Uma palavra curta se aproxima da porta do fundo do corredor do terceiro andar do Edifício Éden, que se situa no bairro mais abandonado e sujo da cidade, numa zona tão insalubre que até os ratos estão considerando se mudar para um lugar mais digno.
Até chegar à porta que ostenta apenas uma placa de latão cuidadosamente polida dizendo “X-8”, a palavra teve que juntar dinheiro para poder pagar os elevados estipêndios que o corajoso detetive cobra, teve que ir até o fim da linha de um ônibus e enfrentar longa caminhada por ruas cada vez mais preto-e-branco, até poder consultar com a lendária figura que defende as palavras explicando-lhes as origens.
Ao seu toc-toc na porta responde do interior um grunhido de “entre”.
A palavra penetra num pequeno escritório desmazelado, com todo o aspecto daqueles de detetives bêbados dos anos 1950 e pouco.
Vê o proprietário do negócio em sua gabardine grande demais para ele, chapéu encobrindo o rosto.
Ele faz um gesto para o banco que fica à frente da sua escrivaninha, grande como um porta-aviões. A cliente senta e ele começa a falar:
– País, hein? Você é uma palavra que tem muito trabalho. Ainda mais depois que as alterações da extinta União Soviética alteraram um bocado o Atlas. Mas vejamos: você deriva do Latim pagus, “distrito rural”, originalmente “área demarcada”, relacionada com pangere, “apertar, colocar no lugar”, que veio do Indo-Europeu pag-, “colocar no lugar, unir, tornar firme”.
Seu significado se estendeu até abranger a área territorial das diferentes nações. Mas, enquanto isso, sua avó originária não perdeu tempo e foi providenciando outras descendentes.
Por exemplo, pagão. Ela vem de paganus, “o que mora no pagus”, o “interiorano”, em oposição ao urbanus, “o que mora na cidade”, de urbs, “cidade”.
Diz-se que, quando a Igreja católica se firmou na Europa, os últimos que aderiram a ela foram os habitantes do campo, onde a população tinha menos contato com o que acontecia nas cidades maiores. Daí ser usado o termo pagão para “não-cristão”.
A palavra paisagem, o espaço abarcado pela visão, deriva de país.
Paisano, “o que não é militar”, vem de paganus, pelo significado de “pessoa não submetida à organização militar”. A expressão andar à paisana se aplica ao militar que não está usando o uniforme.
Em Espanhol, paisano se usa também para “campesino“, aquele que vive e trabalha nas regiões rurais. Daí veio também o uso que se dá em Espanhol e Italiano a essa palavra para significar “conterrâneo”.
Voltando àquele pag- original, é interessante saber que ele originou, pela sua conotação de “unir, firmar”, o verbo latino pacisci, “fazer um trato, fazer acordo”, de onde saiu pactum, “contrato, acordo”, o nosso atual pacto.
Veja só, País, quantos parentes você tem espalhados e sendo usados todos os dias por aí.
Se falar com eles, não se esqueça de que meus direitos autorais a proíbem de lhes contar o que eu falei; se eles quiserem saber de onde vieram, entregue-lhes este meu cartão para que possam fazer a coisa direitinho e consultar comigo.
Até mais ver, e mande-me suas amigas!