AMIGOS DO ALHEIO
A vizinhança de meu avô estava agitada devido a um furto que tinha acontecido numa casa.
Eu já lhe tinha dito que ia dormir na casa dele para proteger meus queridos avós, mas ele argumentou que tão cedo os responsáveis não iam voltar.
Já que era esse o assunto, resolvi me exibir um pouco:
– Vô, no outro dia li na Internet a origem da palavra ladrão. Vem da voz dos cachorros, que ladram quando percebem que há algum estranho rondando.
O velho me olhou como se eu fosse alguma coisa retirada por uma rede das profundezas marinhas e nunca vista antes:
– Meu caro neto, acabo de ouvir uma das maiores besteiras que a mente humana já perpetrou. Mas sei como é esse assunto de Internet, qualquer um diz uma besteira e os outros acreditam.
Olhe aqui, essa palavra vem do Latim latro, originalmente “soldado mercenário grego”, que mudou depois seu sentido para “bandido, aquele que rouba ou furta”. Quando ela foi inventada, não era mesmo de se esperar que um soldado se comportasse muito bem.
O que me lembra uma história antiquíssima: atribuía-se a origem da palavra larápio a um pretor corrupto da época de Roma clássica chamado Lucius Antonius Rufus Appius. Como os prenomes latinos eram poucos e portanto muito repetidos, ele se assinava L. A. R. Appius.
Mas não há qualquer confirmação sequer da existência dele, para não falar que a palavra é de surgimento bem mais recente.
Essa falsa etimologia é tão antiga que eu aprendi quando tinha aulas de Latim, veja só. Sim, na época em que os mastodontes nos espreitavam quando saíamos da aula nas cavernas.
– Ah, que fora que eu dei! Para esquecê-lo, conte então de onde veio roubo.
– Essa é do antigo Francês rober, do antigo Germânico raub, “romper, quebrar”. Deve ter sido inventada quando o ato de tirar de alguém as suas posses era acompanhado de um crânio partido. Não tinham chegado ao avanço civilizado de agora, quando o que rouba usa traje e gravata e foi eleito pela gente.
– Indignado, hein, Vô? Com razão. E o que você pode dizer sobre furto?
– Digo que veio do Latim furtum, “objeto roubado, atividade ilícita, roubo”, de fur, “ladrão”. Esta era outra palavra que se aplicava aos que roubavam.
Voltando, os representantes do povo a que me refiro, salvo honrosas exceções, podem ser descritos também como embusteiros, que veio de impostor, do verbo latino imponere, “impor”. E esta palavra veio de in-, “em, dentro” mais ponere “colocar, botar”. Uma pessoa que se coloca dentro de uma posição falsa pode convencer os outros e tentar obter certas vantagens.
– E quem comete uma fraude?
– Esses são o fraudulentos, em Latim fraudulentus, “trapaceiro, mentiroso”, de fraus, “mentira, engano, delito”.
– E os trambiqueiros?
– Aí você me pegou; essa origem é desconhecida. Mas posso contar que trapaceiro vem do Latim trappa, “armadilha”. Quem vai atrás da conversa deles cai numa verdadeira armadilha.
Outra gente perigosa são os punguistas. Essa palavra veio do Lunfardo punga, “ato de roubar algo da roupa de alguém”. E isso veio de um termo do sul da Itália, punga, usado para “bolso”, o qual parece ter vindo de um Germânico punge, “bolsa”.
Esses são chamados também de mão-leve, mas acho que não preciso explicar a origem desta, não é?
– Não precisa, não; sou mais esperto do que pareço, Vô.
– Bem que eu achava. Então vou explicar a origem de gatuno: veio do Espanhol gatuno, “relativo a gato”.
– E por que? O seu gato Ernesto não bate carteiras. Olha ali a carinha dele acompanhando a nossa conversa!
– Pergunte à sua avó. Por carteiras ele não se interessa, mas se ela deixa algum pedaço de carne à vista, ele imediatamente exerce o seu direito de posse ancestral. Não é, Gato?
O felino respondeu com um miado afirmativo e nós rimos.
– Uma vez o Pai disse que um amigo dele era caloteiro e eu fiquei pensando que ele se dedicava a roubar as calotas das rodas dos automóveis. Mas acho que estou enganado, não?
– Está, sim. Não há certeza, mas parece que essa palavra veio do Francês culotte, que se aplicava à última peça do jogo de dominó que sobra na mão do jogador, mostrando que ele perdeu a partida.
Enfim, todos aqueles de quem falamos hoje são facínoras, do Latim facinus, “ato, feito, ação, atentado”, de facere, “fazer”. Fazer coisas más, claro.
Eles são também delinquentes, do Latim delinquere, formado por de-, aqui com o sentido de “de todo, completamente”, mais linquere, “deixar, abandonar”. A noção é a de uma pessoa que deixou de lado as leis e o respeito pelos outros para atender os seus interesses.
E agora que já resmunguei bastante contra esse tipo de gente, vamos encerrar nosso papo tão brilhante.