Palavra insinuar

FOFOCAS

Ai, Jesus, trazei-me a luz! Santa Epitáfia, segurai esta Máfia! Santo Antão que pare esta confusão! Santa Nicomédia que cesse esta tragédia! Santa Irmandade que não haja mortandade!

O que é isto? Uma batalha campal pior do que as das Cruzadas em minha sala de aula? Uma puxa o cabelo da outra, que dá um soco num menininho, que rasga a blusa de uma colega, que dá um pontapé de tipo proibido em qualquer esporte brutal no infeliz que está mais perto, que morde a orelha de outro que está dando pulos na menina que está caída no chão depois de ter derrubado dois colegas…

Já-já, todos parados! Cada um no seu canto, quietinho! O que foi que houve por aqui para desencadear esta fúria infernal? Como, Valzinha? Ah, a Patty lhe contou que a Maria Tereza disse que ouviu falar que a Aninha e o Sidneizinho disseram que…

Ora, nada disso justifica tamanha carnificina; são fofocas e vamos já saber algo sobre essa palavra e correlatas, enquanto eu arrumo a sala e vocês esfregam os machucados.  Nessa idade vocês ainda não sabem dizer o que é verdade ou não e ainda não aprenderam a se controlar.  Não sabem que a gente precisa contar até dez mil antes de começar a brigar.

Para começar, uma certa decepção, pois não sei dizer com certeza  qual a origem justamente da palavra fofoca, que acabo de utilizar. Consta que ela seria de origem africana, talvez Banta, mas é só.

Em compensação, posso dizer a origem de calúnia, que veio do Latim calumnia, “falsa acusação” do verbo calvi, “enganar”. Em Direito, uma calúnia é atribuir de má-fé a outra pessoa um ato criminoso. Ou seja, não pode ser verdade. Se alguém disser que o Fulano é um ladrão e ficar provado que ele roubou não é calúnia, é constatação.  Nesse caso, não votem nele!

Há pessoas que, para espalhar notícias maldosas, mesmo que não fundamentadas, se metem na vida alheia para fuxicar. Esta palavra parece vir de futricar, que deriva do Francês foutriquet, “indivíduo desprezível, que não merece ser levado em consideração”.

Para chegar às informações, elas se dedicam a xeretar, que antes se escrevia cheiretar e deriva de cheiro, pois elas andam que nem cachorro atrás de qualquer cheiro de informação para passar adiante com foros de verdade.

Sim, Valzinha? Ah… não creio que a classe se interesse por saber o que a sua vizinha fez com o marido quando ele chegou em casa cheirando a perfumes alheios.  Não, muito obrigado, não insista; esta sala está cheia de menores de idade.

Não, crianças, não adianta pedirem para ela contar que ela está proibida. Vamos voltar ao nosso assunto.

Mas antes devo registrar aqui que a Valzinha, quando for grande, vai ser uma grande mexeriqueira.

Esta palavra vem de mexer, que deriva do Latim miscere, “misturar, mesclar, confundir”. Alguém que se interessa pela vida alheia coisas mexe com assuntos que não são de sua competência e que devem ser deixados apenas para os interessados.

Ao passarem adiante boatos, elas podem prejudicar os outros. E estes se originam… Como, Ledinha? Não, não é do Inglês boat, que invenção é essa? Acha que Etimologia é só juntar palavras parecidas? Ela vem do Latim boatus, “mugido, grito”, de bos, “boi”.  Boatos são isso, apenas barulho sem importância.

Outras coisas que não devem ser feitas são bisbilhotices, do Italiano bisbigliare, “fazer sons com os lábios, falar, discorrer”, do Latim fabulari, “discursar, falar”.  No caso, falar sem base na verdade.

Sim, Patty, muito bem, fábula vem também dessa origem. Vocês conhecem as fábulas: são historinhas de elevado conteúdo moral e ético para edificação das crianças: lidam com o Lobo comendo a Ovelha, com o Leão mandando sobre os outros animais só porque é o mais forte, com a Cegonha devorando todos os sapos do lago, com a Águia devorando o bebê da Coruja…

Pensando bem, vamos voltar ao nosso assunto. Não, não vou contar nenhuma dessas fábulas.  E parem de gritar!

Como eu ia dizendo, há muitas palavras relacionadas ao assunto de fofocas e mentiras. Olha só esta aqui: mentira vem do Latim mentiri, “enganar, dizer falsidade”, de menda, “falha, defeito”.  Dizer uma mentira não demonstra um defeito de quem fala?

A palavra remendar vem daí, de re-, “para trás, de novo”, mais menda: trata-se de voltar atrás para consertar um defeito.  Nem sempre se consegue, mas a intenção é boa.

Muitas pessoas gostam de se intrometer na vida alheia. Esse verbo veio do Latim intromittere, “fazer entrar, admitir”, formado de intro-, “para dentro”, mais mittere, “dirigir, lançar, mover, impelir”.  Ou seja, o intrometido gosta de entrar nos assuntos dos outros.

Temos também a intriga, que deriva do Latim intricare,    “entrelaçar, emaranhar, embaraçar”,  formado por in-, “em”, mais trica, “brinquedo, perplexidade, truque”. Numa intriga os fatos ficam todos enovelados, misturados, e já não se sabe o que aconteceu mesmo e o que foi inventado.

Do Latim também veio maledicência, formada por male, “mal” e dicere, “dizer, falar”. Não é preciso explicar mais nada, né?

Muitas vezes o maledicente não afirma nada, apenas insinua e deixa que a notícia se espalhe, piorando a cada vez que é recontada.

Esse verbinho – não, Joãozinho, nada a ver com “nua”, seu depravadinho – é do Latim insinuare, “trazer por vias tortas, através de curvas”, de in-, “em”, mais sinuare, “dobrar, torcer, curvar”, de sinus, “curva, dobra”.

A Física e a Matemática usam muito os derivados desta palavra, como “seno”, “sinusoide”… Hein? Não, crianças, “senil” não vem daí – e por que estão achando tanta graça e me olhando esquisito assim?

Enfim, quando a gente aprende Etimologia começa a ver como muitas palavras são expressivas que nem esta.

Outra atividade que faz mal aos outros é contar lorotas. Na Faculdade aprendi que a origem dela seria o Grego leron, “falar”; mas não sei por que, não fiquei muito convencida.

Chegou o momento de irem para casa e colocar curativos nos machucados e aprender que não se deve fazer fofocas e coisas do estilo, porque a gente pode sair dolorido dessa.

Resposta:

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