrada com bastante manteiga e queijo e foi sentar num canto, pensando que a imortalidade culinária jamais seria para ele.

Resposta:

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