GLÂNDULAS
O detetive está à escrivaninha de seu escritório de investigação etimológica. Batem à porta.
Corajosamente ele manda entrar. Pelo menos é o que parece. Na verdade, ele sabe que se trata apenas do grupo de clientes que marcou hora para hoje.
São palavras que estão aproveitando a oferta especial para grupos de palavras correlatas que ele há tempos anuncia por meio de folhetos impressos em computador. Ele paga meninos e palavrinhas para colocá-los nos postes e nas numerosas fachadas de casas abandonadas que pontilham as ruas.
Em silêncio, olhando ao redor, entra um grupo de palavras. Como sempre, dá para ver que elas ficam maravilhadas com aquele aposento saído de uma novela de detetive dos anos 50. E mais ainda por estarem na frente do famosíssimo Defensor das Palavras, conhecido por todas elas, e tão ávido de lhes contar suas origens quanto de encher seus bolsos.
Com ar de domínio, ele começa a falar assim que as clientes se acomodam como podem:
– Hoje então é o dia de lidar com as palavras que são usadas para denominar os órgãos que fazem determinadas substâncias com função definida em nosso corpo.
Vamos começar ali por glândula, que olha suas colegas com aquele ar de avó de todas. Ela deriva do Latim glans, “bolota, fruto do carvalho”. Claro que nem todas se parecem com a bolota que o Tico e o Teco vivem querendo comer. É possível até que elas tenham sido originalmente confundidas com os nódulos linfáticos inchados por algum processo inflamatório.
O produto dela se chama hormônio, do Grego hormon, “colocar em andamento, estimular, impulsionar”, de horme, “impulso, ataque”.
Vejo que nosso amigo fígado ali no fundo está impaciente por ser mencionado. E com razão, pois é a maior glândula do corpo humano. Muitas vezes ele é chamado de figo por pessoas com menor preparo cultural, e o pior é que com isso elas não estão longe da verdade.
Em Grego ele era chamado de hepar. Mais tarde, quando os gansos passaram a ser criados para produzir patê, o famoso pâté de foie, eles eram mantidos numa gaiola para não se movimentarem muito, com o que poderiam emagrecer. Eram também superalimentados com uma dieta de figos, com a finalidade de que a maior glândula deles ficasse especialmente rica em gordura.
Com isso esses órgãos passaram a se chamar, em Latim, hepar ficatus, algo como “fígado tratado a figo”. E com isso surgiu o nome atual para tal glândula.
Mas, em derivados cultos, hepar se mantém, como é o caso de hepatócito, hepatite, hepático e outras.
As palavras estavam hipnotizadas, de boca aberta. Daria para ouvir uma cabeça de alfinete caindo no chão, se alguém se desse ao trabalho de levar uma ao escritório empoeirado.
O detetive continuou:
Logo ali está tireoide. Seu nome foi definido no final do século XV a partir do Grego thireoides, “com forma de escudo”, de thyreós, “escudo alongado”, literalmente “objeto que lembra uma porta”, de thyra, “porta”.
Ao lado dela se encontram, como era de esperar, as inseparáveis paratireóides. Elas são glândulas que se encontram junto à tireóide e por isso levam o nome desta com o prefixo para-, “ao lado”.
Subindo um pouco e entrando pelo cérebro, encontramos, muito bem protegida, a hipófise. Seu nome vem do Grego hypophisis, “crescimento, inchaço”, literalmente “o que cresce entre”, formado por hypo, “abaixo”, mais phyein, “crescer”.
Em épocas em que o estudo da Anatomia ainda não estava bem desenvolvido, esta glândula recebeu o nome de pituitária.
Isso porque se acreditava que era dali que provinha a secreção mucosa do nariz, chamada em Latim pituita. Mais tarde se descobriu que a glândula é formada por mais de uma parte, com origem e funções bem distintas.
Pouco distante dela, cérebro adentro, fica a glândula pineal, que vem do Latim pinus, “pinheiro, pinha”, porque ela tem o formato de uma pequena pinha. Pequena mesmo, pois o órgão não chega a ter um centímetro de comprimento.
Também no crânio, mas em situação externa, estão as glândulas salivares, aquelas que fazem este vosso humilde servidor babar quando sente o tentador cheiro dos venenos de bacon e queijo torradinhos que o Bar do Garcia, logo aqui à frente de meu escritório, oferece aos seus clientes.
Se levarem um papel com minha assinatura, ganham um desconto que reverterá em meu benefício ao longo de futuros lanches.
Essas glândulas devem o seu nome ao Latim saliva e ao Grego sialon, possivelmente de uma fonte com o significado de “lubrificar”. Em Medicina a forma grega está mais representada, como é o caso de sialorreia, “salivação em excesso” e sialadenite, “inflamação de glândula salivar”.
A maior delas, que fica logo adiante das orelhas, tem um nome específico: são as parótidas, do Grego para-, “ao lado”, mais otós, “ouvido”.
No tronco se encontram as glândulas mamárias; esta palavra vem do Latim mamma, “mama, seio”, e certamente se forma por uma reduplicação de balbuciar infantil, talvez imitando o ruído feito ao sugar o leite.
Aparentemente a nossa interjeição “nham, nham”, provavelmente cópia do Inglês americano yum yum, usada em referência a algo muito agradável aos sentidos, principalmente ao gosto, se liga ao que acabamos de dizer.
Já no abdome se encontram as adrenais; este nome indica que elas estão junto “ao rim”, em Latim ad renes. Elas são as responsáveis por secretar a famosa adrenalina, que deve seu nome ao local onde é fabricada.
Um pouco acima delas está o pâncreas, do Grego pankreas, o nome do órgão, formado por pan-, “todo”, mais kréas, “carne”. Isso porque ele aparenta ser um órgão todo com a mesma consistência.
Descendo no corpo, estão os ovários na mulher. Está na cara que a origem é o Latim ovum, “ovo”.
Órgãos correspondentes são, no homem, os testículos. Esta palavra é um diminutivo do Latim testis, o nome dado ao órgão; ele vem de testa, nome genérico para qualquer vaso de argila cozida, mas particularmente para os que eram usados para o vinho.
Devido ao formato, em Italiano se chama de testa a cabeça; em Português aplicamos essa palavra à parte frontal da cabeça.
Perto deles fica a próstata, que faz líquido seminal; seu nome vem do Latim pro-, “à frente”, mais stare, “ficar, estar”; isso porque ela fica na frente da bexiga.
Uma glândula pode ser endócrina quando verte para o sangue os seus produtos, para ele irem exercer ações à distância. Esse nome se formou do Grego endo-, “para dentro”, mais o verbo krínein, “separar”.
Se ela coloca para fora do corpo o que faz, como no caso das glândulas sudoríparas e salivares, elas são exócrinas, de ex-, “fora”, mais krínein.
Bem, caras clientes, já dei a orientação que as presentes queriam. Encontro-me sempre à disposição de suas conhecidas, que defendo até à morte contanto que paguem adiantado.
Uma boa noite.