Palavra lustro

O Tempo

Este tempo não passa! A turma está incontrolável e a hora da saída está longe ainda! Os segundos parecem minutos, os minutos são horas!

Como, Ledinha? Não, nada, estou apenas resmungando. Coisas de uma pessoa cujo destino a faz pagar por coisas que deve ter feito em outra vida, que nesta nada justifica tamanho penar.

Muito bem, já tive a inspiração que me faltava. Meninos, deixem de acossar a Maria Tereza. Val, pare de falar. Zorzinho, pare de escrever. Soneca, acorde e continue dormindo. Mariazinha, pare de tentar uma reunião de cúpula com os meninos. Agora vamos fazer uma roda aqui no chão e vamos falar do Tempo, essa coisa que assusta tanto os seres humanos.

Não, Ledinha, não interessa se o tempo agora está chuvoso ou não; nós vamos falar nele com o sentido de “passagem dos momentos”. Realmente, o nosso idioma se presta a essa confusão porque, desde o século 16, tal palavra passou a significar também clima.

Os ingleses não sofrem disso, pois têm uma palavra para clima, weather, e outra para o tempo que nos envelhece, que é time.

No início, os romanos usavam tempus para designar “estação do ano, medida de uma sílaba para fazer poemas”.

Houve até agora diversas maneiras de medir o transcorrer do tempo. Não vamos hoje falar nos mecanismos usados, mas sim nas unidades que eles marcam.

Está certo, Robertinho, é fácil ver as horas no relógio digital, mas na época antiga não existia nem o despertador do seu avô.

Já que você falou em hora, vou contar que hora, em Latim, tinha um significado menos estrito que hoje e servia para designar “tempo em geral, hora, estação do ano”.

Em Grego, a palavra hora era usada para qualquer porção delimitada de tempo, como dia, hora, ano, estação. Que confusão, não é?

Pior vocês vão achar ainda se souberem que os gregos pegaram dos babilônios a idéia de dividir o dia em doze partes. Só que estes dividiam o dia inteiro em doze partes, com o que as suas horas duravam o dobro das nossas.

Talvez porque naquelas épocas a iluminação artificial era precária e poucas atividades se desenvolviam durante a noite – quieto, Joãozinho! – os gregos resolveram, passar essa divisão em doze para as horas em que havia luz. Os romanos também adotaram esse método.

Como resultado, as horas passaram a ter uma duração diferente conforme a época do ano, pois o tempo entre o nascer e o pôr do sol varia conforme as estações.

Por incrível que pareça, apenas no século 16 foi que se fez a distinção entre a hora sideral – vinte e quatro por dia, todas iguais em duração – e a chamada “hora temporária”, essa de que eu falei.

Uma coisa em que muitos ainda acreditam é o horóscopo. Ele tem a ver com essa hora de que estou falando, sim. Vem do Grego horoscopos, de hora mais skopos, “olhar, vigiar”, já que o fazedor de horóscopos indagava da hora de nascimento da pessoa.

Hein, Valzinha? Não, não queremos saber da briga do casal da frente da sua casa porque a sua vizinha leu no horóscopo que o marido ia encontrar uma paixão no seu trabalho. Deixe para lá.

Não, Lúcia, o mundo continuava existindo de noite, só que eles não contavam horas nesse período. Talvez, como eu disse, porque não havia muito o que fazer… Não, Joãozinho, não pedi sugestões sobre o que eles poderiam fazer. Calado!

Todos sabem que a hora se divide em 60 minutos. Este nome se originou na Geometria; foi dado por analogia com o círculo. Vocês ainda vão aprender que este se divide em 360 partezinhas bonitinhas, todas iguaizinhas, que se chamam graus. Pois um dia um matemático chamado Ptolomeu precisou de unidades mais precisas para seus estudos e dividiu cada um desses graus em 60 partezinhas bonitinhas iguaizinhas pequenininhas.

A cada uma delas ele chamou, usando o Latim, pars minuta prima, “a primeira parte pequena”, o que deu nosso minuto.

Calma, Mariazinha; você tem razão, deixe-me contar. É isso mesmo, se ele deu esse nome foi porque ele pretendia fazer ainda outra divisão: fragmentou o minuto em outras 60 partezinhas, que ele chamou de pars minuta secunda, nossos atuais segundos.

Essas subdivisões se aplicaram à hora, que passou a ter 60 minutos com 60 segundos cada.

Muito bem, Robertinho; você quer saber porque os antigos não dividiam essas partes em dez e cem. É que os babilônios escolheram o sistema duodecimal, baseado no número doze, que apresenta a vantagem de ter vários divisores. O 60, por exemplo, que é 5 vezes 12, pode ser dividido exatamente por 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20, 30, 60. Isso ajudava muito numa época em que as calculadoras eletrônicas não eram abundantes no mercado.

Um conjunto de 24 horas é chamado de dia. Tal palavra vem do Latim dies, de uma fonte Indo-Européia dyeu- ou diwos-, que queria dizer “brilhar” e também era associada a “céu”. Esta fonte também gerou as palavras “deus”, “divindade”, “Zeus”.

Um grupo de sete dias nós chamamos de semana, que em Latim era septimana, “relativo ao sétimo dia”. O adjetivo mais comum referente a ela é semanal. Mas podemos usar uma palavra mais culta, hebdomadário. Isto vem do Latim eclesiástico hebdomadarius, “aquele que desempenha ofício uma vez por semana”, do Grego hebdomos, “sétimo”.

Nosso ano tem doze meses, nome que vem do Latim mens, que no começo designava o mês lunar. Sua fonte Indo-Europeia tinha o significado tanto de mês como de lua.

E ano vem do Latim annus, “volta completa da terra ao redor do sol” e se você não parar quieto, Joãozinho, eu vou prendê-lo no armário. Como? Não. Sozinho, sem nenhuma das meninas.

Existe uma medida de tempo pouco usada agora: é o lustro, “cinco anos”. Em Roma, a cada cinco anos, se fazia a cerimônia das “águas lustrais“, na qual se fazia a purificação através do contato com a água. Elas eram chamadas assim a partir do verbo lustrare, “espalhar luz, iluminar”. E esse verbo vinha da palavra lux, “luz”.

O dobro de um lustro é um decênio. Esse nome vem de decem, “dez”, mais… Está certo, Joãozinho, annus, “ano”, mas não precisava gritar assim.

Pode-se usar também década com esse sentido, mas essa palavra designa mesmo é um período de dez dias, de decem dies. Também pode ser usada para um conjunto qualquer de dez elementos. Dá para dizer “Na minha aula há duas décadas de mal-educados”, por exemplo.

A marcação das datas é feita pelos calendários. Esse nomezinho vem do Latim calendarium, “livro de contas”, que veio de kalendae, o nome dado em Roma ao primeiro dia de cada mês, época em que os empréstimos venciam e deviam ser acertados os negócios. E esse nome veio do verbo calare, “anunciar publicamente”, que deriva do Indo-Europeu gal-, “gritar, chamar”.

Hoje, nós chamamos um conjunto de cem anos um século, mas para os romanos saeculum podia significar também um espaço de trinta anos, de mil anos ou qualquer intervalo grande de tempo.

E o nosso milênio vem de mille, “mil”, mais… Aí está. Hoje o Joãozinho resolveu me ajudar com o Latim. Algumas coisas você aprende rápido, não?

Há nomes que designam também fragmentos curtos mas indeterminados de tempo, como momento. Esta palavra vem do Latim movimentum, de movere, “mover, deslocar”, já que fazemos a imagem de que o tempo passa, se desloca.

Isso fora daqui; dentro desta sala os astrofísicos deveriam fazer estudos para ver por que o tempo se arrasta, como eu já disse.

Também podemos dizer instante, que vem do Latim instans, “presente, urgente, aquele que apressa”, e que vem do verbo instare, de in-, “em”, mais stare, “estar, ficar de pé”.

E, ora vejam! Não é que o tempo se decidiu a passar e já terminou a nossa aulinha? Peguem as suas coisas e saiam como se fossem comportados. Sem perda de tempo, por favor.

Resposta:

Raptado!

 

O escritório de súbito fica totalmente às escuras. Seu proprietário, o famoso Detetive X-8, utiliza imediatamente seus elevados dons dedutivos para fazer a hipótese de que o cartaz luminoso do lado de fora da janela, cuja luz ele sempre aproveitou, pifou de novo.

Não faz mal, pensa. Como uma pessoa afeita às mais tenebrosas condições de trabalho, ele resolve, dentro de sua filosofia de “Se lhe derem um limão, faça uma mousse“, treinar para se deslocar no escuro, coisa que ele não faz desde as aulas da Academia de Detetives Etimológicos.

Propõe-se a ir até o banheiro às cegas. De saída, bate forte com o joelho na quina da escrivaninha, soltando uma praga. Uns passos depois, tropeça num banquinho e cai redondo. Ao tentar se levantar, escorrega num tapetinho solto e vai ao chão novamente, batendo o nariz.

Agora perdeu totalmente a orientação. Resolve se deslocar rapidamente – para sair logo daquela situação atrapalhada – e de quatro, para evitar mais tombos. Como resultado, dá tremenda cabeçada numa parede que decididamente não estava ali até há pouco.

Apalpando o chão, encontra por acaso o cesto de lixo e resolve colocá-lo na cabeça, como proteção. Enfia-o com firmeza ao redor da copa do chapéu. Em seguida se lembra que ele tinha comido bananas e laranjas e largado as cascas ali.

Deixa esse assunto para resolver depois, já que agora a prioridade é outra.

A desorientação é completa. Ele não tem sequer idéia do lado onde ficam as coisas: a porta de entrada, a do aposento ao lado, a janela…

Imobiliza-se e invoca o seu famoso sangue frio: raciocínio antes de mais nada. Se não podemos nos orientar com a visão, vamos usar a audição. Trata então de ouvir o mundo. Mas este está tão escuro aos ouvidos quanto aos olhos.

Lembra-se que, quando se instalou ali com o escritório de detetive, mandou colocar revestimento antiacústico nas paredes, teto e piso, pois queria dar às palavras suas clientes toda a segurança para poderem contar os seus problemas.

Nada ouve, exceto um leve arrastar de pés ao encostar o ouvido no chão. Estranhamente, ele parece se aproximar mais e mais, acompanhado de um leve tilintar metálico. Intrigado, começa a pensar se não se trata de um sonho, quando ouve uma fortíssima batida na porta de entrada, um ruído de madeira quebrando, e é brutalmente ofuscado pelos raios fortes de diversas lanternas.

Ouve gritos breves e decididos: – “Ali! Ali no chão! Pega, pega, pega!!”

Ele se sente levantado no ar por mãos experientes. Começa a ser carregado ao ombro por quatro homens fortes para fora do seu tranqüilo escritório.

Uma voz ao fundo, em tom mais baixo, diz: – “Central, alvo atingido sem perdas. Objetivo agora sendo levado. Em três minutos abandonaremos o recinto, em sete estaremos em zona segura, se nada acontecer até lá”. Uma voz responde rapidamente alguma coisa, cercada de uma estática de rádio que só permite ouvir um tenso “Boa sorte!” final.

Olha ao redor, agora que as lanternas permitem enxergar. O quadro é inverossímil: seu local de trabalho foi tomado por diversos sujeitos vestindo as roupas típicas de grupos de intervenção armada: botinas, coletes à prova de bala, capacetes de kevlar, tudo preto; uma pistola à cinta e vários carregadores, faca, um fuzil de assalto Colt Commander às costas ou na mão.

O grupo que o carrega desce a escada aos trambolhões, com o risco de escorregar no lixo que se acumula nos degraus.

Em seguida chegam à calçada; do ombro dos raptores, ele entrevê dois furgões pretos e mal-encarados, com homens armados ao redor, mantendo um olho temeroso e alerta à sua volta. Ele é jogado sem cerimônia para dentro de um dos veículos. A equipe entra junto, atirando-se de qualquer jeito. Os dois veículos aceleram e saem, cantando os pneus.

X-8 está amontoado no chão, aturdido. Ainda assim consegue notar que aquele pessoal que o seqüestrou não se ocupa dele. Nos poucos minutos que levam para deixar aquela horrível parte da cidade, os homens armados olham ansiosamente para fora, pelas seteiras dos costados do furgão, mãos crispadas nas armas.

Quando atingem o bairro vizinho, os veículos diminuem a velocidade. Os homens soltam um suspiro de alívio, abraçam-se e se apertam as mãos. Largam as armas, afrouxam as roupas, tiram capacetes. Muitos estão suando.

O detetive está cada vez mais intrigado. O que foi que ele fez para ser levado assim pela Polícia? Porque, pelos uniformes e pela organização, devia ser ela.

Ele estava com o pagamento da TV a cabo atrasado uma semana, mas um descuido assim não era para tanto. O pai daquela moça da Faculdade seria agora uma alta autoridade? Mas aquilo tinha sido há tanto tempo, ela inclusive tinha casado depois! Algum concorrente no ramo da Etimologia resolvera acabar com ele? Uma emboscada seria mais fácil.

Acima de tudo, agora eles estavam sendo muito gentis com ele. Ofereceram-lhe um assento, cigarros, garrafinha de uísque de bolso, chicletes, chocolate.

Ele só aceitou o assento, ainda estupidificado demais para fazer alguma pergunta. Quando começava a ensaiar uma, finalmente, os veículos frearam e as portas se abriram.

Saíram todos e se perfilaram frente a frente, formando um corredor que levava à porta de uma Delegacia. O que parecia mais graduado dentre eles apontou gentilmente para a porta. X-8 começou a ir para lá e se espantou ao ver que eles apresentavam armas à medida que ele passava.

Entrou num escritório muito bem organizado e foi recebido por nada menos que o Chefe de Polícia da cidade. Este o cumprimentou respeitosamente, sem parar de olhar meio espantado para algum ponto logo acima da cabeça do detetive.

Foi então que este se lembrou que devia estar fazendo uma figura muito estranha, com um cesto de lixo cheio de cascas de fruta enfiado na copa do chapéu. Sem dizer nada, friamente, ele o retirou dali e o largou num canto. Sua linguagem corporal toda dizia ” Tive boas razões para isso. Agora vamos esquecer tudo”.

O Chefe falou:

– Peço desculpas por eventuais incômodos. Nós precisávamos muito falar com o senhor, mas só tínhamos o seu endereço, sem o telefone… Ninguém se atreveu a ir até lá, naquele lugar tão perigoso. O senhor sabe que o Correio se recusa a passar pelo bairro. Então resolvemos buscá-lo usando as novas táticas que treinamos, as armas e os veículos, após cortar a luz da área… Desde já a cidade agradece a sua ajuda para o treinamento dos nossos homens.

– E eu quase tenho um infarto por causa do raio do treinamento deles! – pensa X-8. Mas fica quieto, aliviado por não estar devendo nada à Lei e curioso por saber a causa de tamanha mobilização.

O Chefe de Polícia explica por que ele precisava falar com o famoso detetive em particular: estava se desenvolvendo, na cidade, o XV Congresso para Avanço da Atualização do Vernáculo, o CADAVER.

Essa era a reunião anual de palavras, que acontecia a cada ano em uma capital importante, e a cidade estava muito honrada por ser a sede neste ano.

Mas a Polícia, que acompanhava discretamente os acontecimentos, desconfiava que algo estava sendo aprontado pela organização do CADAVER.

– Sabe, senhor detetive, esse pessoal jovem e ardente é capaz de tudo. Não têm a vivência que nós temos, acreditam que podem mudar o mundo… Todos nós já fomos assim, até que tivemos que ganhar a vida sozinhos. Nada como a gente ter que se sustentar para acabar com qualquer idealismo, não é?

Pois o Ministério da Educação nos colocou em alerta devido às suspeitas de que se estivesse tramando alguma coisa contra o vernáculo. E, lá pelas tantas, observamos que havia numerosos Grupos de Dois, palavras parecidas ou iguais que sempre andavam juntas. O que seria isso? Algum código? Alguma ação se desenvolvendo?

Nossos agentes definiram as duplas e ficamos sem saber o que fazer, pois não tínhamos detectado qualquer crime.

Nós nunca agimos ao arrepio da lei, exceto quando não há escolha. Eu tive, então, a idéia mais democrática possível: fizemos um arrastão no acampamento das palavras, na madrugada passada, trouxemos todas as duplas suspeitas e hoje buscamos o senhor para tentar descobrir o que está havendo. Naturalmente que o Município cobrirá os seus honorários e eventuais danos que tenham sido causados à sua propriedade.

Estava dita a palavra mágica. X-8 estava querendo mesmo expandir os negócios, e havia ali uma oportunidade de ficar mais conhecido ainda. Portanto, aceitou a tarefa, com a ressalva de que não contava ali com a sua biblioteca e que o serviço, dado o seu caráter de emergência, teria que ser bastante resumido.

Era isso o que a Polícia queria: apenas saber se alguma palavra era clonada, mal escrita ou malintencionada.

Foi rapidamente organizada uma sala para acareação e exame dos suspeitos. Havia ali uma mesa, cadeiras, um escrivão para anotar tudo o que fosse dito. No pátio, do lado de fora, ficariam as duplas de palavras, que iriam sendo chamadas para avaliação.

Conforme o veredicto de X-8, agora alçado à condição de Perito Criminal Temporário (ele anotou mentalmente a necessidade de solicitar um comprovante daquele título), as palavras seriam liberadas com um pedido de desculpas ou iriam para o xadrez mesmo.

O detetive olhou para o pátio antes de começar e se espantou: havia ali dezenas e dezenas de palavras assustadas em silêncio, olhando ao seu redor com olhos muito abertos.

X-8 pensou no tempo que iria levar naquela tarefa, mas se animou ao se lembrar da palavra mágica.

Sentou-se e pediu para chamarem a primeira dupla. O Chefe fez um gesto pela janela e um dos agentes fez passar as mais próximas da porta.

O Chefe ia explicando a razão das suspeitas sobre as palavras:

– Olhe aqui: Apressar e Apreçar. Acho que a segunda é falsa, seja por algum propósito maligno, seja por ignorância. Penso em mandá-la para a cadeia.

– Não, disse X-8. Apressar vem do Latim ad mais pressa, de premere, “premer, tornar urgente”. E Apreçar vem de ad mais pretium, “preço, aprezo”. Significa “colocar preço em, avaliar, apreciar”. É uma palavra correta, apenas pouco conhecida. Ambas são válidas; têm origens diferentes e resultaram parecidas com o tempo, soando da mesma forma.

– Soltem-nas! – disse o Chefe. Mandem vir outras.

E entrou a dupla Horal – Oral. O chefe disse: – Agora sim, pegamos uma mal escrita. Horal só pode ser erro dos mais grosseiros!

– Pois não é. Oral, como todos sabem, vem do Latim os, “boca, face, expressão”. E Horal vem de hora, “hora, momento” e quer dizer “referente a hora”. É mais uma palavra injustiçada pelo seu pouco uso. Podem libertá-las.

E assim a coisa seguiu, o Perito Criminal Temporário falando e o escrivão anotando:

Queda e Queda: observem bem, uma tem o “E” aberto (“É”) e a outra, fechado (“Ê”). São palavras diferentes, a segunda perdendo o acento diferencial na Reforma Ortográfica de 1971. A primeira vem do Latim cadere, “cair, desabar, ir ao chão”. A segunda, de quietare, “ficar em repouso, em silêncio, deter-se”. Significa “quieta, parada”. Nada errado com ela. Aliás, quem dera que todos fossem assim. Soltem.

Leda e Leda: a primeira também tem acento aberto no “E”, a segunda fechado. É um caso como o anterior. Leda com “E” aberto vem de laeta, “alegre”, e significa exatamente isso em nossos dias. Já a outra Leda, nome próprio, vem de um dialeto da Lícia, país da Ásia Menor, onde era lada, “esposa, mulher”. Podem soltar, que não houve qualquer clonagem aqui.

Lustro e Lustre, hein? Ah, estão achando que significam a mesma coisa e que uma das duas não é necessária? Nada disso, as duas são úteis e bem diferentes no sentido. Lustro vem de lustrare, “limpar, dar brilho”. Havia uma cerimônia de purificação que ocorria a cada cinco anos em Roma, na qual se aspergiam as “águas lustrais” e eram feitos sacrifícios e orações. O termo “lustro” acabou se fixando no significado de “período de cinco anos”. Se o seu filho faz dez anos hoje, ele tem já dois lustros de idade.

Lustre, por sua vez, vem do mesmo lustrare, mas com o sentido original de “polir, limpar”. As duas são úteis. Já sabem: nunca dêem lustro nos seus carros ou móveis. Dêem lustre.

– Hum. Massa e Maça. Tampouco aqui se trata de erro de ortografia. Massa era, em Latim, massa, “amontoado, pasta, massa”. E Maça veio de mattea, “porrete, clava, martelo”. Designa uma arma que era muito usada na Antigüidade. E que dá vontade de usar hoje em dia, às vezes. Liberem.

– Ora, Ovular e Uvular. Fiquem tranqüilos, que elas não são perigosas. A primeira vem de ovulum, diminutivo de ovum, “ovo” em Latim. Como adjetivo, significa “referente ao óvulo”. Como verbo, “expelir um óvulo”. Já Uvular vem de uvula, diminutivo de uva, “uva”. Sim, na Roma antiga essa fruta já era pedida aos vendeiros exatamente como nós fazemos agora. É uma palavra que se aplica a formações que lembrem uma pequena uva, como é o caso da nossa úvula, na entrada da faringe. Sem problemas.

Coxo e Cocho, hein? Coxo vem de coxa, “anca” em Latim. Designa o animal que, tendo defeito em membros ou quadril, caminha mancando. E Cocho deriva de cochlear, “colher”. Designa um objeto de madeira feito para conter alimentação de animais. Não há nada contra vocês, rapazes.

Agora entra uma dupla que mais inocente não pode ser: Meio e Ambiente, de braços dados, com muita segurança e até um certo toque de indignação, demonstrando um já longo costume de andar juntos. O Chefe disse, alarmado:

– Mas que barbaridade! Quem foi o incompetente que prendeu Meio Ambiente? Pois esta expressão vive na mídia, até Secretarias e Ministérios existem com esse nome! Desculpe, pessoal, isso não devia… – Foi interrompido por X-8, com um olhar duro que infelizmente se perdeu nas sombras do seu chapéu.

– Um momento, Chefe. O senhor está lidando aqui com duas palavras que, juntas, atentam descaradamente contra o Vernáculo. Não, não se espante assim; poucas são as pessoas que sabem do erro que essas duas representam. Veja bem: ambas querem dizer exatamente a mesma coisa. O senhor seria um Chefe que Chefia, o escrivão aqui seria um Escrivão Escrevente, se esse exemplo começasse a ser seguido. Este é um caso dos mais graves de redundância que giram por aí, na maior impunidade, até com cargos no Governo!

Meio e Ambiente agora estavam encolhidos, demonstrando que sabiam quem estava com a razão. Nem tentaram se defender. O Chefe, espantado, os encaminhou para que fosse feito um Termo de Ajuste oficial que os impedisse de andar juntos.

– Viu só, Chefe, como os criminosos andam entre nós? – disse X-8.

O Chefe, impressionado e contente com a sua escolha de assessor, assentiu.

CONTINUA

EM FUTURA EDIÇÃO…

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