– Boa tarde, meu senhor de bonito uniforme preto. O senhor é o proprietário deste aeroporto? Não? Ah, é um dos vigilantes.
Não faz mal, eu o achei tão simpático que puxei assunto só para lhe dizer que o local onde o senhor trabalha se chama assim desde 1919, do Inglês airport, inicialmente referindo-se ao aeroporto de Baker Field, em New Jersey, Estados Unidos.
A palavra é formada por air, “ar”, que veio do Latim aer, mais port, “porto”, do Latim portus, que por si já tem uma história própria que é… Ora, que pena, o senhor acha que há um grupo de terroristas se infiltrando lá pelo outro lado e vai ter que ir verificar, muito emocionante e perigoso.
Talvez noutra ocasião a gente possa dialogar mais, eu também preciso me apressar para falar com aquela moça atrás do balcão.
– Boa tarde, linda moça, estou aqui para fazer o check-in. Sei que essa palavra é estrangeira, mas está grudada no nosso idioma e agora não há mais jeito, e a senhorita sabia que ela tem uma origem interessantíssima?
Pois veja só, ela vem nada menos que do Persa shah, “rei”, o nome dado à peça de xadrez. Essa palavra virou scaccus em Latim – e nomeou também o jogo. Da palavra latina se fez, em Inglês, check, um aviso que se dá quando o rei do adversário está em perigo.
E dessa conotação de “parar, restringir, controlar” foi que se fez o check-in, o ato de verificar, de controlar se a passagem está em ordem.
Aliás, passagem vem do Francês passage, “desfiladeiro, passagem numa montanha”, do Latim passus, “passo”…
Estou atrapalhando a fila? É mesmo, de onde saíram de repente essas pessoas todas atrás de mim?
Bem, vou ter que parar de lhe dar estas valiosas informações, aqui está meu documento…
Hein? Para mim a senhorita vai fazer uma exceção, contanto que eu vá correndo para a sala de embarque? Muito obrigada, vou para lá em seguida.
– Boa tarde, simpático senhor passageiro que parece que vai embarcar no mesmo avião que eu. Colho a ocasião para lhe informar que avião é uma palavra que antecede de muito o surgimento do dito aparelho, pois foi cunhada em 1863, veja só, eu nem era nascida ainda, e vem da obra de La Landelle Aviation ou Navigation Aérienne, “Aviação ou Navegação Aérea”, com base no Latim avis, “pássaro, ave”.
Olhe, estão nos mandando passar pelo túnel, que deriva do Francês tonel, “barril”, que acabou desenvolvendo o sentido de “cano, tubo” e mais tarde o de “passagem subterrânea” em Inglês. E deste idioma foi passado de volta para o Francês com o novo sentido, não é interessante?
Estamos chegando aos assentos agora. Ora, que pena que não vamos poder ficar juntos para continuar a conversa que o senhor certamente estava achando interessante. Até logo, então.
– Boa tarde, agradável casalzinho com cara de lua-de-mel, o número de meu assento é este aqui ao lado de vocês, bem junto à janela… desculpe, o pé que pisei era seu? Oh, que desastrada, é que é a primeira vez que voo num veículo mais pesado que o ar.
Olhem aqui, bem do nosso lado, o que é essa coisa grande e achatada? Ah, a asa. Sabiam que ela deve seu nome ao Latim ansa, “asa de vaso”?
E essa coisa grande e arredondada pendurada da asa? Ah, sim, a turbina! Como foi que não me dei conta logo? E vejam que um objeto tão moderno é designado por uma palavra muito antiga. Trata-se do Latim turbo, “pião, torvelinho”, de turba, “multidão, confusão”. Aplicou-se também a um moinho movido à água.
– Ora, vejam quem se aproxima. Boa tarde, eficiente Comissária de Bordo! Sabia que o nome de sua função vem do Latim commissarius, “aquele que recebeu uma missão de uma alta autoridade”, de committere, “unir, juntar, combinar”, formado por com-, “junto”, mais mittere, “enviar, lançar”?
E que o moço que está pisando no acelerador dos motores e com o guidom na mão neste momento se chama de piloto, do Italiano piloto, do Grego medieval pedotes, “timoneiro”, de pedon, “remo que serve de leme”, de pous, “pé”? Quem diria, não?
Etimologia é uma matéria muito bonita, eu a leciono para crianças do pré-primário, que graças aos céus estão bem longe agora.
Ahn, a senhorita vai deixar de dar as instruções de segurança e implorar ao condutor para que decole de uma vez, porque acha que estamos atrasados? Pelo meu relógio não parece, mas vocês da Aeronáutica devem ter outros entendimentos. Ah, não se esqueça de contar para o moço que decolar vem do Francês décoller, “separar objetos colados ou encostados entre si”.
– Amoroso casalzinho, vejam, estamos nos deslocando pela pista. Esta palavra vem do Francês piste, “rastro deixado pela passagem de um ser vivo”, do Italiano pesta, “esmagar com os pés”, derivado do Latim pes, “pé”.
Sim, o “pesto” que vocês comem no restaurante tem a mesma origem, mas não acredito que seja esmagado com os pés…
Ai, Senhor, espantai este horror! Eis-nos projetados pelos ares, o que é isso? Hein? Ah, é mesmo, é para isso que este enorme e moderno aparelho serve. Uff, é a falta de hábito que me fez levar este choque, desculpem.
Falando nisso, choque vem do Inglês shock, “golpe súbito”, que veio do Francês choquer, “bater contra”, provavelmente de um idioma germânico, uma palavra imitativa.
Agora que entendi o que está acontecendo, estou até curtindo a subida, lembrando que a origem desta é o Latim subire, formado de sub-, “abaixo, de baixo”, mais ire, nosso conhecido “ir”. A noção é a de chegar a um lugar vindo de outro mais baixo.
Aí vêm as esforçadas comissárias velozmente com o carinho de lanche, parece que vêm nos servir antes dos outros. Ah, é verdade? Por ordens expressas do Sr. Comandante?
Puxa, quanta honra, pena que durante o lanche não vou poder contar as coisas interessantes que estava contando porque é feio falar de boca cheia.
Hum, sanduíche gelado e uma barrinha de cereais, é? Ah, mas poderei repetir o quanto quiser, por especial convite do Sr. Comandante, é? Muito gentil, agradeçam-lhe.
Mas não estou muito acostumada a comer, dado o magro salário que recebo, de forma que logo que engolir esta coisa vou poder voltar a encantar os passageiros aqui ao redor com meus modestos conhecimentos.
FIM DA PRIMEIRA PARTE