FRANGO
– Olá, Vô, como é que um frango faz para brilhar?
Em sua poltrona de couro escuro, o esguio cavalheiro com curta barba branca e olhos claros me olhou com ar de espanto:
– E esta agora, meu jovem? Espere um pouco que vou chamar o pessoal do Manicômio para o levarem. Mas não se preocupe, em três ou quatro anos você melhora e sai de lá.
– Nada disso, Vô. É que eu li em algum lugar a expressão fulgura frango e como o senhor uma vez me ensinou que esse verbo quer dizer “brilhar, emitir luz”, vim saber se eles são inflamáveis ou geram energia nuclear ou…
– Pare, pare antes que eu sofra um infarto. Sente-se aqui que já percebi o seu problema.
Preste atenção: essa frase não é em Português e sim em Latim. Não quer dizer “brilha o frango” mas sim “parto, rompo os raios” e era uma frase muitas vezes escrita em sinos, que eram tocados para afugentar os raios numa tempestade, Aqui, fulgura é o plural para “raio” e frango quer dizer “parto, arrebento, rompo”, do verbo frangere. .
– E dava certo, Vô?
– Claro que não, mas nem por isso o pessoal antigo deixava de badalar seus sinos.
– Muito bem, mas qual é a origem do tal frango?
– Não se sabe ao certo. Existe a hipótese de que venha de frangere porque a carne dessa ave era considerada mais macia para comer.
Essa palavra tem origem numa fonte Indo-Europeia bhreg-, “quebrar, partir”. Temos hoje muitas descendentes dela em nosso idioma.
– Eu frango, tu frangas, ele franga…
– Quieto, animalzinho; esse verbo não existe. Mas, por exemplo, temos fragmento, de fragmentum, “resto, remanescente, pedaço de coisa quebrada”, desse frangere.
– Parece que mudou bastante até.
– Espere até saber de naufrágio então.
– Essa não!
– Essa sim; veio de nau, “barco, navio”, mais fragus “o que quebra”. Se o seu barco quebrar você vira um náufrago.
E, já que falei em fragmento, podemos falar em fração. Vem do Latim fractio, “aquilo que é partido, quebrado”, de frangere.
Temos também fractal, o nome dado a certas figuras geométricas ou físicas que apresentam as mesmas características em qualquer escala. Foi inventada em 1975 por um matemático francês e cunhada a partir do Latim fractus, “quebrado, desparelho”, de…
– Frangere!
– Muito bem, não esperava que você tivesse aprendido alguma coisa.
– Viu só, não sou propriamente um fracasso… ei, vai me dizer que esta também deriva de nosso frango?
– Ele deriva de uma mistura feita no Italiano das palavras latinas frangere e quassare. E esta é uma alteração de quatere, “sacudir, chacoalhar, bater”, por extensão “ameaçar, quebrar”.
Falando em quebrar, frágil também é da família; vem do Latim fragilitas, “propenso a quebrar, frágil”, relacionado a frangere.
– Essa também se apresenta bem diferente.
– Olhe só para saxífraga, uma planta que cresce em rochas. Veio do Latim saxum, “pedra, rocha”, mais fragus. Tem a fama de quebrar pedras.
– E quebra mesmo?
– Não. Mas há muito tempo se faz chá de saxífraga, ou “quebra-pedra”, para usar no caso de cálculos renais, ou pedras nos rins, como diz o povo.
Não adianta coisa alguma, mas dá para entender a analogia: se ela nasce nas pedras, é porque as quebra para crescer; se as quebra vou tomar para aliviar minha doença.
– Melhor ir consultar, né?
– Verdade. E agora colherei a ocasião para citar a ossífraga, ou águia-marinha, cujo nome vem do Latim ossus, “osso”, mais fragus.
– Ela quebra ossos mesmo?
– Quebra. Ela agarra ossos que sobraram do ataque de outros animais, alça vôo com eles e os deixa cair sobre as rochas, partindo-os para depois fazer a sua refeição. É muito grande e chega a pegar animais como filhotes de herbívoros.
– Que medo…
– Medo você tem que ter é de não estudar. Isso é mais perigoso do que ser apanhado por uma águia faminta.
Acabo de me lembrar de mais uma: sufrágio. Veio do Latim suffragium, “apoio, voto, direito ao voto”, de sub-, “sob, debaixo”, mais fragor, “ruído, gritaria (no caso, de aprovação)”, relacionado a frangere.
E infração vem do Latim infractio, “quebra, ruptura, enfraquecimento”, de infringere, “quebrar”, de in-, “em”, mais frangere. Já refração, “mudança de direção de uma onda”, vem de re-, “para trás, de volta”, mais frangere.
Bem, aí está o seu frango, meu rapaz. Agora chega de aprender, vamos nos dedicar um pouco ao descanso.