Ué, nunca vi isso antes. Chego em minha sala de aula e, em vez de encontrar a costumeira desordem, vejo todos os meus aluninhos quietos e concentrados ao redor de minha mesa. O que é que vocês têm aí, crianças?
Ah, um osso de dinossauro pequeno, como foi que não pensei nisso antes! Quem o encontrou no pátio foi o Soneca, antes de começar sua sesta habitual, é?
Hum. Curioso, o osso apresenta mordidas recentes. Será que houve uma luta jurássica aqui no pátio antes de vocês entrarem?
Enquanto pensamos nesse mistério, sentem-se que vou aproveitar a ocasião para ensinar algo sobre a Etimologia dos ossos do corpo humano.
Como, Valzinha? Você está certa, os ossos da alma é que não iam ser, a menos que… Claro, a menos que sejam da alma da sua vizinha de cima, que pertence a uma religião que acredita que a alma tem ossos. Certo, agora vamos aprender algo.
Vamos ver, de cima para baixo… Pena que não temos as figuras para mostrar aqui.
Bem no topo do crânio – palavra que vem do Latim cranium, do Grego kránion, “crânio, parte alta da cabeça”, relacionada a kara, “cabeça” – vêm os parietais, um de cada lado, cujo nome vem do Latim paries, “parede”. Eles aparentam ser paredes laterais do cérebro.
Um pouco à frente e abaixo deles, junto às orelhas, vêm os temporais… Eu sabia. Sabia que todos iam uivar como o vento numa tempestade e perguntar o que é que os pobres ossos têm a ver com mau tempo.
Não há relação com o temporal climatológico, pessoal, e sim com o tempo. Ocorre que é por essa região que começam a branquear os cabelos dos homens, assim dando a noção de que o tempo está correndo para eles.
Ou pelo menos isso acontecia antes de eles começarem a pintar o cabelo e a ficarem ridículos.
Lá atrás, na nuca, temos o occipital, cujo nome se formou em Latim a partir de ob-, “contra, atrás”, mais caput, “cabeça”. Ou seja, “a parte de trás da cabeça”.
E lá na frente, formando a testa, está o frontal. Seu nome vem do Latim frons, “testa, sobrancelha, aparência, fachada, face”. Em nosso idioma, fronte é sinônimo de cenho, testa.
Certo, Soneca, vou falar mais devagar para você poder copiar melhor. Nunca o vi tão interessado, que coisa estranha.
O osso do queixo é a mandíbula, do Latim mandibula, relacionado a mandere, “mastigar”, pois ela se dedica muito a essa atividade.
Querem saber? Não vou mais citar de que idioma vêm os nomes, pois todos eles são do Latim, desde que se sistematizaram as palavras em Anatomia.
Bem; o osso onde ficam os dentes superiores é o maxilar, do Latim mala, “queixo, osso facial”.
Acima dele temos o malar, aquele que fica debaixo dos olhos, também derivado de mala. Atualmente está na moda rechear os tecidos que ficam sobre ele com materiais que fazem a respectiva portadora parecer parente de alguns batráquios.
Indo ali para o pescoço, vemos que ele é composto por peças que se encaixam muito bem entre si e que vão até abaixo da cintura, as vértebras, cujo nome parece vir do verbo vertere, “dobrar, torcer”, já que elas funcionam como se fossem dobradiças.
Na parte superior e posterior das costas temos as escápulas, de scapula, “ombro”, talvez originalmente com o sentido de “pá”.
O interessante é que escápulas de animais grandes foram mesmo usadas primitivamente como pás. Mas isso foi na época em que não dava para ir ali na ferragem da esquina comprar uma pá decente.
E na frente, abaixo do pescoço, temos um par de ossos que os artistas principiantes costumam esquecer de representar em seus quadros e pinturas, deixando as pessoas aleijadas: as clavículas.
Esta palavra vem de clavis, “chave, tranca de porta”. Por seu formato, ela lembra uma tranca curta de porta. Mas claro que você não sabem mais o que é isso, porque atualmente todos precisamos de fechaduras fortes e complexas para segurar nossas portas.
Pelo tórax abaixo, formando uma verdadeira grade de proteção, temos as costelas.
Elas se articulam com as vértebras, na face posterior do corpo, e formam um arco que vai até à frente, unindo-se na maioria ao esterno, na face anterior. O nomezinho delas vem de costa, “lado, costa”.
Calma, já vou falar no esterno, Soneca! Que impaciência! Essa palavra vem de esternum, do Grego sternon, “tórax, peito”.
Não, espertinhos, nada a ver com externo, não! Esta palavra vem de externus, “do lado de fora”. Viram por que é importante saber escrever direito? Uma letra errada e você
podem fazer uma grande besteira.
E agora, tomando o caminho dos membros superiores, temos que o braço tem um osso chamado úmero, outro nome usado em Roma para “ombro”.
O antebraço tem dois ossos longos. O rádio – eu sabia que todos iam perguntar se não existe um osso chamado “TV”, “Internet” e outras graciosidades. O nome dele vem de radius, aqui com o significado de “vareta de roda, estaca”, pelo formato e proporções.
Acompanhando-o temos a ulna, de ulna, do Grego olene, “cotovelo”.
Sei que todos os espertinhos presentes vão querer saber do nome cúbito, mas ele não é oficial há muitas décadas. Ele vem de cubitum, outro nome para “cotovelo”.
Na base do punho há um grupo de ossos pequenos, delicados e muito importantes para a mão. São os ossos do carpo, de carpus, do Grego karpós, “punho”. São tão miudinhos e aparecem tão pouco que por ora não vou falar sobre eles.
Assim como vou ser breve sobre os do metacarpo, ou “além do carpo”, do Grego metá-, “além’. Esses são os ossos que aparecem em destaque no dorso da mão. E que se quebram com facilidade quando se vai dar um soco em alguém. Se os socos que a gente vê os heróis dando nos bandidos nos filmes com a mão nua fossem de verdade, todos estariam aleijados há muito tempo.
E, para terminar o membro superior, temos os ossos dos dedos ou falanges, de phalanx, “estaca, falange de infantaria”.
Func, func! Ahá, bem que eu achava! O Arturzinho aqui está com um cheiro de galinha assada na pele do rosto que não pode ter vindo de nenhum sabonete. Acho que deslindei o mistério andando entre vocês: esta figurinha aqui trouxe de casa uma perna de galinha para se distrair antes da aula e largou o resto sobre a minha mesa; o Soneca ali viu o osso e logo inventou uma história.
Bem, valeu por nos dar material para uma interessante aula. Nosso horário terminou; na próxima vez tem mais ossos.