Difícil imaginar uma relação entre assuntos tão díspares, não? Pois aqui está mais uma das surpresas da Etimologia: todos eles se combinam como sentido de palavras pertencentes a um mesmo grupo.
O Indo-Europeu tinha uma palavra, kand-, “brilhar, emitir luz”. Ela viria a ser cand, em Sânscrito, com o mesmo sentido. Em Grego passaria a formar a palavra kandaros, “carvão”, já que ele emite luz e calor quando aceso. O Latim usaria essa raiz no verbo candere, “ser brilhante, branco, queimar”, que nos deu grande número de verbetes:
CANDEIA – pouco usado entre nós, é o mesmo que “vela” (a de acender, não a de barco). Em Espanhol se usa candela, exatamente como se dizia em Latim para “vela, tocha”.
Os gregos parece que não tinham palavra para isso, pois não usavam essa forma de iluminar. Eles se ajeitavam muito bem usando lamparinas a óleo. As velas eram já conhecidas dos Etruscos e dos Romanos, no entanto. Eram uma forma de levar o óleo em forma sólida, sem derramar. Isto era uma grande vantagem para o transporte comercial, pois se deixava de depender das ânforas, que podiam se quebrar.
Atualmente, candela é usada em nosso idioma como unidade técnica de medida de intensidade luminosa.
CANDELÁRIA – é uma festa católica com velas ou tochas, em honra à purificação da Virgem Maria. É nome de igrejas, bairros e cidades em nosso país. Em Inglês, a festa tem um nome com a mesma origem, candlemass, “a missa das velas”.
CANDELABRO – do Latim candelabrum, “candelabro”, objeto onde são colocadas várias velas de uma vez.
Hoje são apenas elementos decorativos em nossas casas, mas houve época em que eles eram uma das poucas maneiras de se ter um mínimo de luz dentro de casa à noite.
CANDEEIRO – deriva de candela e designa uma lâmpada de óleo ou, modernamente, um artefato para iluminar, como lâmpadas de rua ou de interior de casas.
INCANDESCENTE – do Latim incandescere, “estar em brasa, estar pegando fogo”. Seja descrevendo uma situação física, seja uma disposição sentimental, é melhor não chegar perto demais do que está incandescente.
Alguém pode se queimar, por dentro ou por fora.
CANDENTE – tem o mesmo significado da palavra acima, porém com um uso mais poético: “minh′alma candente por ti se abrasa, por teu sono vela”, dirá um poeta apaixonado, merecendo a resposta “pare de escrever bobagens”.
CANDURA – da noção visual de “branco, luminoso”, por extensão se pensa na metáfora moral de “pureza, ausência de má intenção, inocência”.
CANDIDATO – os romanos distinguiam entre dois tipos de branco.
O branco comum era chamado albus. Em Roma havia tábuas branqueadas com gesso colocadas em lugares públicos. Nelas eram escritos os editos dos pretores, determinações do sumo pontífice e outras manifestações de interesse público. Na forma neutra, album, chegou até os nossos dias, designando um suporte físico para colocação de recortes, fotografias, etc.
Com as fotos digitais, parece que os álbuns estão com os dias contados. Eles passarão a fazer parte da memória dos computadores.
Mas havia o candidus, o branco brilhante, o branco aquele de propaganda de sabão em pó. Quando uma pessoa desejava assumir um cargo público, passava a vestir uma túnica branca. Se o povo achasse que ela não tinha condições para tal cargo, encarregava-se de atirar sujeira nessas vestes, de modo a mostrar que o assim chamado candidatus era desagradável a um grande número de pessoas.
Uma lavanderia destinada a limpar togas brancas de candidatos faria um dinheirão em certos países, se essa instituição voltasse.
CANDIAL – esta sim é pouco conhecida. Designa um tipo de trigo duro, trigo candeal em Espanhol.
– Mas o que diachos tem trigo a ver com o assunto?, – pensarão muitas pessoas.
– Muito – dizemos nós. Esse trigo dava uma farinha muito branca; em razão disso, recebeu um nome que lembra claridade.
E há mais um fato interessante: este tipo de trigo se chamava milium em Latim, derivado de mille, “mil”, por ter numerosos grãos na espiga. Tal nome foi aplicado depois a outra planta, uma gramínea levada pelos conquistadores espanhóis para a Europa, que viria a ter o nome científico de Zea mays e que virou o atual milho.
O verbo candere, “queimar”, formou, para efeitos de composição de palavras derivadas, o sufixo cendere. Entre estas, encontramos:
ACENDER – a mais óbvia, querendo dizer “colocar fogo, incendiar”, de ad-, “junto”, com candere. Daí temos também o acendedor que nos ajuda a fazer a chama do gás em nossos fogões.
INCÊNDIO – do Latim incendium, “fogo, calamidade, conflagração”, formado por in-, “em”, mais candere, ou seja, “colocar fogo em”.
INCENSO – do Latim incensum, “aquilo que queima”. Entre os povos antigos existia a noção de que os sacrifícios feitos aos deuses deviam ser queimados para que o cheiro da oferta chegasse às suas narinas, no Olimpo ou onde quer que estivessem.
Este era um ato feito per fumum, “através do fumo, da fumaça”, o que originou o nosso perfume.
RECENDER – falando em perfume… Este verbo, que significa “espalhar um cheiro”, vem de re-, intensificativo, mais candere. Tudo o que é queimado lança algum tipo de cheiro no ar, resultado da volatilização de seus componentes.
SÂNDALO – pelo visto, está difícil sair do assunto dos perfumes. O nome desta madeira aromática passou pelo Latim sandalum, pelo Grego santalon, pelo Persa sandal, desde o Sânscrito candana-m, nome dado à árvore que produz esta madeira, significando “madeira para queimar e perfumar”.
Este nome veio direto de candrah, “brilhante, luminoso”, com a mesma origem de candere.
Existe um antigo ditado pacifista que diz “Sê como o sândalo, que perfuma o machado que o fere”. Bonito, para quem consegue. E mais bonito ainda para o machado…
ACENDALHA – outra palavra de pouco uso, pelo menos no Brasil. Refere-se ao material (folhas secas, gravetos, palha) de fácil combustão a ser usado para começar um fogo.
ENCANDEAR – é um verbo de menor uso, mas ainda vigente. Significa “cegar com uma luz forte, ofuscar”. Em Espanhol é comum o seu uso, sob a forma encandilar.