Palavra oral

Etimologia

Palavras: oral , orifício

Orifício e oral têm a mesma etimologia?

Resposta:

Oral vem do Latom OS, “boca, abertura”.

Orifício vem de OS, mais FACERE, “fazer”.

Adivinhando

Eu andava pelos 15 anos e estava contestando tudo, menos o meu avô. O velho cavalheiro tinha dentro do meu coração um lugar do tamanho de sempre, e eu sabia que a recíproca era verdadeira.

Entrei no seu gabinete enquanto ele desempoeirava alguns objetos, já que ele não deixava ninguém mexer naquele lugar sagrado. Entre eles estava a pequena bola de cristal que eu conhecia há tantos anos.

– Era com isso que o senhor ganhava a vida no circo antigamente, Vô? – eu sabia que ele gostava de ser provocado.

– Não, naquele época eu era pago para livrar as cidades do interior dos adolescentes incômodos. De um dia para outro eles sumiam. E os leões e tigres do circo ficavam cada vez mais gordos.

Ele disse isso com sua habitual seriedade. Quem não o conhecesse poderia acreditar até que ele estivesse dizendo a verdade, confessando crimes que já tinham prescrito e dos quais ele podia se jactar agora.

– Ah, Vô, deixe disso! Dê uma olhada no meu futuro aí, conte-me uma coisa boa!

O velho não se apertava. Colocou a bola à sua frente, na escrivaninha, fez um ar de profunda concentração, colocou as mãos na testa; olhou-me com aqueles olhos claros que tanto podiam cortar ao meio uma pessoa como derramar mel numa alma necessitada e disse, voz cavernosa:

– Você… Você… O seu futuro é negro… Vejo a cadeia, privações, credores atrás de você… Vejo-o levar várias surras… Espere! Há uma luz ali! A salvação existe! Basta pegar o balde e um pano e lavar o meu carro e limpar o chão do meu gabinete que você receberá indulgência pelas suas próximas malfeitorias. É a única solução.

– Acho que vou enfrentar a cadeia mesmo, Vô.

– Problema seu. – encolheu os ombros e continuou a passar o pano na bola. – Já que você falou nisso…

– É isso aí, Vô! Fale algo sobre esse negócio de adivinhação!

– Certo. Adivinhar, por exemplo, vem do Latim divinare, “predizer o futuro”, de divinus, “divino, relativo a um deus”, que veio de divus, “deus”.

Mais antigamente ainda se presume como raiz para esta palavra o Indo-Europeu diw-, “brilhante”. Veja como a noção de um deus como um ser brilhante é antiga. Esta raiz gerou também Zeus, o Pai dos Deuses gregos. E a própria palavra “Deus”.

Adivinhar se formou porque a atividade de olhar para o futuro pertencia aos deuses.

Os que previam o futuro eram também chamados de vates em Latim, de vaticinium, “previsão”. Mais tarde essa palavra serviu para designar os poetas, pois dizem que um poeta também é um adivinho.

– E previsão, Vô, vem de “pré” mais “ver”?

– Isso mesmo, meu etimologista. Você tem futuro. Distante, mas tem!

Fiquei contente, pois era difícil arrancar um elogio do velho.

– Então quer dizer que o desejo de saber sobre o futuro é antigo, hein, Vô?

– Parece ser um dos desejos mais velhos da humanidade. Quem faz isso não percebe que o futuro não é feito só de boas notícias. Por isso é que sempre se recorreu aos oráculos.

Esta palavra foi cunhada no Latim; oraculus era apenas o diminutivo de os, “boca”. Assim os romanos pareciam dizer que a voz do destino é pequenina e por isso nem sempre podemos nos antecipar de modo a tirar o melhor da vida.

Entre as muitas palavras que vieram de os estão oral, oração, orador, adorável.

– E essas outras palavras, como se relacionam com os? Só têm em comum o “O” do começo!

Oral e as outras vêm de uma das formas de os, que era oris. Oral quer dizer “referente à boca”. Oração, orador, vêm de orare, “usar a boca”, seja para fazer uma prece, seja para fazer um discurso. Adorável é algo ou alguém para quem você reza. Na sua idade, “alguém”. Adorar é o verbo que expressa essa ação.

Os gregos da era clássica dificilmente tomavam qualquer decisão de importância sem consultar um oráculo.

– Já se usava a bola de cristal naquela época, então?

– Nada disso. Havia um ritual complicado. Mas deixe-me contar desde o início: a mãe do poderoso deus Apolo, enquanto ainda grávida dele, fora perseguida por uma serpente monstruosa chamada Pýthon. Mais tarde, Apolo se vingou: matou o monstro a flechadas, arrancou a sua pele e com esta cobriu a trípode (um banco de três patas, como o nome diz) onde viria a se sentar a sua sacerdotisa.

É por isso que a sacerdotisa e intérprete dos desejos de Apolo se chamava Pitonisa.

Para ela profetizar, o consulente pagava uma taxa. Depois fazia um sacrifício animal. Aí a Pitonisa descia para um determinada parte do templo, bebia água de uma fonte sagrada e mascava folhas de louro. Dizem que também respirava gases que sairiam do fundo da terra, mas não há confirmação disso. Então ela balbuciava palavras que ninguém entendia, salvo os sacerdotes que ficavam na sala ao lado.

Eles escreviam o que tinham entendido e davam o papiro ao cliente. No começo era em verso, mas depois começaram a usar a prosa mesmo, que dava menos trabalho. Houve épocas em que havia três pitonisas trabalhando no mesmo templo.

As pessoas que se dedicavam a isso exerciam a mântica, “a arte da adivinhação” – manteia em Grego. Esta palavra vem do Grego maínesthai, “estar possuído por um deus”.

– Nunca ouvi falar nessa mântica, Vô.

– Ouviu sim, só que misturada com outras palavras. Você se lembra da sua tia Helena dizendo que ia procurar uma cigana para lhe ler a mão? Que ela queria uma boa quiromante?

– E eu que pensei que isso era uma espécie de cozinheira…

– E ficou com essa idéia porque não pesquisou, nem mesmo perguntou. Curiosidade, meu rapaz! Não fique com dúvidas! Mexa esse seu cerebrozinho de minhoca!

Mas está aí: quiromante é uma pessoa que lê a sorte nas mãos, do Grego kyros, “mão” mais manteia. Há quem acredite que o desenrolar da vida da pessoa está escrito nas linhas da mão. E há quem lucre com isso. Bem feito!

E onde mais se podia ler o futuro?

– Numa porção de lugares, a julgar pelas diversas especialidades que eram exercidas por esta gente. Por exemplo:

Na hepatoscopia se retirava o fígado de um animal sacrificado e era feito o estudo dele. Os Etruscos eram muito chegados a esta atividade.

Havia a eonomancia, que consistia em observar o vôo das aves para tentar prever a resposta a certas questões. Assim, após um ritual, conforme tal tipo de ave voasse alto ou baixo, afastando-se ou aproximando-se do local, assim ou assado, o sacerdote chegava a uma conclusão.

Podia-se usar da piromancia, de pyrós, “fogo”, fazendo a observação atenta das formas cambiantes das chamas de um fogo aceso em determinadas condições.

Também existia a oniromancia, de oneiros, “sonho”. Existia um sujeito, o onirokrites, que estudava o sonho alheio e o interpretava.

– Mas ou menos como o psiquiatra de hoje, Vô?

– Não. Bem diferente!

– E que mântica o pessoal da previsão do tempo faz?

– Esta tenta ser uma ciência, mas lida com parâmetros tão variáveis que por enquanto não consegue um número muito grande de acertos. Algum dia será mais precisa.

– E os profetas de que aquele pregador que andava atrás do senhor tanto falava?

– Arre, nada pior do que ter uma pessoa tentando converter a gente. Com aquilo aprendi a não tentar discutir cientificamente com eles nem dizer que pertenço à seita dos Velhinhos de Satanás, como eu fiz…

Mas profeta vem do Grego prophetés, de pro-, “adiante” mais phetés, “o que fala”, de phanai, “falar”. Assim, era “o que falava antes do seu tempo”, isto é, dizia coisas sobre o futuro.

– E eles consguiam adivinhar mesmo?

– Conseguiam infalivelmente, pelo menos quando faziam o que se dizia em Latim Vaticinium ex eventu, “a profecia a partir do acontecimento”. Muitas vezes eles convenciam os outros que haviam previsto antes o que já tinha acontecido. Tinham lá as suas técnicas.

Outra frase dessas que me ocorre agora é a conhecida Nemo propheta in patria, “Ninguém é profeta na sua terra”. Ou seja, costumamos não acreditar nos talentos que estão próximos a nós.

Muito bem, meu rapaz, agora minha bola de cristal está dizendo que está na sua hora de ir para casa jantar, senão o futuro do seu estômago será muito vazio. Até outro dia.

Resposta:

Raptado!

 

O escritório de súbito fica totalmente às escuras. Seu proprietário, o famoso Detetive X-8, utiliza imediatamente seus elevados dons dedutivos para fazer a hipótese de que o cartaz luminoso do lado de fora da janela, cuja luz ele sempre aproveitou, pifou de novo.

Não faz mal, pensa. Como uma pessoa afeita às mais tenebrosas condições de trabalho, ele resolve, dentro de sua filosofia de “Se lhe derem um limão, faça uma mousse“, treinar para se deslocar no escuro, coisa que ele não faz desde as aulas da Academia de Detetives Etimológicos.

Propõe-se a ir até o banheiro às cegas. De saída, bate forte com o joelho na quina da escrivaninha, soltando uma praga. Uns passos depois, tropeça num banquinho e cai redondo. Ao tentar se levantar, escorrega num tapetinho solto e vai ao chão novamente, batendo o nariz.

Agora perdeu totalmente a orientação. Resolve se deslocar rapidamente – para sair logo daquela situação atrapalhada – e de quatro, para evitar mais tombos. Como resultado, dá tremenda cabeçada numa parede que decididamente não estava ali até há pouco.

Apalpando o chão, encontra por acaso o cesto de lixo e resolve colocá-lo na cabeça, como proteção. Enfia-o com firmeza ao redor da copa do chapéu. Em seguida se lembra que ele tinha comido bananas e laranjas e largado as cascas ali.

Deixa esse assunto para resolver depois, já que agora a prioridade é outra.

A desorientação é completa. Ele não tem sequer idéia do lado onde ficam as coisas: a porta de entrada, a do aposento ao lado, a janela…

Imobiliza-se e invoca o seu famoso sangue frio: raciocínio antes de mais nada. Se não podemos nos orientar com a visão, vamos usar a audição. Trata então de ouvir o mundo. Mas este está tão escuro aos ouvidos quanto aos olhos.

Lembra-se que, quando se instalou ali com o escritório de detetive, mandou colocar revestimento antiacústico nas paredes, teto e piso, pois queria dar às palavras suas clientes toda a segurança para poderem contar os seus problemas.

Nada ouve, exceto um leve arrastar de pés ao encostar o ouvido no chão. Estranhamente, ele parece se aproximar mais e mais, acompanhado de um leve tilintar metálico. Intrigado, começa a pensar se não se trata de um sonho, quando ouve uma fortíssima batida na porta de entrada, um ruído de madeira quebrando, e é brutalmente ofuscado pelos raios fortes de diversas lanternas.

Ouve gritos breves e decididos: – “Ali! Ali no chão! Pega, pega, pega!!”

Ele se sente levantado no ar por mãos experientes. Começa a ser carregado ao ombro por quatro homens fortes para fora do seu tranqüilo escritório.

Uma voz ao fundo, em tom mais baixo, diz: – “Central, alvo atingido sem perdas. Objetivo agora sendo levado. Em três minutos abandonaremos o recinto, em sete estaremos em zona segura, se nada acontecer até lá”. Uma voz responde rapidamente alguma coisa, cercada de uma estática de rádio que só permite ouvir um tenso “Boa sorte!” final.

Olha ao redor, agora que as lanternas permitem enxergar. O quadro é inverossímil: seu local de trabalho foi tomado por diversos sujeitos vestindo as roupas típicas de grupos de intervenção armada: botinas, coletes à prova de bala, capacetes de kevlar, tudo preto; uma pistola à cinta e vários carregadores, faca, um fuzil de assalto Colt Commander às costas ou na mão.

O grupo que o carrega desce a escada aos trambolhões, com o risco de escorregar no lixo que se acumula nos degraus.

Em seguida chegam à calçada; do ombro dos raptores, ele entrevê dois furgões pretos e mal-encarados, com homens armados ao redor, mantendo um olho temeroso e alerta à sua volta. Ele é jogado sem cerimônia para dentro de um dos veículos. A equipe entra junto, atirando-se de qualquer jeito. Os dois veículos aceleram e saem, cantando os pneus.

X-8 está amontoado no chão, aturdido. Ainda assim consegue notar que aquele pessoal que o seqüestrou não se ocupa dele. Nos poucos minutos que levam para deixar aquela horrível parte da cidade, os homens armados olham ansiosamente para fora, pelas seteiras dos costados do furgão, mãos crispadas nas armas.

Quando atingem o bairro vizinho, os veículos diminuem a velocidade. Os homens soltam um suspiro de alívio, abraçam-se e se apertam as mãos. Largam as armas, afrouxam as roupas, tiram capacetes. Muitos estão suando.

O detetive está cada vez mais intrigado. O que foi que ele fez para ser levado assim pela Polícia? Porque, pelos uniformes e pela organização, devia ser ela.

Ele estava com o pagamento da TV a cabo atrasado uma semana, mas um descuido assim não era para tanto. O pai daquela moça da Faculdade seria agora uma alta autoridade? Mas aquilo tinha sido há tanto tempo, ela inclusive tinha casado depois! Algum concorrente no ramo da Etimologia resolvera acabar com ele? Uma emboscada seria mais fácil.

Acima de tudo, agora eles estavam sendo muito gentis com ele. Ofereceram-lhe um assento, cigarros, garrafinha de uísque de bolso, chicletes, chocolate.

Ele só aceitou o assento, ainda estupidificado demais para fazer alguma pergunta. Quando começava a ensaiar uma, finalmente, os veículos frearam e as portas se abriram.

Saíram todos e se perfilaram frente a frente, formando um corredor que levava à porta de uma Delegacia. O que parecia mais graduado dentre eles apontou gentilmente para a porta. X-8 começou a ir para lá e se espantou ao ver que eles apresentavam armas à medida que ele passava.

Entrou num escritório muito bem organizado e foi recebido por nada menos que o Chefe de Polícia da cidade. Este o cumprimentou respeitosamente, sem parar de olhar meio espantado para algum ponto logo acima da cabeça do detetive.

Foi então que este se lembrou que devia estar fazendo uma figura muito estranha, com um cesto de lixo cheio de cascas de fruta enfiado na copa do chapéu. Sem dizer nada, friamente, ele o retirou dali e o largou num canto. Sua linguagem corporal toda dizia ” Tive boas razões para isso. Agora vamos esquecer tudo”.

O Chefe falou:

– Peço desculpas por eventuais incômodos. Nós precisávamos muito falar com o senhor, mas só tínhamos o seu endereço, sem o telefone… Ninguém se atreveu a ir até lá, naquele lugar tão perigoso. O senhor sabe que o Correio se recusa a passar pelo bairro. Então resolvemos buscá-lo usando as novas táticas que treinamos, as armas e os veículos, após cortar a luz da área… Desde já a cidade agradece a sua ajuda para o treinamento dos nossos homens.

– E eu quase tenho um infarto por causa do raio do treinamento deles! – pensa X-8. Mas fica quieto, aliviado por não estar devendo nada à Lei e curioso por saber a causa de tamanha mobilização.

O Chefe de Polícia explica por que ele precisava falar com o famoso detetive em particular: estava se desenvolvendo, na cidade, o XV Congresso para Avanço da Atualização do Vernáculo, o CADAVER.

Essa era a reunião anual de palavras, que acontecia a cada ano em uma capital importante, e a cidade estava muito honrada por ser a sede neste ano.

Mas a Polícia, que acompanhava discretamente os acontecimentos, desconfiava que algo estava sendo aprontado pela organização do CADAVER.

– Sabe, senhor detetive, esse pessoal jovem e ardente é capaz de tudo. Não têm a vivência que nós temos, acreditam que podem mudar o mundo… Todos nós já fomos assim, até que tivemos que ganhar a vida sozinhos. Nada como a gente ter que se sustentar para acabar com qualquer idealismo, não é?

Pois o Ministério da Educação nos colocou em alerta devido às suspeitas de que se estivesse tramando alguma coisa contra o vernáculo. E, lá pelas tantas, observamos que havia numerosos Grupos de Dois, palavras parecidas ou iguais que sempre andavam juntas. O que seria isso? Algum código? Alguma ação se desenvolvendo?

Nossos agentes definiram as duplas e ficamos sem saber o que fazer, pois não tínhamos detectado qualquer crime.

Nós nunca agimos ao arrepio da lei, exceto quando não há escolha. Eu tive, então, a idéia mais democrática possível: fizemos um arrastão no acampamento das palavras, na madrugada passada, trouxemos todas as duplas suspeitas e hoje buscamos o senhor para tentar descobrir o que está havendo. Naturalmente que o Município cobrirá os seus honorários e eventuais danos que tenham sido causados à sua propriedade.

Estava dita a palavra mágica. X-8 estava querendo mesmo expandir os negócios, e havia ali uma oportunidade de ficar mais conhecido ainda. Portanto, aceitou a tarefa, com a ressalva de que não contava ali com a sua biblioteca e que o serviço, dado o seu caráter de emergência, teria que ser bastante resumido.

Era isso o que a Polícia queria: apenas saber se alguma palavra era clonada, mal escrita ou malintencionada.

Foi rapidamente organizada uma sala para acareação e exame dos suspeitos. Havia ali uma mesa, cadeiras, um escrivão para anotar tudo o que fosse dito. No pátio, do lado de fora, ficariam as duplas de palavras, que iriam sendo chamadas para avaliação.

Conforme o veredicto de X-8, agora alçado à condição de Perito Criminal Temporário (ele anotou mentalmente a necessidade de solicitar um comprovante daquele título), as palavras seriam liberadas com um pedido de desculpas ou iriam para o xadrez mesmo.

O detetive olhou para o pátio antes de começar e se espantou: havia ali dezenas e dezenas de palavras assustadas em silêncio, olhando ao seu redor com olhos muito abertos.

X-8 pensou no tempo que iria levar naquela tarefa, mas se animou ao se lembrar da palavra mágica.

Sentou-se e pediu para chamarem a primeira dupla. O Chefe fez um gesto pela janela e um dos agentes fez passar as mais próximas da porta.

O Chefe ia explicando a razão das suspeitas sobre as palavras:

– Olhe aqui: Apressar e Apreçar. Acho que a segunda é falsa, seja por algum propósito maligno, seja por ignorância. Penso em mandá-la para a cadeia.

– Não, disse X-8. Apressar vem do Latim ad mais pressa, de premere, “premer, tornar urgente”. E Apreçar vem de ad mais pretium, “preço, aprezo”. Significa “colocar preço em, avaliar, apreciar”. É uma palavra correta, apenas pouco conhecida. Ambas são válidas; têm origens diferentes e resultaram parecidas com o tempo, soando da mesma forma.

– Soltem-nas! – disse o Chefe. Mandem vir outras.

E entrou a dupla Horal – Oral. O chefe disse: – Agora sim, pegamos uma mal escrita. Horal só pode ser erro dos mais grosseiros!

– Pois não é. Oral, como todos sabem, vem do Latim os, “boca, face, expressão”. E Horal vem de hora, “hora, momento” e quer dizer “referente a hora”. É mais uma palavra injustiçada pelo seu pouco uso. Podem libertá-las.

E assim a coisa seguiu, o Perito Criminal Temporário falando e o escrivão anotando:

Queda e Queda: observem bem, uma tem o “E” aberto (“É”) e a outra, fechado (“Ê”). São palavras diferentes, a segunda perdendo o acento diferencial na Reforma Ortográfica de 1971. A primeira vem do Latim cadere, “cair, desabar, ir ao chão”. A segunda, de quietare, “ficar em repouso, em silêncio, deter-se”. Significa “quieta, parada”. Nada errado com ela. Aliás, quem dera que todos fossem assim. Soltem.

Leda e Leda: a primeira também tem acento aberto no “E”, a segunda fechado. É um caso como o anterior. Leda com “E” aberto vem de laeta, “alegre”, e significa exatamente isso em nossos dias. Já a outra Leda, nome próprio, vem de um dialeto da Lícia, país da Ásia Menor, onde era lada, “esposa, mulher”. Podem soltar, que não houve qualquer clonagem aqui.

Lustro e Lustre, hein? Ah, estão achando que significam a mesma coisa e que uma das duas não é necessária? Nada disso, as duas são úteis e bem diferentes no sentido. Lustro vem de lustrare, “limpar, dar brilho”. Havia uma cerimônia de purificação que ocorria a cada cinco anos em Roma, na qual se aspergiam as “águas lustrais” e eram feitos sacrifícios e orações. O termo “lustro” acabou se fixando no significado de “período de cinco anos”. Se o seu filho faz dez anos hoje, ele tem já dois lustros de idade.

Lustre, por sua vez, vem do mesmo lustrare, mas com o sentido original de “polir, limpar”. As duas são úteis. Já sabem: nunca dêem lustro nos seus carros ou móveis. Dêem lustre.

– Hum. Massa e Maça. Tampouco aqui se trata de erro de ortografia. Massa era, em Latim, massa, “amontoado, pasta, massa”. E Maça veio de mattea, “porrete, clava, martelo”. Designa uma arma que era muito usada na Antigüidade. E que dá vontade de usar hoje em dia, às vezes. Liberem.

– Ora, Ovular e Uvular. Fiquem tranqüilos, que elas não são perigosas. A primeira vem de ovulum, diminutivo de ovum, “ovo” em Latim. Como adjetivo, significa “referente ao óvulo”. Como verbo, “expelir um óvulo”. Já Uvular vem de uvula, diminutivo de uva, “uva”. Sim, na Roma antiga essa fruta já era pedida aos vendeiros exatamente como nós fazemos agora. É uma palavra que se aplica a formações que lembrem uma pequena uva, como é o caso da nossa úvula, na entrada da faringe. Sem problemas.

Coxo e Cocho, hein? Coxo vem de coxa, “anca” em Latim. Designa o animal que, tendo defeito em membros ou quadril, caminha mancando. E Cocho deriva de cochlear, “colher”. Designa um objeto de madeira feito para conter alimentação de animais. Não há nada contra vocês, rapazes.

Agora entra uma dupla que mais inocente não pode ser: Meio e Ambiente, de braços dados, com muita segurança e até um certo toque de indignação, demonstrando um já longo costume de andar juntos. O Chefe disse, alarmado:

– Mas que barbaridade! Quem foi o incompetente que prendeu Meio Ambiente? Pois esta expressão vive na mídia, até Secretarias e Ministérios existem com esse nome! Desculpe, pessoal, isso não devia… – Foi interrompido por X-8, com um olhar duro que infelizmente se perdeu nas sombras do seu chapéu.

– Um momento, Chefe. O senhor está lidando aqui com duas palavras que, juntas, atentam descaradamente contra o Vernáculo. Não, não se espante assim; poucas são as pessoas que sabem do erro que essas duas representam. Veja bem: ambas querem dizer exatamente a mesma coisa. O senhor seria um Chefe que Chefia, o escrivão aqui seria um Escrivão Escrevente, se esse exemplo começasse a ser seguido. Este é um caso dos mais graves de redundância que giram por aí, na maior impunidade, até com cargos no Governo!

Meio e Ambiente agora estavam encolhidos, demonstrando que sabiam quem estava com a razão. Nem tentaram se defender. O Chefe, espantado, os encaminhou para que fosse feito um Termo de Ajuste oficial que os impedisse de andar juntos.

– Viu só, Chefe, como os criminosos andam entre nós? – disse X-8.

O Chefe, impressionado e contente com a sua escolha de assessor, assentiu.

CONTINUA

EM FUTURA EDIÇÃO…

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