BRILHOS
A seleta clientela desta noite para X-8 está se aproximando do escritório dele. Ele percebe isso por causa dos estranhos ruídos estalados que vêm do corredor e pelos reflexos piscantes de luz que entram por baixo da porta.
Em breve estão todas as palavras-clientes acomodadas à frente dele, que faz um breve e enigmático intervalo antes de se dirigir a elas. Ele acha que é sempre bom manter uma aura de mistério ao trabalhar.
– Boa noite, caras consulentes. Esta é mais uma das Noites de Desconto, em que eu baixo meus honorários para atender a palavras que mantenham entre si uma relação de sentido. Faço isso exclusivamente a bem da cultura e informação das Palavras, sacrificando ganhos para poder informá-las de suas origens.
Por favor, coloquem aqui nesta caixa de charutos o pagamento de cada uma e não se esqueçam que quem não pagar sai imediatamente, que afinal sacrifício tem limite.
Bem, verifico que todas cumpriram seu dever, agora é a minha vez.
Com licença, vou colocar meus óculos escuros para contemplar tão brilhante plateia. E preciso deles, pois hoje o tema é “Brilhos”. Todas vocês representam causas de emissão de luz.
Iniciemos ali por brilho. Sua origem é o Latim beryllus, a pedra preciosa, do Grego beryllos, de origem na Índia.
Mais adiante, projetando brilhos, está centelha. Ela vem do Latim scintilla, “faísca”, provavelmente do Indo-Europeu skai-, “brilhar”.
Na sala iluminada por reflexos fortes as palavras estavam pendentes do que o detetive dizia.
– Quando falei em faísca, aquela ali se agitou; seu nome, cara cliente, deriva do Germânico falaviska, “faísca”.
Começando com a mesma sílaba, ali no fundo vemos fagulha, do Latim facucla, um diminutivo de falx, “facho, tocha”. Do seu lado está a sua gêmea não-idêntica faúlha.
E talvez com o maior brilho de todas as presentes, aqui está relâmpago de re-, um prefixo intensificativo, mais lampadare ou lampadicare, de lampada, outro nome para “tocha”, do Grego lampein, “brilhar”.
A palavra se estufou toda.
– Sua prima lampejo tem a mesma origem.
E, com vontade de aparecer, logo aqui se encontra clarão, do Latim clarus, “limpo, claro, brilhante, nítido”.
Formando uma dupla, lá estão foguete, que vem do Espanhol cohete, “artefato pirotécnico”, do Catalão coet, que veio do Latim coda, “cauda”, e pirotecnia, do Grego pyr, “fogo”, mais tekhné, “arte”.
Vejam que os foguetes costumam ter uma cauda que lhes concede boa parte de sua beleza. E que, para lidar com eles, é necessária uma capacidade de lidar com fogo, o que é perfeitamente expresso em pírotecnia.
Temos em nosso grupo também o verbo coruscar, que nos veio do Latim coruscare, “emitir brilhos, faiscar”.
Originalmente ele queria dizer também “dar marradas, bater com a cabeça”, vindo do Grego koryssein, “chifrar, dar marradas”, de korys, “testa”. Com o tempo, o significado mudou para “vibrar” e depois “vibrar emitindo raios”.
Vejam só que complicada essa origem!
As demais palavras olharam o verbo com certa inveja. Elas são assim, definem seu status pela origem.
– Quietinha em sua cadeira, vemos rutilar, do Latim rutilus, “vermelho-dourado”, de um radical Indo-Europeu rudh-, “vermelho”.
A palavra, tímida e satisfeita, ficou com a face vermelha.
– E olhemos ali sua companheira reverberar, do Latim reverberare, “golpear de volta”, de re-, “para trás”, mais verberare, “bater, golpear”. Ela serve para o som – o eco é uma reverberação dele – e também para a luz. Provavelmente ganha dobrado.
Lembro que em nosso idioma temos verberar, “censurar energicamente, repreeender, criticar”.
Como vai, fulgor? Suas origens, como as da maioria aqui, estão em Roma, no verbo fulgere, “brilhar”.
Pequenininha ali, vemos chispa, de origem onomatopaica. Não sabem o que é isso? É uma palavra feita para imitar um som. Vem do Grego onomatopoiía, “ato de fazer palavras”, de onoma, “nome, palavra”, mais poiein, “fazer”. Vejam como o som dela lembra mesmo alguma coisa que ocorre rapidamente, num instante.
Quem é que falta ainda? Ah, sim, por último e nem um pouco menos importante, vemos reluzir, formada por re-, denotando intensidade, mais lucere, “brilhar, emitir luz”, de lux, “luz”.
Bem, caríssimas clientes, nossa sessão está encerrada. Não preciso avisá-las para se cuidarem nos corredores escuros do edifício porque vocês têm luz própria. Minhas recomendações às suas famílias.
Depois que elas fecharam a porta e se afastaram, X-8 tirou os óculos escuros e massageou os olhos.
Os sacrifícios que ele faz pelas palavras, pensou, enquanto guardava o dinheiro recebido debaixo do colchão.