Ao Espelho
Um dos primeiros atos do ser humano ao levantar pela manhã, enquanto a névoa do sono ainda não se dissipou, é encarar o espelho. Triste visão.
Os cabelos invariavelmente parecem ter sido pisoteados por uma manada de cabras dançando o frevo; a pele está amassada como papel que embrulhou peixe; os olhos estão empapuçados e sem brilho.
No caso dos homens, há uma barba despontando que os torna parecidos ora com mendigos em extremo grau de miséria, ora com bandidos psicopatas capazes de matar uma família inteira e sair para tomar picolé. No caso das mulheres, muitas vezes parece que elas jamais vão ter mais charme do que um chuchu maduro.
Felizmente, bastam uma pequena refeição, cuidados estéticos e de higiene para mudar em pouco tempo esse quadro tão atroz.
Mas, para isso, temos que dar atenção a diversas características do nosso rosto. Vamos ver a origem dos seus nomes agora.
CABELO – do Latim capillum. Entre os Romanos, só os homens livres o podiam usar longo. O dos escravos eram cortados rente, daí eles serem chamados de mutillum, “aleijados”.
Na Europa se fazia um xarope de avenca (idéia estranha, não? Ainda mais porque algumas devem ser tóxicas). O nome latino desta era capillaria. Em Francês, deu-se o nome capillaire a esse xarope. Daí que, em Português, temos a palavra capilé para dizer “xarope”. Pois é, esta palavra tem todo este jeito africano mas não é.
TESTA – em Latim, testa era originalmente “uma concha que servia de vaso”, e depois “vasilha de argila, tijolo”. Esse nome foi aplicado à região entre sobrancelhas e raiz do cabelo provavelmente devido à forma arredondada. Aliás, em Italiano testa hoje quer dizer “cabeça”. Em Francês se diz tête; o circunflexo sobre o “E” significa que antigamente havia um “S” depois: teste.
Como para verificar a pureza dos metais se usavam vasos de argila especialmente resistentes ao calor, testar passou a significar também “avaliar a qualidade de, examinar”. Assim, os recipientes de argila romanos estão presentes hoje quando testamos um carro ou quando são feito testes com uma nave que vai para os confins do sistema solar.
SOBRANCELHA – do Latim supercilia, “acima dos cílios”. Cilia era “qualquer processo com aspecto de cabelo”, e parece vir de celare, “esconder”. Os ingleses têm a palavra supercilious, significando a pessoa que levanta as sobrancelhas em gesto de desagrado, julgando que tudo que se lhe apresenta está abaixo do que ela merece.
OLHOS – do Latim oculum. Sim, daí veio diretamente o nome dos óculos que precisamos usar quando os nosso braços encurtam. E usamos os óculos, não o óculos!
Por extensão metafórica, oculum passou a significar “broto, rebento de planta”. Ainda hoje se fala nos “olhos” da batata.
Juntando-se o prefixo in-, “dentro, em” se fez o verbo inoculare, “enxertar um broto ou qualquer parte de uma planta numa outra”. No século 18, a palavra inocular foi aplicada à noção de “enxertar antígenos” numa pessoa para evitar que ela contraia uma doença. Esse processo também é conhecido como “vacinação”.
PUPILA – em Latim, puppa significa “criança, menina, boneca”. No masculino, é puppus.
Se uma pessoa chega bem perto de outra e olha com atenção a pupila, ver-se-á refletida em tamanho pequeno, como se estivesse enxergando uma pequena boneca. É por isso que a abertura por onde passam os raios luminosos para atingir a retina, no fundo do olho, se chama pupila. Essa é a razão de ela ser chamada também “a menina dos olhos”.
E é por isso que alguma coisa muito cara a uma pessoa recebe o nome de “menina dos olhos”, (“tal projeto era a menina dos olhos de Fulano”…) significando que lhe é tão preciosa quanto a visão.
O diminutivo de puppus, puppa, era pupillus, pupilla. Era usado também para dizer “órfãos”. Como estes costumavam ser recolhidos a instituições que se dedicavam a instruí-los, o sentido passou a ser o de “pessoa sendo ensinada”, daí os pupilos de hoje, bem como o pupil inglês.
GLABELA – esta palavra poucos conheciam, confessem! Ela se refere ao espaço entre as sobrancelhas, que na maioria das pessoas não tem pelos. Vem do Latim glaber, “calvo, sem pelos”. Uma pessoa careca é glabra. Temos áreas glabras na pele, como a planta dos pés e a palma das mãos.
ORELHA – uma raiz Indo-Européia aus- indicava “percepção”. Daí se fez, no Latim, auris, que tinha como diminutivo auricula e que, passando por oricla, deu a nossa “orelha”.
Os fones de ouvido são chamados “auriculares” por que são colocados na orelha.
NARIZ – o Indo-Europeu nas e o Sânscrito nás passaram ao Latim nasus, “nariz, olfato, bom gosto”. Havia também um outro sentido neste idioma: o de “sujeito engraçado, espírito gozador”, decerto porque uma pessoa assim muitas vezes enfia o nariz na vida alheia.
Daí derivou naricae, “ventas, narinas”.
MALAR – é o osso transversal logo abaixo de cada olho, “as maçãs do rosto”. Em Latim, o maxilar superior se chama mala. A história de “maçãs do rosto” teve origem, ao que parece, de uma confusão entre esta palavra mala e malum, “maçã, fruto”, já que, por mais que a gente olhe, esta parte do rosto não faz lembrar uma fruta de qualquer espécie.
LÁBIOS – do Latim labrum, que veio do Indo-Europeu leb. Em Inglês, isto resultou em lip. Deste se formou o lipstick, “bastão de lábio”, que em Francês inicialmente era chamado bâton de rouge, “bastão de vermelho” e que virou batom em nossa língua.
QUEIXO – capsa em Latim é “caixa”. Alguém um dia achou a mandíbula semelhante a uma caixa. Era época de dar nomes às coisas, e havia tanto para nomear…
Mas “queixar-se” não vem daí, não. Em Latim, quassiare significa “sacudir, golpear, bater”. Quando a gente está se queixando, dá vontade de fazer tudo isso, não dá?
BOCA – em Latim, diz-se bucca. Veio do Sânscrito mukham, “mucosa”.
Também se podia usar os, mas esta palavra abrangia também “face, expressão”. Ore durissimo era como os romanos diziam “cara de pau”. Daqui derivaram palavras como oral, oração, oratório.
Bocado é o que cabe na boca; daí o seu significado inicial de “pequena porção”, passando depois a significar “grande, volumoso” por oposição.
“Boca” também originou bocal e bocejar, entre outras. Bochecha veio de buccarum, “cavidade das bochechas”.
LÍNGUA – do Latim lingua. Havia entre os romanos uma taxa chamada linguarium, que era uma multa cobrada de quem falava demais. Ah, sabedoria dos antigos que hoje nos faz tanta falta…
Por óbvio, o nome desta parte da face se aplicou aos idiomas em geral, já que as palavras são moduladas em grande parte pela língua.
DENTES – em Latim, dens. A foice de Saturno, que ele às vezes usava para colher humanos, era chamada “O dente de Saturno”.
O profissional que cuida dessa parte de noso corpo é o dentista.
As palavras de cunho erudito relativas a dentes, em nosso idioma, derivaram na maioria do Grego odontós, como odontologia, odontalgia, odontognato, odontoscópio.
ROSTO – em Latim, rostrum é “bico, esporão das aves”. Também designava “tribuna” porque estas plataformas para palestras no Foro de Roma foram enfeitadas com as proas dos navios capturados em Antium em 338 AC, as quais tinham um esporão, co
mo cabia a navios de guerra. Em Inglês, rostrum ainda é usado como “tribuna”.
Rostrum primeiramente era aplicada ao nariz, mas como este é a parte mais proeminente da face, acabou sendo usada para a face em si, tomando-se a parte pelo todo.
FACE – como sinônimo de “rosto”. Tem uma base pré-histórica fac-, com o significado de “parecer”, que gerou o Latim facies, originalmente com o sentido de “aspecto, aparência, forma”. Por extensão, passou a significar “rosto”. Originou as palavras fachada, superfície e outras.
Em Medicina, facies composita é uma maneira de descrever o rosto de uma pessoa que não expressa qualquer anormaidade. Facies hipocratica é a expressão usada para o rosto de quem está em estado terminal, pálida, olhos baços, nariz afilado.