FAST FOOD
É noite no bairro de X-8. Como sempre, aliás. O fabuloso detetive das palavras se encontra alerta em seu escritório ali no Ed. Éden, um dos locais mais sujos de um bairro sujo.
Para dizer toda a verdade, ele não parece muito alerta. Está sentado à escrivaninha, com os pés sobre ela, a cabeça caída de lado, roncando.
Mas se alguém lhe perguntar o que estava fazendo, dirá que se encontrava fingindo que dormia para poder surpreender alguma pessoa ou palavra mal-intencionada que penetrasse em seu local de trabalho para roubar algum dicionário. Coisa extremamente improvável nessa região, em todo caso.
Epa, ele agora se endireita na cadeira com rodinhas tortas. Sentiu o cheiro de bacon, queijo torradinho, temperos… É o grupo de palavras-clientes que marcou hora para conhecer suas origens e pagar regiamente o arriscado trabalho de nosso investigador.
Elas batem à porta e ele as manda entrar. Elas se acomodam nas cadeiras e bancos à frente dele e o olham, ansiosas. Ele usa sua voz gelada de homem de ação:
– Boa-noite. Hoje estamos aqui para falar daquilo que é conhecido em bom Português como fast food. Essa palavra entrou para os dicionários de Inglês em 1951, quando a oferta de comida preparada rapidamente, muitas vezes para consumo em outro lugar, se espalhou nos Estados Unidos e de lá para boa parte do mundo. A origem de fast é o Inglês antigo faeste, “firme, seguro”. O sentido atual de “rápido, veloz”, se desenvolveu mais tarde.
E food vem do antigo foode, “comida, alimento, nutrição”.
Vamos então proceder ao estudo de alguns representantes de uma classe tão espalhada quanto, ao que dizem, de caráter duvidoso para uma alimentação sadia.
Vemos aqui a palavra pastel. Ela vem do Italiano pastello, “material reduzido a uma pasta”, de pasta, “massa”, que vem do Latim pasta, “massa” também. Mais remotamente, veio do Grego pasta, “mistura salgada de alimentos”, de pastos, que queria dizer “polvilhado, salgado”, de passein, “espalhar”.
Já de bauru se diz que deriva do apelido do jornalista bauruense Casemiro Pinto Neto, que encomendava um sanduíche assim na década de 1930 no Largo do Paissandu, São Paulo. O nome da cidade tem origem indígena e não há certeza sobre ele, por isso não entrarei nessa parte. Mas desde já aviso que a constituição do bauru foi oficializada por uma lei da cidade de Bauru de 24/06/1998; para atendê-la devidamente ele deve ser feito de pão francês, rosbife, tomate, pepino em conserva, muzzarela, sal e orégano.
Bauru inchou toda, encantada com sua própria importância. As outras a olharam com inveja.
– Continuando, olhemos para croquete, sentadinha ali muito quieta. Sua origem é o Francês croquette, derivada do verbo croquer, que significa “partir, romper fazendo ruído”. Como se vê, trata-se de uma palavra onomatopaica, ou seja, ela imita o ruído que a originou. Quando recém-feita, pelo menos, deve fazer um barulhinho gostoso desses ao ser mordida.
Quanto a empada, ela deriva do Latim panis, através do Espanhol empanada, nome dado inicialmente a alimentos fritos sob uma camada de material com farinha.
Calma, pizza, não nos esqueceremos de você. Ainda mais que o seu perfume é estonteante, se me permite dizer. Consta que você vem do Grego medieval petta, “torta, bolo”, se bem que não haja certeza absoluta.
Uma palavra que engloba a todas é lanche, do Inglês lunch, “almoço, refeição leve”. E essa palavra é um encurtamento de luncheon, que veio do arcaico nonechenche, “comida do meio-dia”, de none, “meio-dia”, mais schench, “beber”.
Das mais típicas desse tipo de alimento é hamburger. Numerosas pessoas reclamam a invenção dessa espécie de sanduíche com carne moída que ganhou notoriedade durante a Feira Mundial de Saint Louis em 1904, nos Estados Unidos. O que se sabe é que o nome deriva da cidade alemã de Hamburg.
E seu parente cheeseburger acrescenta o queijo – cheese – à fórmula, sendo que cheese vem do Latim caseus, “queijo”. Note-se que no Brasil essa comida muitas vezes é abreviada para “X-burger” pela semelhança de pronúncia, o que provavelmente seria intrigante para os consumidores que se dedicassem a pensar sobre o assunto.
Agora falaremos de cachorro-quente, que está aqui abanando o rabo. Como todos sabem, essa é a tradução exata do Inglês hot dog. Consta que, em 1906, o vendedor de refrigerantes e comidinhas de um estádio esportivo em Nova Iorque queria oferecer aos seus clientes salsichas quentes. Mas, como outros antes, viu-se a braços com o problema de entregá-las, pois as pessoas não conseguiam segurar na mão os embutidos quentes. Haviam tentado dar junto com elas garfinhos de madeira descartáveis e até luvas, mas sem resultado comercial.
Foi aí que ele teve a ideia de enrolar as salsichas em pão. E mandou seus vendedores anunciarem red hot dachsund sausages, ou seja, algo como “salsichas dachsund em brasa”.
Aqui cabe informar que dachsund era o nome alemão do nosso conhecido “cachorro salsicha”, canino que foi desenvolvido para desentocar pequenos mamíferos de suas covas. Para isso era muito útil o seu formato longo e estreito, como o de uma salsicha.
Vendo isso, um cartunista de jornal fez uma ilustração mostrando a novidade. Como não sabia escrever dachsund, chamou a coisa de hot dog, iniciando assim uma história de notável sucesso.
Vale contar que o dono da banca teve um certo trabalho para convencer alguns clientes de que as salsichas não eram feitas com carne canina.
Dá para notar a inquietude de sanduíche, que está enchendo nosso banco de migalhas com a sua agitação. Sua origem é das mais interessantes: na Inglaterra viveu, entre 1718 e 1792, o quarto Conde de Sandwich, cujo nome era John Montagu. Parece que o nome original da família era, na verdade, Sandwith, que queria dizer “vau arenoso”.
Ele adorava jogar cartas e era capaz de passar horas a fio nessa ocupação, sem parar para fazer as refeições complicadas e cheias de pratos que, na época, condiziam com a sua posição.
Para resolver o problema, ele teve uma brilhante idéia: mandava a criadagem trazer à mesa de jogo bifes entre fatias de torrada e assim matava a fome com um alimento mais fácil de manusear do que um que exigisse prato e talheres.
É verdade que colocar um recheio entre dois pedaços de pão não parece requerer uma criatividade muito desenfreada. As legiões romanas já comiam sanduíches; eles também fazem parte da Páscoa judaica, o que significa que eles são usados há milhares de anos.
Seja como for, foi o nome de uma nobre família inglesa que fixou esta palavra em nossa civilização.
Bem, caras clientes, aqui terminamos nossa sessão etimológica coletiva. Cuidem-se ao sair do prédio, há muita gente que vai querer mordê-las.