Cada vez que entro em nossa aulinha me deparo com uma cacofonia de uivos, gemidos, grunhidos animalescos e outros sons que ferem meus delicados ouvidos. Logo eu, que sonhava um dia com ser pianista!
Sentem-se, crianças, e vamos falar sobre o registro de sons bonitos, para variar um pouco.
Para escrever música… Como, Aninha? Não se lembra mais de onde vem esta palavra? Como hoje eu estou com uma dose extra de calmante não vou puxar sua orelhinha; em vez disso, vou explicar de novo que ela vem do Latim musica, do Grego mousike tekhne, “arte das musas”, já que ela era considerada a manifestação por excelência dessas divindades protetoras das artes.
Como eu dizia, para escrever música se recorre a certos sinaizinhos que, se bem usados, permitem escrever uma sinfonia de Beethoven, uma cantata de Bach ou alguma coisa horrenda como certas coisas que eu sei que vocês ouvem.
Esses sinais são colocados ao longo de um pentagrama, um conjunto de cinco linhas paralelas apertadinhas. Essa palavra deriva do Grego penta, “cinco”, mais gramma, “o que é escrito, letra”.
Outro nome do pentagrama é pauta, do Latim pactus, “estabelecido, fixado”.
Conforme a altura em que se coloca o sinal no pentagrama, ele indica a nota. Esta vem do Latim nota, “letra, caráter, nota”, originalmente “marca, sinal, meio de reconhecimento”, provavelmente de gnoscere, “conhecer”.
Sim, Ledinha, a Tia Odete conhece as notas musicais, agradeço a sua oferta de demonstração, mas fica para depois. Tanto conheço que vou explicar a origem de cada uma.
No século XI, um monge chamado Guido d’Arezzo tirou os nomes das notas, em seu método para ensinar música, da parte inicial de uns versos em Latim dedicados a S. João. Estes eram
Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum
Sancte Johannes
Calma, eu sei que vocês não entenderam nada, está em Latim. Vou traduzir aproximadamente, que o Latim não é coisa de toma lá dá cá.
Em resumo, o autor dizia que “para que, a plena voz, teus servos possam cantar teus feitos maravilhosos, limpa os pecados de nossos lábios manchados, São João”.
Nãão, Valzinha, não nos interessa saber sobre as manchas de batom que apareceram no colarinho da camisa do síndico do seu edifício enquanto a mulher dele estava de férias.
Quietos um momento! Parem de gritar e deixem-me explicar que o UT foi trocado posteriormente por dó, e que o si se fez a partir das iniciais do santo.
Eu sei, Sidneizinho, que as iniciais dele escritas são “S” e “J”, mas esta última se pronunciava como “I”. Arre, para uns baderneiros até que vocês são observadores.
Por que o dó, Zorzinho? Provavelmente porque o ut era mais difícil de pronunciar e aí resoveram usar a sílaba inicial de Dominus, “Senhor”.
Enfim, estão aí todas as notas, dó, ré, mi, fá, sol, lá, si.
Sim, Lary? Certo, em vários países se usa uma notação alfabética, em que estas nossas conhecidas são tratadas respectivamente por C, D, E, F, G, A e B. Muito espertinha você, continue assim.
Mas há outros sinaizinhos com nomes mais esquisitos. Por exemplo, a colcheia, que é um indicador da duração de uma nota, vem do Francês crochée, que significa que foi feito um gancho na representação de uma nota; vem de croc, “gancho”.
O bemol veio do Italiano bemolle, “B fraco”, pois correspondia ao “si” cantado com uma frequência mais baixa. O bequadro vem do Latim B quadratus, já que seu símbolo é um encontro de dois ângulos retos.
O nome da clave, um sinalzinho muito bonitinho que aqui a Tia Odete nunca conseguiu fazer direito, vem do Latim clavis, “chave”, pois é ela que diz a que altura vai ser cantada a música escrita no papel.
Temos também a quiáltera, que mais parece nome de monstro grego daqueles que atacavam os heóis antigos que nem Perseu, Hércules e sua turma.
Apesar disso, ela se refere a uma alteração no ritmo em que se executam três notas no espaço de duas e é uma alteração de sesquialtera, “o que contém um e meio”, de sesqui, “uma vez e meia”.
Tão importantes quanto as notas são as pausas, do Latim pausa, “parada”, do Grego pauein, “fazer cessar”.
E os intervalos expressam a diferença de frequência entre duas notas. A palavra deriva do Latim intervallum, “espaço entre duas estacas numa paliçada”.
Bem, o toque do intervalo para o recreio acaba de soar. Saiam e vão fazer sua música lá fora, que eu vou botar os ouvidos na tipoia.